Escândalo na Saúde pode atrapalhar reformas e causar fuga de capital, dizem empresários

Empresários e investidores brasileiros começam a ficar consternados com a série de escândalos envolvendo a compra de vacinas pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Para eles, se o presidente não agir rápido para dar uma resposta contundente à crise, o cenário pode comprometer o andamento das reformas políticas no Congresso, aumentar o risco-país e levar a uma fuga de capital, especialmente em uma eventual abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro.

Nesta quarta-feira (30), parlamentares e entidades apresentaram na Câmara um “superpedido” de impeachment do presidente.

Em meio à maior crise sanitária já vivida pelo país, que levou à morte de mais de 516 mil pessoas nos últimos 15 meses, o governo acumula três casos de suspeita de corrupção e irregularidades na compra de vacinas contra a Covid-19.

A mais recente foi revelada na noite de terça-feira (29) pela Folha: o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, teria pedido propina de US$ 1 por dose para que a pasta fechasse contrato com a Davati Medical Supply, intermediária na negociação de 400 milhões de doses da AstraZeneca. Dias foi exonerado, na sequência da denúncia.

Um alto executivo ligado ao banco de investimentos BTG Pactual afirmou que está “decepcionado” com o governo e ainda “digerindo” o escândalo. Para ele, o risco-país –que indica o grau de instabilidade econômica de uma nação e o quanto um investidor estrangeiro corre risco, caso aporte recursos na economia local– pode piorar muito, tendo em vista que a imagem internacional do Brasil “já estava ruim”.

Na opinião do executivo –que destaca falar por si, e não pelo BTG–, se a situação de Bolsonaro piorar e o impeachement se tornar uma possibilidade, a fuga de capitais será inevitável.

Até o caso da Covaxin, quando Bolsonaro foi acusado de prevaricação ao não denunciar um suposto esquema de superfaturamento para compra da vacina indiana pelo Ministério da Saúde, o executivo acreditava que o assunto era “café aguado” perante a escândalos de governos anteriores, como os do Mensalão, durante a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), e a Operação Lava Jato, deflagrada durante a gestão da também petista Dilma Rousseff (2011-2016).

Mas a atual situação do governo é “triste”, diz ele, que mantém a aposta no ministro da Economia, Paulo Guedes. O “Posto Ipiranga”, aliás, como diz Bolsonaro ao se referir a Guedes, e sua agenda de reformas e privatizações, é o último bastião do atual governo perante o mercado.

O ruído político em torno das denúncias, no entanto, pode contaminar as discussões que estão acontecendo no Congresso em torno da agenda econômica de Guedes, como a reforma do Imposto de Renda, avalia Pietra Guerra, analista da Clear Corretora, que deve custar “mais caro” politicamente para ser aprovada, segundo Dan Kawa, diretor da TAG Investimentos.

Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, concorda. “Enquanto as incertezas quanto à reforma tributária seguem tirando fôlego dos ativos locais, a nova acusação de corrupção contra o governo promete manter tensões elevadas em Brasília”.

“Corrupção existe em qualquer lugar, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa”, diz João Cox, sócio da empresa de investimentos e consultoria Cox Investments & Advisory. “A questão é como o governo reage às denúncias. Se ele tem uma agenda anticorrupção, precisa executá-la”, afirma.

Para Cox, se Bolsonaro “se faz de surdo” perante às denúncias, a pressão no Congresso aumenta, abrindo uma disputa na discussão das reformas, que correm risco de não saírem do papel.

“O Brasil precisa demais das reformas, estamos ficando para trás na economia mundial”, diz. Enquanto os Estados Unidos crescem e geram empregos, aqui a taxa de desemprego bate recorde e chega a quase 15%, afirma Cox, que é presidente do conselho de administração da Vivara e também participa do conselho da Braskem, Petrobras, Embraer e Linx. Ele destaca que suas opiniões são próprias e não refletem uma posição das empresas sobre o assunto.

Para um acionista minoritário do grupo BRF, o aumento da crise política pode atrapalhar o andamento das reformas, das privatizações e a retomada do crescimento econômico. Segundo ele, o dólar em trajetória de queda e a aprovação da privatização da Eletrobras haviam dado um novo ânimo ao mercado.

Mas os escândalos recentes abrem uma preocupação quanto à desorganização da base governista, diz ele, salientando que instabilidade política leva ao aumento do risco.

Este empresário considera que o Brasil ainda precisa encontrar a sua terceira via para a alternância de poder entre Lula e Bolsonaro. Segundo ele, a rejeição a ambos é “gigante” entre muitos empresários, mas ninguém gostaria de ver um novo processo de impeachment neste momento, pois isso afugentaria o capital.

Horácio Lafer Piva, acionista e membro do conselho da Klabin, afirma que o governo se atrapalha mais a cada dia. “Desta maneira, inviabiliza ainda mais a retomada sustentada do Brasil. São tão poucos criando tantos prejuízos e de naturezas tão diversas”, afirma.

Na opinião de Piva, só o tema Covaxin já tem enorme dimensão e é assunto para CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). “Mas ainda está muito enevoado por personagens complexos”.

Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), diz que a crise política atrapalha as reformas, o desenvolvimento e a recuperação no pós-pandemia. “Tem muita coisa a ser feita, qualquer crise política atrasa tudo isso ainda mais”, diz.

Para Luiz Barsi, o maior investidor pessoa física do Brasil, os escândalos só abalam ainda mais a confiança do empresariado no governo, mas ressalta que as investigações ainda estão em andamento.

“Enquanto isso, o governo tem uma intenção forte de produzir reformas significativas para o país e nós precisamos delas”, diz ele, que traz na sua carteira estatais como Banco do Brasil e Eletrobras. “Mas eu não sei até que ponto a Câmara e o Congresso estão dispostos a aprovar todas essas mudanças”.

Presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Barsi defende a necessidade de reformas para o país ganhar competitividade em nível global. “Temos uma estrutura de custos, de tributos, acima do desejado. Na questão trabalhista, os benefícios também estão acima da média. As questões estruturais têm importância urgente”.

Especialista no mercado de capitais, Louise Barsi, filha de Luiz, avalia que a credibilidade de Bolsonaro já vem se deteriorando há algum tempo, especialmente por conta da crise sanitária. “Mas até agora isso teve pouca relação com o andamento das reformas”, diz a economista, que comanda a empresa de educação digital AGF, voltada à formação de investidores.

Ela segue na expectativa que as articulações para as reformas continuem, a partir do empenho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Os investidores veem política como um ruído”, diz ela.“ No curto prazo, pode ser que isso gere algum rebuliço, mas no médio e longo prazo a Bolsa vai sempre precificar o que mexer com o resultado das empresas e as expectativas dos investidores”.

“O mercado brasileiro está sendo impactado pela reforma tributária e pela CPI da Covid, que traz informações bombásticas do governo federal. Apesar da Bolsa não olhar muito para isso, deixa o ambiente mais pesado”, diz Rodrigo Friedrich, diretor de renda variável da Renova Invest.

Investidores também avaliam o impacto da crise hídrica, que levou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a subir em 52% o valor da bandeira vermelha nível 2, que passará a R$ 9,49 por cada 100 kWh (quilowatts-hora consumidos) e deve ter um impacto de 8,12% na conta de luz, Segundo a FGV (Fundação Getulio Vargas).

cenário interno conturbado é alimentado ainda pela variante delta do coronavírus, que pressiona os mercados globais. O índice pan-europeu STOXX 600 perdeu 0,68%, a Bolsa de Londres recuou 0,7% e a da Alemanha, 1%.​ Segundo dados preliminares, o S&P 500 subiu 0,12%, Dow Jones teve alta de 0,61% e Nasdaq caiu 0,17%

No Brasil, CPI da Covid, a crise da Covaxin, a cepa delta do coronavírus, a conta de energia elétrica mais cara e a reforma tributária chegaram a empurrar o dólar de volta para o patamar de R$ 5 nesta quarta, mas a moeda terminou a R$ 4,9720, alta de 0,60% no pregão. Na máxima, foi a R$ 5,0240. Desde o dia 22 de junho a moeda não era negociada acima de R$ 5.

O maior peso para o dólar nesta quarta, porém, veio da formação da Ptax (taxa de câmbio calculada pelo Banco Central com base na média do mercado) de fim de mês.

A taxa, calculada diariamente pelo BC com base na média de compra e venda do mercado, é usada como referência do câmbio. A autarquia consulta esta média quatro vezes ao dia: entre 10h e 10h10; entre 11h e 11h10; entre 12h e 12h10; e entre 13h e 13h10.

Na última consulta, o dólar Ptax estava a R$ 5,0074, com a média desta quarta a R$ 5,0022, ambos na venda.

O Ibovespa cedeu 0,41%, a 126.801,66 pontos.

FOLHA DE S. PAULO

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