Líderes impõem entraves a PEC que acaba com piso de saúde e educação

Lideranças de algumas das principais bancadas do Senado reagiram nesta terça-feira (23) à polêmica proposta de extinguir os mínimos de gastos para saúde e educação e passaram a criar obstáculos para a sua votação ainda nesta semana.

Numa virtual derrota do ministro Paulo Guedes (Economia), a votação do projeto que permite o acionamento de medidas de controle de gastos em momentos de crise nas contas públicas poderá ser adiada para a próxima semana.

A proposta estava inicialmente programada para ser votada na próxima quinta-feira (25).

A polêmica desvinculação dos gastos com saúde e educação estava presente em versão preliminar do relatório da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial. Nesta terça-feira, o relator Márcio Bittar (MDB-AC) manteve os pontos polêmicos na versão final de seu relatório.

A equipe econômica defende a ideia de acabar com o piso constitucional para saúde e educação. O argumento é que o Orçamento está bastante engessado e isso daria poder aos gestores públicos, inclusive ao Congresso, de decidirem onde aplicar os recursos. Mas há críticas mesmo dentro da base do governo no Senado.

A retirada desse item da PEC Emergencial desidrataria ainda mais o pacote de medidas considerado fundamental por Guedes, e que tem sido a aposta dele para seguir no governo após derrotas na sua agenda liberal.

A PEC tem o objetivo de apresentar um conjunto de ações de redução de despesas para o ajuste das contas públicas e, além disso, viabilizar uma nova rodada do auxílio emergencial, em 2021, a trabalhadores informais e desempregados.

Inicialmente estava prevista, por exemplo, o corte de jornada e de salários de servidores públicos em período de crise fiscal, mas, diante da resistência no Congresso, Guedes cedeu e já deixou esse ponto fora da versão mais recente da proposta.

A manutenção da extinção do gasto mínimo para saúde e educação provocou a reação dos senadores, que passaram a articular formas de adiar a votação. O líder do MDB –maior bancada do Senado, com 15 parlamentares–, Eduardo Braga (MDB-AM), pediu em plenário o adiamento da votação para a próxima terça-feira (2).

Braga afirmou que o texto não foi apresentado aos demais líderes na data programada, não havendo portanto tempo hábil para a construção de um texto consensual.

“Estamos num esforço com Vossa Excelência [presidente Rodrigo Pacheco], com as lideranças dessa Casa, lideranças da Câmara e do governo na construção de um texto da PEC Emergencial que represente de um lado a responsabilidade social e de outro a responsabilidade fiscal que o Brasil precisa”, afirmou, no plenário da Casa.

“Eu não creio que nós teremos tempo hábil para chegarmos na quinta-feira desta semana já com um texto amadurecido e suficientemente negociado seja com a Câmara dos Deputados, seja com o próprio governo e as bancadas do Senado, para que possamos deliberar nesta quinta”, completou.

“Ajuda emergencial é algo extremamente urgente para o povo brasileiro, mas precisamos fazer com a segurança jurídica necessária, com a responsabilidade necessária”, afirmou.

Em reservado, os senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Jean Paul Prates (PT-RN), respectivamente líderes do PT e da minoria, se reuniram com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para solicitar que o item fosse retirado da pauta desta quinta-feira.

No dia anterior, Prates havia afirmado que se tratava de uma “chantagem nefasta” a inclusão da desvinculação dos gastos, como contrapartida ao auxílio emergencial.

O próprio Pacheco reconheceu que havia forte resistência à proposta, que seria discutida com líderes partidários. O presidente do Senado afirmou que não considerada “inoportuna” a inclusão dos polêmicos pontos no relatório, mas acrescentou que a posição do relator Bittar não seria imposta.

“O que nós vamos propor é que possamos sentar os líderes partidários para entendermos justamente o alcance dessa desvinculação e se ela deve ser mantida ou não no texto. Não vai ser imposta a posição do senador Márcio Bittar e nem a minha própria posição em relação a isso”, afirmou no início da tarde desta terça-feira.

“O fato é que nós estamos votando agora e a gente vai precisar deliberar sobre tudo o que foi apresentado em 2019 [quando a PEC foi protocolada]. Se isso vai ser mantido ou não, é obviamente uma regra de maioria do plenário que vai decidir. Não há uma falta de oportunidade para isso. Não foi necessariamente inoportuno. Veio de 2019 e nós temos que apreciar essa regra”, completou.

Após a sessão, Pacheco não descartou que a votação da PEC seja adiada para a próxima terça-feira, afirmando que não haverá prejuízo se isso acontecer. No entanto, manteve que a proposta estará, a princípio, na pauta da data inicialmente programada.

​”Não sei da probabilidade [de adiar]. Está na pauta de quinta-feira e se manterá. Agora, se será votado na quinta ou se será uma etapa na quinta, um debate mais profundo sobre a PEC, pode ser que isso aconteça. Mas não haverá prejuízo se eventualmente se precisar passar para terça-feira, não haverá tanto prejuízo assim”, afirmou.

A reação à proposta partiu de senadores oposicionistas e também de integrantes de partidos mais próximos do governo. Em plenário, o líder do PSDB, Izalci Lucas (PSDB-DF), solicitou a retirada do polêmico ponto, para evitar atraso na tramitação da PEC Emergencial e do auxílio emergencial.

“Eu percebo que não caberia, sob hipótese nenhuma, colocar nessa PEC o assunto [desvinculação para saúde e educação]. Podemos até discutir em outro momento, mas não na PEC emergencial, que é urgente. Esse assunto pode prejudicar a agilidade na aprovação da PEC Emergencial. Então, gostaria de pedir , do líder do governo ao Presidente do Senado e também do Congresso, para que a gente não deixasse pautar esse item da questão da educação”, completou.

O novo presidente da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), Otto Alencar (PSD-BA), afirmou que a proposta “não tem chances” de passar na Casa.

“Nós aprovamos no ano passado e já foi promulgada a PEC do Fundeb [fundo com recursos para educação], agora vai se desvincular essa questão que foi feita no ano passado? Não dá para ter estabilidade política, administrativa numa situação dessa. É brincadeira aprovar uma PEC [do Fundeb] como aprovou e depois vem uma agora para dizer ‘não, o que desvinculou no ano passado é para desvincular agora’. Não existe isso”, afirmou Alencar.

Nesta segunda-feira (23), Pacheco não apoiou a extinção total dos pisos constitucionais; disse que o ideal seria flexibilizar essas regras, mas mantendo uma exigência mínima para essas duas áreas somadas (um gasto obrigatório único para saúde e educação). Essa possibilidade é discutida com o Congresso como uma saída para o impasse gerado após a apresentação do relatório da PEC com a previsão de fim do gasto mínimo.

Deputados e senadores das bancadas de saúde, educação e ligados ao serviço público também tentarão barrar a mudança.

O relatório também permite que o presidente da República proponha a decretação de calamidade pública ao Congresso, que terá o poder de decidir sobre o assunto.

Essa é uma das diferenças entre o texto protocolado e a versão que circulou entre parlamentares nos dias anteriores. Antes, o relatório preliminar mencionava apenas que a decretação da calamidade pública de âmbito nacional seria uma atribuição exclusiva do Congresso.

Com a calamidade pública acionada, Executivo e Legislativo seriam dispensados de cumprir regras orçamentárias como a que exige uma compensação para criar medidas que impactem as contas públicas.

A dispensa valeria tanto para medidas que aumentam despesas como aquelas que reduzem receitas, desde que não representem medidas continuadas e que tenham propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas.

A PEC não chega a especificar que critérios serão considerados para ser constatada situação de calamidade pública. Também não especifica se bastaria maioria simples (mais da metade dos presentes) ou se seria necessária maioria absoluta (mais da metade dos congressistas).

Além da dispensa de compensação orçamentária para novas medidas, a calamidade pública dispensará o cumprimento da regra de ouro (que impede endividamento para bancar despesas correntes) em todo o ano.

Em compensação, a cláusula de calamidade acionaria medidas de restrição fiscal (basicamente, as mesmas que a PEC prevê quando a despesa corrente ultrapassar mais de 95% da receita corrente).

Nesse caso, ficariam suspensas ações como concursos públicos, progressões e promoções de servidores públicos (incluídos os de empresas estatais dependentes).

FOLHA DE S. PAULO

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