Escândalo na Saúde pode atrapalhar reformas e causar fuga de capital, dizem empresários
Empresários e investidores brasileiros começam a ficar consternados com a série de escândalos envolvendo a compra de vacinas pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Para eles, se o presidente não agir rápido para dar uma resposta contundente à crise, o cenário pode comprometer o andamento das reformas políticas no Congresso, aumentar o risco-país e levar a uma fuga de capital, especialmente em uma eventual abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro. Nesta quarta-feira (30), parlamentares e entidades apresentaram na Câmara um “superpedido” de impeachment do presidente. Em meio à maior crise sanitária já vivida pelo país, que levou à morte de mais de 516 mil pessoas nos últimos 15 meses, o governo acumula três casos de suspeita de corrupção e irregularidades na compra de vacinas contra a Covid-19. A mais recente foi revelada na noite de terça-feira (29) pela Folha: o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, teria pedido propina de US$ 1 por dose para que a pasta fechasse contrato com a Davati Medical Supply, intermediária na negociação de 400 milhões de doses da AstraZeneca. Dias foi exonerado, na sequência da denúncia. Um alto executivo ligado ao banco de investimentos BTG Pactual afirmou que está “decepcionado” com o governo e ainda “digerindo” o escândalo. Para ele, o risco-país –que indica o grau de instabilidade econômica de uma nação e o quanto um investidor estrangeiro corre risco, caso aporte recursos na economia local– pode piorar muito, tendo em vista que a imagem internacional do Brasil “já estava ruim”. Na opinião do executivo –que destaca falar por si, e não pelo BTG–, se a situação de Bolsonaro piorar e o impeachement se tornar uma possibilidade, a fuga de capitais será inevitável. Até o caso da Covaxin, quando Bolsonaro foi acusado de prevaricação ao não denunciar um suposto esquema de superfaturamento para compra da vacina indiana pelo Ministério da Saúde, o executivo acreditava que o assunto era “café aguado” perante a escândalos de governos anteriores, como os do Mensalão, durante a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), e a Operação Lava Jato, deflagrada durante a gestão da também petista Dilma Rousseff (2011-2016). Mas a atual situação do governo é “triste”, diz ele, que mantém a aposta no ministro da Economia, Paulo Guedes. O “Posto Ipiranga”, aliás, como diz Bolsonaro ao se referir a Guedes, e sua agenda de reformas e privatizações, é o último bastião do atual governo perante o mercado. O ruído político em torno das denúncias, no entanto, pode contaminar as discussões que estão acontecendo no Congresso em torno da agenda econômica de Guedes, como a reforma do Imposto de Renda, avalia Pietra Guerra, analista da Clear Corretora, que deve custar “mais caro” politicamente para ser aprovada, segundo Dan Kawa, diretor da TAG Investimentos. Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, concorda. “Enquanto as incertezas quanto à reforma tributária seguem tirando fôlego dos ativos locais, a nova acusação de corrupção contra o governo promete manter tensões elevadas em Brasília”. “Corrupção existe em qualquer lugar, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa”, diz João Cox, sócio da empresa de investimentos e consultoria Cox Investments & Advisory. “A questão é como o governo reage às denúncias. Se ele tem uma agenda anticorrupção, precisa executá-la”, afirma. Para Cox, se Bolsonaro “se faz de surdo” perante às denúncias, a pressão no Congresso aumenta, abrindo uma disputa na discussão das reformas, que correm risco de não saírem do papel. “O Brasil precisa demais das reformas, estamos ficando para trás na economia mundial”, diz. Enquanto os Estados Unidos crescem e geram empregos, aqui a taxa de desemprego bate recorde e chega a quase 15%, afirma Cox, que é presidente do conselho de administração da Vivara e também participa do conselho da Braskem, Petrobras, Embraer e Linx. Ele destaca que suas opiniões são próprias e não refletem uma posição das empresas sobre o assunto. Para um acionista minoritário do grupo BRF, o aumento da crise política pode atrapalhar o andamento das reformas, das privatizações e a retomada do crescimento econômico. Segundo ele, o dólar em trajetória de queda e a aprovação da privatização da Eletrobras haviam dado um novo ânimo ao mercado. Mas os escândalos recentes abrem uma preocupação quanto à desorganização da base governista, diz ele, salientando que instabilidade política leva ao aumento do risco. Este empresário considera que o Brasil ainda precisa encontrar a sua terceira via para a alternância de poder entre Lula e Bolsonaro. Segundo ele, a rejeição a ambos é “gigante” entre muitos empresários, mas ninguém gostaria de ver um novo processo de impeachment neste momento, pois isso afugentaria o capital. Horácio Lafer Piva, acionista e membro do conselho da Klabin, afirma que o governo se atrapalha mais a cada dia. “Desta maneira, inviabiliza ainda mais a retomada sustentada do Brasil. São tão poucos criando tantos prejuízos e de naturezas tão diversas”, afirma. Na opinião de Piva, só o tema Covaxin já tem enorme dimensão e é assunto para CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). “Mas ainda está muito enevoado por personagens complexos”. Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), diz que a crise política atrapalha as reformas, o desenvolvimento e a recuperação no pós-pandemia. “Tem muita coisa a ser feita, qualquer crise política atrasa tudo isso ainda mais”, diz. Para Luiz Barsi, o maior investidor pessoa física do Brasil, os escândalos só abalam ainda mais a confiança do empresariado no governo, mas ressalta que as investigações ainda estão em andamento. “Enquanto isso, o governo tem uma intenção forte de produzir reformas significativas para o país e nós precisamos delas”, diz ele, que traz na sua carteira estatais como Banco do Brasil e Eletrobras. “Mas eu não sei até que ponto a Câmara e o Congresso estão dispostos a aprovar todas essas mudanças”. Presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Barsi defende a necessidade de reformas para o país ganhar competitividade em nível global. “Temos uma estrutura de custos, de tributos, acima do desejado. Na questão trabalhista,
O pior ainda está por vir para os emergentes, diz o BIS
Os países em desenvolvimento ainda vão sentir o impacto econômico total da crise da covid-19 e não poderão contar com o apoio dos principais bancos centrais mundiais, que buscam reduzir os estímulos da pandemia, alertou o diretor do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Agustín Carstens, diretor-geral do BIS, o banco dos bancos centrais, disse que os emergentes estão próximos de esgotar sua capacidade de tomar empréstimos e de usar a política fiscal e monetária. “[As economias em desenvolvimento] têm de começar a encarar as agruras de como estimular o crescimento [com] todas essas coisas operando contra… com espaço fiscal reduzido, elas não têm espaço monetário, têm maior endividamento privado e maior dívida soberana”, além de uma arraigada baixa capacidade de crescimento, afirmou ao “Financial Times”. Esta é a primeira vez, diz Carstens, que o crescimento das economias avançadas fica acima do crescimento mundial, que por sua vez supera o crescimento dos emergentes. “O crescimento dos emergentes tem desacelerado, e não vislumbramos uma recuperação.” As taxas de crescimento de muitas economias emergentes recuaram na década anterior à pandemia, quando ultrapassaram por pouco o crescimento registrado pelas economias avançadas. Embora China, Índia e outras partes da Ásia em desenvolvimento tenham continuado a crescer em ritmo acelerado, um grande número de países emergente estagnaram. Os altos níveis de endividamento tanto público quanto privado nas economias emergentes afetarão os investimentos e, se as condições financeiras endurecerem, as economias emergentes ficarão especialmente expostas, disse Carstens. A probabilidade de isso acontecer está aumentando, num momento em que os principais bancos centrais, incluindo o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) já miram a redução de suas medidas de estímulo da era da pandemia. Em decorrência disso, apesar do número de falências mundiais tenha caído para seu patamar mais baixo neste século graças ao apoio dos BCs, segundo Carstens “ainda não se sabe” se as empresas poderão sobreviver “se confrontadas com uma política [monetária] menos frouxa e menos apoio direto”. Portanto, embora as economias em desenvolvimento tenham conseguido até agora superar os obstáculos da pandemia sem enfrentar uma crise financeira ou econômica, ainda existe um risco significativo de passarem por isso, disse ele: “Alguns de nós achamos que este pode não ser o quadro definitivo, e que o que vimos até agora é bom demais para ser verdade”. Os países em desenvolvimento que dependem de investidores estrangeiros para reforçar suas economias enfrentarão tempos especialmente difíceis, segundo dois relatórios recentes. No começo deste mês o centro de Política e Pesquisa Econômica, com sede no Reino Unido, detectou que o retorno médio sobre o investimento estrangeiro direto (IED) caiu nos últimos dez anos, com uma retração maior nas economias em desenvolvimento do que nas avançadas. Relatório publicado na semana passada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) apurou que países em desenvolvimento passaram por uma queda particularmente acentuada do IED pioneiro, que cria novas instalações e novos empregos, em 2020. Tanto o número quanto o valor de investimentos inteiramente novos caíram mais de 40% nos países em desenvolvimento, em comparação à queda de menos de 20% verificada nas economias avançadas. VALOR ECONÔMICO
A pandemia, a economia e o mercado de trabalho (João Saboia)
A divulgação dos resultados das Contas Nacionais do IBGE do primeiro trimestre do ano trouxe a informação de que o nível da atividade econômica voltou ao patamar do último trimestre de 2019, ou seja, do último antes do início da pandemia. O retorno ao nível anterior não foi uniforme. A agropecuária, que foi poupada ao longo de todo ano de 2020, no início de 2021 estava 5,8% acima do final de 2019. Com relação à indústria e aos serviços, houve crescimento de 1,9% e queda de 1,9%, respectivamente. Olhando o PIB pelo lado da demanda, o consumo das famílias caiu 3,1%, o consumo do governo, 4,9%, enquanto a formação bruta do capital cresceu impressionantes 19,3%, representando o maior nível da série desde o início de 2015. Conforme é amplamente sabido, em tempos normais o mercado de trabalho segue a evolução da atividade econômica, embora com um pequeno atraso. Isso vale tanto em períodos de melhora quanto de piora. Em 2014, por exemplo, a economia já vinha mostrando sinais recessivos desde o início do ano. Isso não impediu que a população ocupada crescesse a ponto de se obter no final de 2014 a menor taxa de desemprego de toda a série da Pnad Contínua. A comparação dos dados da economia e do mercado de trabalho entre o último trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2021 confirma as dificuldades enfrentadas atualmente pelo mercado de trabalho, apesar do retorno da economia à situação anterior à pandemia. Mostra também que, dependendo da evolução da economia nos próximos meses, tais dificuldades poderão durar muito tempo e sua recuperação será bem mais lenta do que a recuperação econômica [1]. Segundo os dados da Pnad Contínua, entre o último trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2021, a população ocupada caiu 9,5%, o número de desocupados cresceu 27,6%, a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas aumentou 3,5%, a população desalentada subiu 29,2%, a força de trabalho potencial (desalentados + não desalentados) cresceu 47,0%, e o total da população subutilizada (desocupados + subocupados por insuficiência de horas trabalhadas + força de trabalho potencial) aumentou 26,9%. (ver tabela). No início de 2021 havia 33,2 milhões de pessoas subutilizadas no mercado de trabalho no Brasil! Esses números deixam claro que, embora a economia tenha voltado aos níveis pré-pandemia, o mercado de trabalho encontra-se atualmente muito pior do que estava antes da crise de 2020. Alguns dados adicionais ajudam a entender as atuais dificuldades do mercado de trabalho. Se separarmos as pessoas ocupadas em formais e informais, verifica-se que os dois segmentos sofreram muito durante a pandemia. Os formais caíram de 55,1 para 51,5 milhões (queda de 6,7%). Os informais, de 39,4 para 34,2 milhões (queda de 13,1%). Ou seja, a crise atingiu proporcionalmente muito mais os informais (empregados sem carteira, empregadores e trabalhadores por conta própria não contribuintes para a previdência e trabalhadores familiares) do que os formais (empregados com carteira, funcionários públicos, empregadores e trabalhadores por conta própria contribuintes). Com isso, houve queda da taxa de informalidade, o que parece paradoxal em tempos de crise. Essa é, inclusive, uma das razões para a performance relativamente favorável do rendimento médio do conjunto de ocupados ao longo da crise, uma vez que o rendimento dos mais atingidos (informais) é bem inferior ao dos menos atingidos (formais). A segunda razão é a própria evolução mais favorável do rendimento dos formais comparativamente aos informais. Portanto, a recuperação do mercado de trabalho não depende apenas de melhoria das expectativas de empresários sobre a economia para decidirem pela contratação de novos empregados com carteira assinada. É preciso também que as condições sanitárias permitam o retorno dos mais de 5 milhões de informais que se retiraram da força de trabalho durante a pandemia. É aqui que entra a questão da imunização da população contra a covid 19. Apesar do aumento do ritmo da vacinação no país, ele ainda se encontra muito lento. A falta de contratação de vacinas em 2020 acabou resultando em atraso da imunização da população e em seu início muito lento. Grande parte dos mais jovens, que constituem importante parcela da força de trabalho, ainda não tomou a primeira dose da vacina. Se tudo correr bem, só no último trimestre do ano teremos o grosso da população vacinada. Mesmo que a economia continue a melhorar ao longo de 2021, o país deverá continuar apresentando sérias dificuldades no mercado de trabalho nos próximos meses. Por um lado, o crescimento da agricultura e da formação bruta do capital até aqui observado gera relativamente poucos empregos. Enquanto o setor de serviços não se recuperar não haverá recuperação do nível de emprego. Por outro lado, houve forte crescimento da produtividade do trabalho durante a pandemia que dificilmente será revertido, dificultando anda mais a recuperação do mercado de trabalho. De certa forma, pode-se afirmar que, em termos de mercado de trabalho, 2021 já pode ser considerado um ano perdido e que o retorno a algo semelhante ao que ocorria no final de 2019 ainda levará muito tempo. E o mais irônico nisso tudo é que 2019 não foi nada brilhante em termos de mercado de trabalho, que ainda sofria os efeitos da crise de 2015/2016 e do pouco crescimento da economia em 2017/2019. [1]. A comparação entre o quarto trimestre de um ano e o primeiro trimestre de outro ano pode apresentar alguma dificuldade por conta da sazonalidade existente ao longo do ano. No caso do PIB estamos utilizando dados dessazonalizados. No caso da Pnad Contínua são utilizados os dados originais divulgados pelo IBGE sem correção sazonal. Como os dados do mercado de trabalho costumam ser mais favoráveis no último trimestre de cada ano, a comparação aqui realizada pode estar sendo um pouco desfavorável ao mercado de trabalho. João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). VALOR ECONÔMICO
Desemprego estável é “positivo” ,dizem analistas
O mercado de trabalho continuou frágil no trimestre encerrado em abril, quando foi mantida a taxa de desemprego recorde alcançada em março, de 14,7%. A ausência de piora adicional em meio ao momento mais agudo da segunda onda da pandemia e ao aumento no número de pessoas em busca de trabalho foi apontado como fator “positivo” por analistas. A taxa de desemprego deve seguir pressionada pelo movimento de trabalhadores que estão saindo da inatividade para o mercado de trabalho e pelo lenta criação de vagas, mas os economistas não veem piora do quadro devido ao avanço da vacinação e à recuperação da economia, ainda que gradual. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, o país tinha 14,76 milhões de desempregados no trimestre até abril e população ocupada de 85,94 milhões de pessoas, estabilidade estatística em relação ao trimestre encerrado em janeiro. Na comparação com igual período do ano passado, contudo, o número de desocupados é 1,95 milhão maior. “Os dados de abril ainda trazem informações de fevereiro e março. E o que se vê é que a segunda onda de covid-19 não foi tão negativa para o mercado de trabalho como a primeira. O fato de não ter havido queda na ocupação já é uma sinalização positiva, embora ainda muito tímida”, diz o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Rodolpho Tobler. Ainda assim, a chamada mão de obra subutilizada ou desperdiçada atingiu o recorde de 33,25 milhões de pessoas, número que junta desempregados, desalentados – que não buscam ocupação, mas gostariam de trabalhar – e aqueles que trabalham menos horas do que gostariam. Livre de efeitos sazonais, houve aumento na taxa de desemprego, de 13,8% para 14,1% de março para abril, anota Lisandra Barbero, economista do Banco Original. A força de trabalho aumentou 0,7%, acima do 0,3% do crescimento da ocupação, na mesma base de comparação. Mas o aumento da ocupação gerou crescimento de 1% na massa de rendimentos, na série dessazonalizada, o que para ela é positivo, assim como o incremento do trabalho em segmentos como alojamento e alimentação e serviço doméstico, muito afetados pela pandemia. “Alguns dados da Pnad reforçam essa sinalização de que não houve necessariamente uma piora do mercado”, diz. Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, estima que a desocupação deve ceder nos próximos meses, acompanhando a retomada gradual da economia e o avanço da vacinação. “As duas últimas leituras da Pnad Contínua mostraram o pico do desemprego”, diz, sobre o recorde de 14,7%. Essa redução, contudo, deve ser lenta e, na média do ano, a taxa ainda deve ficar em 14,1%, acima dos 13,5% em 2020. Em certa medida, pondera, a magnitude da taxa de desemprego vai depender do número de pessoas que voltarão ao mercado nos próximos meses. No trimestre encerrado em abril, a força de trabalho estava 1,35 milhão de pessoas abaixo de igual período de 2020. A recuperação da ocupação deve se dar via trabalho informal, que tem menor produtividade e renda mais baixa, diz Tobler. O trabalho por conta própria, com ou sem CNPJ, deve ganhar espaço. O contingente deste grupo já avançou 2,3% no trimestre encerrado em abril, frente ao terminado em janeiro, para 24,04 milhões, diferença de 537 mil pessoas. Na comparação com igual trimestre de 2020, a alta foi de 2,8%, após quatro recuos seguidos. “O trabalho por conta própria não depende de abertura de vagas, mas de uma iniciativa individual, muito puxada pela necessidade”, observa. Para ele, pelos próximos meses, a taxa de desemprego vai se manter em patamar elevado e o mercado de trabalho fragilizado, a despeito da perspectiva de melhora no cenário por causa do avanço da vacinação. “A taxa de desemprego vai continuar pressionada. Mesmo que se espere mais geração de vagas. À medida que mais trabalhadores vão conseguindo se recolocar, mais gente vai voltar a buscar trabalho”, diz. A perspectiva de melhora, no entanto, alerta ele, ainda tem riscos, atrelados à evolução da pandemia no país. VALOR ECONÔMICO
Aumenta fatia de homens, negros e mais velhos no desemprego de longa duração, diz levantamento
A pandemia de coronavírus provocou mudanças no perfil dos desempregados de longa duração, que procuram trabalho há dois anos ou mais. Durante a crise sanitária, o Brasil registrou aumento na proporção de homens, negros e trabalhadores com 30 anos ou mais nessa situação, indica levantamento da consultoria IDados. A análise foi produzida a partir de resultados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) trimestral, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O desemprego de longa duração descreve a realidade de profissionais que estão sem trabalho e procuram novas vagas (formais ou informais) há pelo menos dois anos. No primeiro trimestre de 2021, quase 3,5 milhões de brasileiros enfrentavam esse quadro. Trata-se do maior número da série histórica da Pnad Contínua, com dados desde 2012. Conforme a IDados, as mulheres ainda são maioria entre os desempregados de longo prazo, mas os homens aumentaram sua participação no grupo ao longo da pandemia. No primeiro trimestre deste ano, eles passaram a responder por 41,1% do total de pessoas nessa situação. Um ano antes, no primeiro trimestre de 2020, a fatia masculina era de 37%. Ou seja, houve alta de 4,1 pontos percentuais no intervalo de um ano. Enquanto isso, a parcela feminina baixou de 63% para 58,9%. Responsável pelo levantamento, o pesquisador da IDados Bruno Ottoni lembra que as estatísticas oficiais costumam sinalizar maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho entre as mulheres. Entretanto, com a chegada da pandemia, a fatia masculina também passou a enfrentar obstáculos, o que se reflete nos dados de desemprego de longa duração, aponta o economista. No recorte por idade, a parcela de adultos com 30 anos ou mais foi aquela que elevou sua participação entre os desocupados há dois anos ou mais. Entre o primeiro trimestre de 2020 e igual período de 2021, subiu três pontos percentuais, de 50,2% para 53,2%. Assim, distanciou-se da fatia mais jovem, com 29 anos ou menos, que recuou de 49,8% para 46,8%. Ottoni ressalta que o grupo mais velho costuma reunir profissionais com experiência no mercado, mas isso não foi suficiente em muitos casos para garantir recolocação. Segundo ele, o quadro preocupa porque pode indicar que mais chefes de famílias tenham entrado na fila do desemprego de longa duração. “Os resultados trazem preocupações. Grupos que antes não sofriam tanto no mercado de trabalho também passaram a sofrer. Em geral, a parcela com 30 anos ou mais não teria tantas dificuldades para se inserir, mas sofreu. Homens teriam maior facilidade, mas aí vem a pandemia, e eles não conseguem emprego”, ressalta. O levantamento traz ainda recorte por cor. No primeiro trimestre deste ano, profissionais negros passaram a responder por 64,4% do total de desempregados havia dois anos ou mais. A marca representa aumento de 1,3 ponto percentual em relação ao começo de 2020 (63,1%). Trabalhadores negros, frisa Ottoni, já amargavam mais dificuldades no mercado de trabalho antes da crise, registrando um aumento menor se comparado a homens e adultos de 30 anos ou mais. Os profissionais brancos que estavam no desemprego de longa duração passaram de 36,9% para 35,6% durante a pandemia. “Houve aumento entre os trabalhadores negros, mas não tão grande. A situação já era preocupante”, sublinha o pesquisador. Na visão de Ottoni, a volta dos desocupados de longa duração ao trabalho depende, principalmente, da retomada do setor de serviços. É que esse segmento é o maior empregador do país e, na pandemia, foi atingido em cheio por restrições. A destruição de vagas ocorreu porque serviços diversos dependem da circulação de consumidores. Hotéis, bares e restaurantes fazem parte das atividades do setor. Se a vacinação contra a Covid-19 acelerar, há uma perspectiva de melhora dos negócios – e do mercado de trabalho –a partir do segundo semestre deste ano, conclui Ottoni. “O que vai acontecer com esse grupo [desempregados há mais de dois anos] vai depender muito de serviços. Se houver recuperação, podemos ter recontratações primeiro de quem está há menos tempo desempregado e, depois, de quem está afastado no longo prazo. Esse pessoal é o que fica mais para o final da fila, porque, na hora de contratar, o empregador costuma buscar antes alguém desempregado há menos tempo”, analisa. FOLHA DE S. PAULO
Novo Bolsa Família pode liberar 30% do benefício para pagar crédito consignado
Com o objetivo declarado de promover a emancipação financeira e o empreendedorismo, o novo Bolsa Família pode gerar endividamento dos mais pobres. O governo quer permitir que até 30% do valor do benefício possa ser descontado na fonte para abater empréstimos consignados. A proposta consta em minuta da medida provisória – à qual o Estadão teve acesso – que traz o desenho técnico da reformulação e da ampliação do programa pelo governo, com nome provisório de Renda Cidadã. O Bolsa Família “turbinado”, como os aliados no Congresso chamam o projeto, é considerado uma plataforma política para a busca da reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022. O valor médio do benefício (fixado inicialmente em R$ 250) ainda depende de cálculos que estão sendo feitos depois que Bolsonaro pediu à equipe econômica que o elevasse para R$ 300. Pela proposta, o pagamento das parcelas do crédito concedido por bancos poderá ser descontado quando “expressamente autorizado pelo beneficiário até o limite de 30% do valor do benefício”. Caberá ao Ministério da Cidadania definir as condições do crédito e critérios para a celebração dos acordos de cooperação técnica entre a pasta e as instituições financeiras interessadas em ofertar o empréstimo. O tomador do dinheiro que perder a condição de beneficiário do Bolsa Família continuará responsável pela quitação do empréstimo ao banco. A proposta já enfrenta críticas. “Não consigo entender de que forma um programa de transferência de renda possa ser uma porta para uma dívida”, diz Rogério Barbosa, sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador do tema, Barbosa destaca que as famílias mais pobres são justamente aquelas que têm maior dificuldade em arcar com quaisquer tipos de empréstimos. “Ainda que o pagamento seja consignado (ou seja, já descontado pelo banco no valor do benefício), isso significa uma subtração substantiva de um valor que já é baixo.” Barbosa alerta para o risco de o contemplado pelo programa ficar sem o benefício e ter de arcar com o empréstimo. Ele lembra que na história do programa Bolsa Família há casos de cancelamento massivo de beneficiários. Em 2017, ocorreu um desses episódios. Nos meses seguintes, houve uma concessão massiva de benefícios, mas que deixou de fora os excluídos. “Se isso acontece com empréstimo consignado, vai ter um problemão”, alerta. Segundo ele, os beneficiários que contraírem o empréstimo podem ser excluídos, inclusive, por erros administrativos. “Como é que eles vão arcar com a dívida remanescente?”, questiona. O empréstimo consignado faz parte da estratégia do governo de dar uma porta de saída das pessoas do programa, uma “emancipação”. O argumento é que o empréstimo pode permitir ao beneficiário comprar produtos que lhe permitam empreender para garantir um sustento, por meio do microcrédito. Pelo texto da MP, a ideia é que o Ministério da Cidadania promova concorrência na oferta do crédito consignado aos beneficiários, permitindo liberdade de escolha entre o maior número possível de bancos. Mas é a Caixa Econômica Federal que sai na frente nessa corrida porque abriu as contas digitais para a concessão do auxílio emergencial concedido durante a pandemia. Serão exigidas condições mínimas de programa de educação financeira dos beneficiários que quiserem contratar o crédito. A MP diz que os benefícios serão pagos mensalmente por instituição financeira autorizada. Mas dispensa de licitação os bancos públicos, como Caixa, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e Banco do Brasil. Os benefícios poderão ser pagos por meio de uma série de modalidades de contas, entre elas, a conta poupança social digital. Chama a atenção dos especialistas que a abertura da conta do tipo poupança social digital para os pagamentos dos benefícios poderá se dar de forma automática, em nome do responsável familiar inscrito no Cadastro Único. A MP garante que o banco que fizer a abertura de conta poupança social digital poderá usar essas informações para ações de inclusão financeira dos beneficiários do programa, entre elas o crédito consignado, “sem prejuízo das hipóteses de sigilo bancário”. Vale-crecheConforme o texto, o programa vai permitir o pagamento de mensalidade em creches privadas particulares, comunitárias, confessionais, beneficentes ou filantrópicas regularmente instituídas. O vale-creche (auxílio criança cidadã) será pago diretamente às creches, que não precisarão comprovar regularidade fiscal para aderir à iniciativa. Somente se não existirem vagas em creches públicas ou privadas, o recurso será repassado diretamente à família. É para crianças de seis até 47 meses (quase quatro anos) de idade cujo responsável comprove ou obtenha emprego formal. Esse benefício estará condicionado à disponibilidade de orçamento. Constatadas irregularidades que ocasionem o recebimento indevido do vale-creche, a instituição de ensino deve fazer o ressarcimento de valores, mas a família responderá “subsidiariamente” pela ocorrência. Programa novoObjetivo: Ampliar a oferta do atendimento das crianças e pré-escolas.Benefícios: Serão voltados para primeira infância (crianças com idade entre zero e 36 anos meses incompletos), gestantes ou pessoas com três e 21 anos incompletoQuem tem direito: Famílias cuja renda per capita mensal seja de R$ 200Tipos de benefícios:Prêmio Esporte Escolar: aos estudantes das famílias beneficiadas que se destacarem em competições oficiais dos Jogos Escolares Brasileiros;Bolsas de Iniciação Científica: estudantes das famílias beneficiadas que se destacarem em competição acadêmica;Bonificação por desempenho escolar: para estudantes a partir do 5º ano do ensino fundamental;Auxílio Criança Cidadã: para bancar creche de crianças de seis até 47 meses;Benefício Alimenta Brasil: incentivo à produção, doação e consumo de alimentos saudáveis;Benefício Extraordinário covid-19: para órfãos da covid-19 até completarem 18 anos O ESTADOD E S. PAULO
‘Para retomar empregos, precisamos mais de uma resposta política do que econômica’, diz economista
O pior momento para o mercado de trabalho já passou. Pelo menos, essa é a opinião de Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Segundo ele, apesar de a taxa de desemprego ter chegado a 14,7% no trimestre encerrado em abril, 0,5 ponto porcentual acima do período encerrado em janeiro, o número de pessoas empregadas teve uma estabilidade. O que aumentou foi a força de trabalho, o que impactou a taxa de desemprego. Para o economista, nem mesmo o crescimento mais robusto esperado para este ano será suficiente para que a taxa volte aos níveis pré-pandemia. Para acelerar o processo, Zylberstajn afirma que são necessárias regulações e reformas para estimular o investimento em infraestrutura para o País voltar a ter uma retomada contínua. “Mas precisamos mais de uma resposta política do que econômica para retomar os empregos.” Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista. Como o senhor observou o resultado do emprego divulgado pelo IBGE?O emprego no Brasil está estagnado, o que não é bom, mas é melhor do que se estivesse caindo. Não houve neste último trimestre nem grandes reduções e nem grandes perdas no mercado de trabalho. Em todas as categorias houve variações dentro de uma margem de erro e também houve uma estabilização no número de empregos. As empresas não querem demitir, pois se vier a retomada, elas vão ter de recontratar e treinar funcionários. Isso custa caro. Mas a força de trabalho teve um aumento de 400 mil, então impactou no resultado. Há economistas que apontam uma alta do PIB de mais de 5% em 2021. Podemos esperar resultados melhores ainda em 2021?Um crescimento de 5% a 6% neste ano será positivo e vai gerar empregos, mas ainda longe dos patamares de antes da pandemia. Só conseguiremos retomar esses números com investimentos. E isso depende de o Congresso e do governo trabalharem para assegurar reformas e regulações eficientes e que sejam respeitadas. Mas, para crescer, precisamos mais de uma resposta política do que econômica. É possível acelerar esse processo?Só vamos fazer isso com políticas que favoreçam, principalmente, o investimento em infraestrutura. É um investimento que tem um efeito multiplicador grande e é um setor que consegue absorver as pessoas de menor qualificação. O Estado sempre foi o grande investidor em infraestrutura, mas agora o País está quebrado. A nossa esperança é que os capitais privados venham em grande volume para a infraestrutura e estamos vendo isso acontecer, mas ainda precisa de mais. Não vamos conseguir ocupar todo mundo em um curto espaço de tempo. É necessário, então, continuar com o auxílio emergencial?Sim, pois vamos precisar continuar dando assistência a essas pessoas. A sociedade percebeu isso. Só por meio do mercado e do crescimento econômico não vamos conseguir dar apoio a toda essa população. Em algum momento, no futuro, as pessoas vão ser absorvidas, mesmo aquelas sem tanta qualificação, pois há muitas oportunidades na construção civil. Mas, antes, precisamos voltar a crescer. Como o senhor avalia a respossta do governo para a manutenção dos empregos?A política foi um sucesso. E os programas de manutenção do emprego e renda estão fazendo a diferença. Temos ainda 2,2 milhões de pessoas na CLT e com estabilidade ainda no mês de junho por causa dos acordos do fim do ano passado. Na minha estimativa, essa política ajudou a manter 12 milhões de empregos. O ESTADO DE S. PAULO
Armadilhas do projeto do Imposto de Renda (Celso Ming)
Os tributaristas e talvez alguns políticos se encarregarão de fazer as avaliações mais aprofundadas sobre as características da reforma do Imposto de Renda encaminhada ao Congresso pelo governo. Aqui vão algumas observações. Antes, uma advertência. Este pode parecer assunto árido e sonolento, mas é obrigatório, porque é por meio de tecnicalidades maçantes que se escondem as mordidas do Leão sobre a renda do contribuinte. Por isso, é melhor tentar entender do que se trata para, ao menos, espernear depois com certo conhecimento de causa. Desde que assumiu o Ministério da Economia, o ministro Paulo Guedes vem pregando a necessidade de simplificar o confuso sistema tributário do Brasil – no que está carregado de razão. Por isso, esperava-se que um projeto de seu patrocínio tivesse esse objetivo. O que se viu foi o contrário, foram mais complicadores, especialmente no que tange à tributação de renda obtida no exterior, no cálculo da taxação de lucros e dividendos e no dos rendimentos passados dos fundos imobiliários. Dá para dizer, também, que essa complexidade acabará por dar mais poder à Receita Federal, na medida em que empurra para a direção de mais fiscalização e mais auditoria. Um exemplo: ficarão sob o crivo da Receita as despesas lançadas em mais 5 milhões de empresas que declaram rendimentos pelo lucro presumido. O projeto não quer que haja aumento dessas despesas (e, portanto, não quer redução do lucro tributável da empresa), de modo a que induza o contribuinte a compensar (ou a disfarçar) com outros benefícios a cargo da empresa os dividendos que deixará de receber. E põe mais farejadores da Receita nesses rastros, que ficarão de impor seus critérios. Também não dá para acreditar nas reiteradas afirmações do ministro de que não haverá aumento da carga tributária. Os dividendos já eram taxados em 34%, na condição de lucro das empresas, e agora são tascados em mais 20% quando da sua transferência para os acionistas. A forte redução ou eliminação de outras isenções também vai nessa direção. Em projetos desse tipo, o governo sempre mete uns bodes que é para afinal tirá-los e, assim, dar a impressão de que estará fazendo concessões, mas arrancando a aprovação do principal. Um desses bodes poderá ser a alíquota de 20% na taxação dos dividendos que integrarem a renda das pessoas físicas. O ministro já sugeriu que poderia reduzi-la a 15%, que é quanto o Imposto de Renda cobra hoje nos ganhos de capital. Mas, no atacado, embora negada, a ideia é mesmo aumentar a carga. A distribuição de dividendos fica assim desencorajada. A justificativa apresentada pelo governo é a de que produzirá uma sobra de recursos a ser canalizada para mais investimentos da empresa e para aumento do emprego. Mas pode acontecer o contrário. Menos remuneração ao acionista tende a desestimular o investimento. Desestímulo ainda mais claro ao investimento é a retirada das vantagens fiscais aos fundos imobiliários, por meio dos quais o setor vinha obtendo recursos para incorporação de áreas e construção de habitações. Este é um dos segmentos da atividade econômica que mais empregam mão de obra. Por trás do aumento da carga tributária está seu objetivo não reconhecido: O governo quer aumentar as despesas das contas públicas, sob a roupagem de redistribuição de renda. O pretendido é ter mais recursos para bancar o programa social que substituirá o Bolsa Família ou estender o auxílio emergencial possivelmente a mais gente, às vésperas de outubro de 2022, de modo a garantir o amém do eleitor, jogada, aliás, de eficácia duvidosa. O ministro argumenta que o aumento da arrecadação em certas áreas virá para compensar a revisão (para cima) da tabela progressiva do Imposto de Renda, aquela em que o contribuinte pula de faixa (e de alíquota) sempre que seu salário aumenta. Essa revisão não é nenhum favor especial ao contribuinte; é necessidade técnica, na medida em que a inflação aumentou o salário sem aumentar o poder aquisitivo – e não faz sentido aumentar a carga sobre inchaço, ou sobre o que não é aumento real de renda. São tantos os direitos contrariados que será inevitável o aumento do contencioso. Tão logo esse projeto seja aprovado, aumentarão substancialmente os recursos à Justiça e, portanto, aumentarão as incertezas, desta vez, jurídicas. *CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA O ESTADO DE S. PAULO
Proposta de reformulação do IR se transformou numa guerra de narrativas (Adriana Fernandes)
Definitivamente, o governo não esperava a saraivada de críticas que a proposta de reformulação no Imposto de Renda – uma segunda fase da reforma tributária – causou desde que foi divulgada na sexta-feira passada. O clima é de completa revolta entre os empresários que têm feito seguidos manifestos de protestos. A reforma se transformou numa guerra de narrativas. Cada um tem o seu ponto de vista, reforçando a premissa que vem impedindo até agora avanços nos últimos 20 anos: todo mundo é a favor da reforma desde que ela não bata no seu bolso. Os principais pontos da proposta – a volta da taxação de lucros e dividendos com alíquota de 20% e o fim dos Juros sobre Capital Próprio (usado pelas empresas para distribuir lucros a seus acionistas) – já eram conhecidos pelas informações divulgadas pela imprensa nas últimas semanas. Mas as grandes empresas e bancos não acreditaram que o ministro da Economia, Paulo Guedes, fosse levar para frente justamente a proposta mais pesada. O texto veio salgado para eles, que agora se movimentam intensamente na Câmara e no Senado para barrar a proposta ou minimizar os danos. Guedes não só emplacou a proposta mais salgada no Palácio do Planalto como pagou para ver ao atrelar o ganho de arrecadação com a tributação de lucros e dividendos ao novo Bolsa Família. Um vai compensar o aumento dos gastos de outro, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A estratégia planejada há meses é reforçar a narrativa da escolha dos parlamentares entre o auxílio à pobreza versus benefício a acionistas que há 25 anos estão isentos de pagar o Imposto de Renda sobre a remuneração do capital investido nas empresas. Em direção oposta, a principal narrativa do setor produtivo é a de que a reforma do IR vai aumentar brutalmente a carga tributária em 2022, justamente no ano da consolidação da retomada econômica depois da dureza destes dois anos seguidos de pandemia. As grandes empresas pressionam os deputados para manter o JCP e reduzir à metade a alíquota da taxação de dividendos. Tem sido uma correria para tentar marcar agenda com lideranças da Câmara e encontros com o presidente Arthur Lira. Eles querem que a Receita abra as contas e prove que não haverá aumento da carga. Mesma demanda na reforma da Previdência. A diferença é que naquela época eram os trabalhadores assalariados os insatisfeitos. Todos se perguntam: Lira vai pagar para ver e insistir nessa proposta que desagrada ao Pibão? No início da semana, em entrevista ao Valor Econômico, o presidente da Câmara até acenou com a redução da alíquota de 20% para 15% e redução da faixa de isenção da tributação de lucro e dividendos de R$ 20 mil por mês. Depois se calou. Só falou generalidades para não se comprometer. O tititi que passou a assombrar o setor produtivo, nos últimos dias, é que Lira paute a proposta antes do recesso parlamentar de 15 de julho, sem chance para debate aprofundado e com negociação de gabinetes no afogadilho. Na prática, o que mais tem acontecido em tempos de pandemia. Um rumor que rondou o Congresso é de que Guedes esticou a corda para a reforma não passar e tentar aprovar a volta da CPMF. As empresas não se contentaram com o aceno de Guedes de que vai acelerar a redução da alíquota do Imposto de Renda das empresas. A alíquota iria cair cinco pontos porcentuais em dois anos, movimento que o ministro agora fala em fazer de uma só vez no ano que vem. A tributação de lucros e dividendos virou o vilão do momento para o PIB e o mercado. Mas não se pode esquecer que a ideia foi defendida pela maioria dos candidatos na última campanha eleitoral (inclusive o presidente Jair Bolsonaro). É pauta da esquerda no País, que tem ficado bem caladinha desde que o anúncio do projeto botou fogo na economia. Um aliado importante que os críticos da proposta já contam é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que já disse que o aumento da carga é inaceitável. Se passar na Câmara, a reforma encontrará uma muralha no Senado de Pacheco, que anda se desentendendo com Guedes. É para lá também que os olhares do País estão voltados depois das recentes denúncias de corrupção na compra das vacinas contra a covid-19. *É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA O ESTADO DE S. PAULO
Reforma do Imposto de Renda é uma combinação de desinformação e demagogia (Everardo Maciel)
Neste artigo examino alguns pontos da extensa proposta de reforma da tributação da renda (68 artigos e algumas centenas de outras normas, incluindo uma mixórdia de sibilinas revogações), encaminhada ao Congresso Nacional. Em linhas gerais, o projeto de lei é uma requintada combinação de ressentimentos, desinformação e demagogia, resultando na mais ousada pretensão de aumento da carga tributária nos tempos recentes. Faz lembrar a descrição do inferno feita por Dante, em A Divina Comédia: é o caos impiedosamente ordenado. A vitrine do projeto, consistindo na elevação do limite da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para R$ 2.500,00 mensais, tem motivação declaradamente eleitoral, o que não pode ser tomado como pretexto para desqualificar a iniciativa, mas a macula. Mais importante, entretanto, é aquilatar os efeitos dessa elevação, minimamente em relação ao universo, certamente grande, de contribuintes que ficarão isentos de declarar. Esses contribuintes terão, no máximo, um modestíssimo ganho mensal de R$ 7,50, o que não dá sequer para comprar um quilo de pão francês. Para compensar a significativa perda de arrecadação decorrente desse pífio ganho individual do contribuinte concebeu-se, meticulosamente, uma usina de maldades para outros contribuintes, a começar pela vedação à opção pelo desconto simplificado para as pessoas físicas com rendimento anual entre R$ 40 mil e R$ 83,7 mil, que em significativa maioria fazem uso daquele desconto. Em outras palavras, haverá aumento da tributação sobre a classe média, quando se alardeia, sem nenhum pudor, que não haveria aumento de carga tributária. Esse aumento de tributação, todavia, não se restringe apenas à classe média, mas a um expressivo número de empresas. Gerou-se, no País, uma polêmica insubsistente sobre a tributação de dividendos, talvez induzida pelo erro de qualificar como isenção o que de fato é uma tributação exclusivamente na pessoa jurídica, tal como ocorre com determinadas aplicações financeiras. Ao optar por investimento em uma empresa, o investidor almeja retorno, que se efetiva por meio da distribuição de dividendos. Esses, por sua vez, têm seu valor afetado pela tributação no lucro e na distribuição. Portanto, exsurgem três possibilidades: a tributação exclusivamente no lucro ou na distribuição dos dividendos, ou em ambos os casos. A opção por uma dessas formas de extração tributária é uma questão estritamente técnica. A tributação exclusivamente do lucro tem óbvias vantagens sobre as outras duas opções: é mais simples, previne a evasão mediante distribuição disfarçada de lucros de dificílimo controle, não se sujeita a restrições (temporárias ou não) aplicadas à distribuição de dividendos e favorece a liberdade econômica ao permitir que o investidor reinvista, invista em outra empresa, aplique no mercado financeiro ou até mesmo venha a consumir. A opção pela tributação dos dividendos, como consta no projeto, se fez acompanhar de uma redução na alíquota aplicável ao lucro, o que constitui um reconhecimento tácito da intercomunicação entre a tributação do lucro e dos dividendos, observada uma equivalência de 1 para 4 entre as respectivas alíquotas. Por essa razão, o projeto estabelece uma redução da alíquota-padrão do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, optantes pelo regime do lucro real, de 15% para 10%, que seria, em tese, compensada com a tributação de 20% na distribuição dos dividendos. Ocorre que a redução se daria em dois anos: 2,5% em 2022 e os outros 2,5% em 2023. Resta óbvio que haveria aumento de carga tributária no ano eleitoral de 2022. Se o setor imobiliário foi duramente atingido, como demonstra o tributarista Ricardo Lacaz Martins em artigo publicado ontem no Estadão, o agronegócio foi poupado, já que a proposta de instituição da contribuição de bens e serviços cumpre bem a insólita missão de prejudicá-lo. Ainda tenho muito que falar sobre esse malsinado projeto de contrarreforma tributária. *CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002) O ESTADO DE S. PAULO