86% dos ocupados brasileiros não conseguem trabalhar remotamente
Difundido pela pandemia de covid-19, o trabalho remoto passa longe da realidade da grande maioria dos trabalhadores brasileiros. Sem poder trabalhar de casa, esse grupo também encontra mais dificuldade para se recolocar na retomada da economia. Em sua maioria, são trabalhadores mais jovens e de menor escolaridade. É o caso de garçons, vendedores de lojas, manicures e empregadas domésticas. Antes da crise, as vagas de trabalho, formais e informais, que necessariamente são presenciais somavam 79,7 milhões de trabalhadores – 86% do total de empregados no fim de 2019. Essa parcela perdeu mais empregos com a crise, na comparação com os 12,9 milhões de trabalhadores em vagas que podiam ser executadas a distância, conforme um estudo em andamento da consultoria IDados, obtido com exclusividade pelo Estadão. Com a piora da pandemia neste início de 2021, a tendência é que as oportunidades nas profissões necessariamente presenciais sigam mais raras, o que deverá contribuir para a alta do desemprego e o aumento da pobreza – conforme projeção do pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), sem o auxílio emergencial, 62,4 milhões de brasileiros, quase um terço (29,5%) da população, começaram este ano abaixo da linha de pobreza. Segundo Bruno Ottoni, pesquisador do iDados, no quarto trimestre do ano passado a população ocupada nas profissões propícias ao trabalho remoto era 3,4% menor do que um ano antes, em igual período de 2019. Enquanto isso, a variação da população ocupada em vagas necessariamente presenciais apontava para o fechamento de 8 milhões de vagas ante um ano antes, um tombo de 10% na ocupação desse grupo. É uma retração três vezes maior do que a vista nas profissões propícias ao trabalho remoto – a discrepância aumentou, em relação ao terceiro trimestre. O estudo do IDados usa as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, replicando a classificação de ocupações propícias ao trabalho remoto de um estudo publicado no ano passado nos Estados Unidos. O perfil do trabalhador remoto é composto majoritariamente por mulheres brancas que completaram o ensino superior, diz Geraldo Góes, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), órgão do Ministério da Economia. Esse tipo de profissional está concentrado no Sudeste e no Distrito Federal. “Quanto maior a renda per capita do Estado, maior a escolaridade local, maior a proporção de pessoas trabalhando remotamente. Tem muito pouco trabalho remoto no Norte e Nordeste, mas na Faria Lima tem bastante”, afirma Góes. DiscrepânciaPara Ottoni, do IDados, a discrepância na dinâmica de abertura e fechamento de vagas entre os dois grupos tende a aumentar neste primeiro trimestre, quando a economia deverá encolher frente o quarto trimestre de 2020. Os trabalhadores enfrentarão, ao mesmo tempo, a piora da pandemia e a falta do auxílio emergencial, já que a retomada do pagamento do benefício ficou mesmo para abril. “Minha expectativa, diante do que tenho analisado dos dados antecedentes, é que, em janeiro e fevereiro, as pessoas voltaram para o mercado de trabalho, voltaram a procurar emprego, porque o auxílio acabou”, diz Ottoni. Os trabalhadores informais devem ter retomado suas atividades, de acordo com Ottoni. Com a abertura de vagas formais nas empresas que estavam funcionando mais ou menos normalmente em janeiro e fevereiro – antes do aperto nas restrições ao contato social –, a ocupação deve ter crescido. Por outro lado, sem o auxílio, os informais podem ter voltado a trabalhar por qualquer remuneração. O rendimento do trabalho pode ter despencado. Nova remuneraçãoO representante comercial Fabio Chrisostomo, de 25 anos, trabalhou com carteira assinada para uma cervejaria artesanal até abril de 2020. Perdeu o emprego quando a empresa foi afetada pela suspensão dos eventos presenciais e pelo fechamento de bares e restaurantes. Nos meses que se seguiram, conseguiu um trabalho na manutenção de sistemas de chope, e agora está de volta à cervejaria, mas remunerado por comissão. “O volume de vendas ainda não é suficiente para manter todos os custos de um funcionário com carteira assinada. Bares e restaurantes estão comprando só o essencial. A projeção para o futuro, com a vacinação, é muito boa. A pandemia é que está travando tudo”, conta Chrisostomo. O economista Cosmo Donato, da LCA Consultores, lembra que a retração da economia não será como em 2020, no início da pandemia, porque o choque “não é inesperado”. Ao mesmo tempo, o trabalhador informal “está tão vulnerável quanto antes”. Nesse quadro, a economia segue em retomada na comparação com 2020, mas com desemprego maior e aumento da pobreza. “O cenário da segunda onda da pandemia é uma recuperação mais desigual”, afirma Donato. Por isso, para o economista, “é importante, sim, pensar em medidas” para mitigar a crise, como a reedição do auxílio emergencial. O ESTADO DE S. PAULO
STF muda jurisprudência, reforça caixa da União e eleva carga tributária na pandemia
Mudanças de entendimentos anteriormente consolidados no Supremo Tribunal Federal em casos de natureza tributária reforçaram o caixa da União no período da pandemia em, ao menos, R$ 225 bilhões, aponta estimativa feita por tributaristas. O valor equivale a um aumento de 15% no pagamento de tributos, elevação ocorrida a partir de nove decisões de repercussão geral em que o Supremo mudou a jurisprudência ou os fundamentos que embasaram discussões similares no passado. Somando todos os casos em que a Fazenda saiu vitoriosa, incluindo as ações em que o STF não mudou de posição, os contribuintes foram onerados em mais R$ 338 bilhões. Juntos, esses casos geraram aumento de impostos de R$ 563 bilhões, o que representa praticamente um terço daarrecadação federal. Esses casos foram julgados entre meados de março de 2020, quando os efeitos da pandemia do coronavírus se mostraram mais danosos à economia devido ao isolamento social, e o início de março deste ano. Nesse período, o STF deu prioridade a casos referentes à pandemia e passou a usar de forma mais consistente o plenário virtual, uma plataforma digital em que os ministros depositam seus votos. Levantamento feito pela Folha mostra que, no ano da pandemia, foram julgados 52 casos tributários de repercussão (quando a decisão afeta processos de primeira e segunda instâncias). Desse total, 37 (71%) foram favoráveis ao fisco e às Fazendas estaduais e municipais. Dentre eles, nove sofreram reversão de entendimento pela corte. Houve reversão na discussão sobre a incidência de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre importados, o pagamento pelas empresas do terço constitucional de férias, a imunidade da contribuição previdenciária de inativos militares e a cobrança de ICMS (tributo estadual) na venda de veículos seminovos pertencentes a locadoras, entre outros. Essa inflexão gerou questionamentos entre advogados tributaristas. Para eles, ainda que sem intenção, o STF estaria ajudando o governo a fazer caixa durante a crise, que consumiu R$ 524 bilhões do Orçamento no ano passado, elevando o endividamento público a um patamar próximo a 100% do PIB (Produto Interno Bruto). O ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha resistindo a um aumento de impostos como forma de gerar recursos para bancar a nova rodada do auxílio emergencial e de outros programas defendidos por integrantes do governo, como o Bolsa Família. Em maio do ano passado, locadoras de veículos, que não recolhiam ICMS na venda de veículos seminovos de sua frota, passaram a ter de arcar com esse imposto nas operações fechadas antes de doze meses após a compra do carro. Esse negócio representa uma fatia importante do faturamento das três maiores locadoras (Localiza, Unidas e Movida). Em 2019, por exemplo, chegaram a faturar mais com a revenda de usados do que com a locação. Com a decisão do Supremo, o governo de São Paulo ganhou o direito de receber uma cobrança de 18% de ICMS sobre a venda de 48 mil automóveis seminovos entre 2018 e 2020. O valor é de cerca de R$ 360 milhões. Segundo a Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, nesse período, as locadoras faturaram mais de R$ 2 bilhões com esse tipo de negócio. Em agosto, contrariando decisões em que sinalizava pela extinção da multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS na demissão de funcionário sem justa causa, a corte validou a cobrança —que vigorou de 2001 a 2019 e ia para o caixa da União—, que gera ao menos R$ 36 bilhões a mais para o empregador. Também em agosto, contrariando posicionamento anterior de que não tinha competência para julgar a obrigatoriedade do pagamento do terço de férias para funcionários da iniciativa privada, o STF voltou atrás e julgou o caso favorável aos trabalhadores. A conta para os empregadores, que arcarão com esse gasto, será de R$ 28 bilhões. Em setembro, o plenário alterou posicionamento anterior e incluiu entidades como Sebrae, Apex e Abdi na lista de atividades “taxativas”, algo que impôs às empresas ligadas ao chamado Sistema S o recolhimento de 0,6% sobre a folha para financiar as atividades dessas instituições, algo em torno de R$ 24 bilhões. Em outras 28 decisões, o STF deu ganho de causa à Fazenda acompanhando sua jurisprudência. Recentemente, o coordenador da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no STF, Paulo Mendes, afirmou que houve um aumento de casos tributários nos últimos doze meses devido ao uso do plenário virtual. Segundo ele, muitos casos tributários até chegaram a ser pautados no plenário presencial, mas acabavam não sendo julgados por falta de tempo nas sessões. Com o virtual, esse problema foi resolvido. Para o advogado Daniel Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Sousa, o plenário virtual ajuda a explicar a sobrecarga tributária do contribuinte. “Nessa plataforma nem sempre há debate profundo sobre as teses como no plenário por videoconferência. Funciona como uma justaposição de votos”, disse. “Pode até ser que, dessa forma, os ministros tenham mudado a jurisprudência, ainda que parcialmente, sem perceber. Isso cria um problema para o futuro, caso tenham de decidir algo semelhante.” O tributarista Paulo Tedesco, sócio do Mattos Filho, também culpa o plenário virtual. “Ele reduziu a fila de casos tributários, mas é preciso recalibrá-lo”, disse. Para Tedesco, é prematuro afirmar que houve um direcionamento do STF nas decisões para ajudar o governo a reforçar o caixa na pandemia. “Essa tendência pode ser notada [com mais clareza] nas modulações, sempre mais favoráveis à Fazenda, mesmo nos casos em que o contribuinte obteve vitória.” A modulação é uma espécie de calibragem da decisão.. Para Tiago Conde Teixeira, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, especializado em causas tributárias, “casos graves de alterações de jurisprudências consolidadas” causaram um impacto “avassalador”. “Mudar de opinião é parte do jogo democrático, mas em garantia ao princípio da segurança jurídica, o STF deve respeitar o contribuinte que confiou em orientações jurisprudenciais e com isso planejou o seu negócio.” Para ele, a saída a partir de agora seria uma modulação das decisões, uma espécie de perdão do passado e a aplicação das novas regras a partir de agora. STF DIZ QUE
Economistas cobram ação contra covid
O agravamento da pandemia no país levou um grupo de economistas de diferentes matizes ideológicas e mesmo de pensamentos econômicos diversos a assinar uma carta com críticas e sugestões ao governo para a condução do combate à covid-19. Entre os 509 que assinaram o documento até a noite de ontem, estão nomes como Roberto Setubal, João Moreira Salles, Pedro Malan, Pedro Parente, Arminio Fraga, Persio Arida, Edmar Bacha, Luís Stuhlberger, José Olympio Pereira e Rubens Ricupero, Affonso Celso Pastore, Elena Landau, Gustavo Loyola, Ilan Goldfajn, Ana Carla Abrão Maílson da Nóbrega. A carta, batizada de “O País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo – Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia”, apresenta uma compilação de dados para mostrar como a falta de eficácia no combate à pandemia já custou caro ao país. O texto, inicialmente revelado por Merval Pereira em sua coluna em “O Globo”, lembra a queda de 4,1% do PIB no ano passado, a taxa de desemprego de 14%, a maior da série histórica, e também aponta que a redução do nível da atividade custou perda de arrecadação tributária apenas no âmbito federal de 6,9%, aproximadamente R$ 58 bilhões. Além disso, cita dados do Banco Mundial que apontam que o atraso na vacinação irá custar em termos de produto ou renda não gerada nada menos do que estimados R$ 131,4 bilhões em 2021, supondo uma recuperação retardatária em dois trimestres. Bonomo: Ações de fechamento seriam mais efetivas se fossem coordenadas — Foto: Ana Paula Paiva/Valor A ideia de produzir o documento surgiu em grupo de WhatsApp chamado de Economistas do Brasil, que existe há cerca de cinco anos e tem mais de 200 integrantes. Preocupados com o andamento da pandemia, decidiram produzir um documento que contasse com dados e servisse de alerta e chamamento às autoridades públicas para melhora na gestão contra a covid-19. Depois de algum debate, escolheram cinco redatores: Cláudio Frischtak, Marco Bonomo, Sandra Rios, Paulo Ribeiro e Thomas Conti, que levaram duas semanas para produzir o texto, que ficou pronto no sábado. “É uma carta longa, com números, sem caráter panfletário. Isso foi fundamental para conseguir o apoio de tanta gente de peso”, frisa Bonomo. “Ficamos duas semanas tentando achar uma redação que fosse equilibrada. Que fosse alicerçada em dados, em evidências, não em achismo”, diz Frischtak, acrescentando que a carta tem um “tom sóbrio”, embora seja “dura”. “Houve esforço de todos nós para chegar a algo equilibrado, que retrate a emergência da situação. As consequências para o país são terríveis.” Bonomo explica que o primeiro objetivo da carta é tentar mudar a trajetória de combate à pandemia e afirma que não é correto o debate que contrapõe medidas de saúde à recuperação da economia. “A economia não vai se recuperar enquanto não resolvermos o problema da saúde. Quanto mais se atrasa a saúde, mais vai atrasar a recuperação da economia”, diz. Neste sentido, os redatores fazem ampla defesa da aceleração da vacinação e destacam que os recursos federais para compra de vacinas somam R$ 22 bilhões, “uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020”. “Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à pandemia, incluindo os custos adicionais de saúde e gastos para mitigação da deteriorada situação”, diz a carta. “Nesta perspectiva, a relação benefício custo da vacina é da ordem de seis vezes para cada R$ 1 gasto na sua aquisição e aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta de prioridade atribuída à vacinação”, diz a carta. Além da recomendação para que o governo acelere o ritmo da vacinação, o texto conclui com outras sugestões: incentivar o uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa; implementar medidas de distanciamento social no âmbito local com coordenação nacional e criar mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional. O texto destaca ainda o “papel da liderança”, ressaltando que, “apesar do negacionismo de alguns poucos, praticamente todos os líderes da comunidade internacional tomaram a frente no combate ao covid-19 desde março de 2020”. A carta critica a postura do governo brasileiro, afirmando que “o desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina caracterizou a liderança política maior no país”. “As medidas de fechamento seriam muito mais efetivas se fossem coordenadas”, diz Bonomo. “Na maior parte dos países, teve liderança nacional que coordenou. No Brasil, temos uma liderança que combate o combate à pandemia.” VALOR ECONÔMICO
Nova fase do Pronampe deve ter R$ 16 bilhões para empréstimos
A nova fase do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), a ser deflagrada em meados deste ano, deverá contar com cerca de R$ 16 bilhões, disse ao Valor a subsecretária de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismo e Artesanato, Antonia Tallarida. É um valor próximo ao de 2020, que foi de R$ 18 bilhões. Esse é o montante que será possível emprestar, se for concretizado um aporte de R$ 4,8 bilhões no Fundo Garantidor de Operações (FGO) e na hipótese de os financiamentos serem contratados com cobertura de 30% das perdas na carteira da instituição financeira. No ano passado, a cobertura foi de 85%. Os recursos para reforçar o FGO estão sendo articulados pelo senador Jorginho Mello (PL-SC), presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas. Ele convenceu senadores a apresentarem emendas ao Orçamento de 2021, destinando um total de R$ 4,8 bilhões em recursos para viabilizar o Pronampe, segundo informou a secretária. Assim, no momento, a volta do Pronampe depende da aprovação do Orçamento de 2021, ainda em análise pelo Congresso, e da votação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que torna o programa permanente. A perenização do programa, em condições diferentes das de 2020, já foi aprovada no Senado. No entanto, o governo quer fazer ajustes no texto na Câmara. O ponto a ser alterado é o que estende o período de carência dos empréstimos contratados em 2020 por seis meses, de forma obrigatória para as instituições. “Isso está dando muita confusão no sistema financeiro”, comentou Tallarida. Ela ressaltou que, mesmo na versão do ano passado, o empréstimo não tinha um período obrigatório de carência. As instituições podiam dar até oito meses, mas nem todas o fizeram. Aprovados o Orçamento e a perenização do programa, o Pronampe será regulamentado e passará a ser oferecido pelos bancos. A expectativa é que isso ocorra até meados do ano. Na comparação com a versão de 2020, o Pronampe agora tem taxas de juros mais elevadas: Selic mais até 6%, ante Selic mais 1,25%. Isso é reflexo da menor cobertura das perdas dos bancos com inadimplência. Deverá ficar em 30%, ante 85% no ano passado. Assim, será possível emprestar mais, mesmo com aportes menores no FGO. VALOR ECONÔMICO
Guedes aceita Refis, mas quer restringir o parcelamento a dívidas contraídas em 2020
O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer restringir o alcance do Refis da covid-19 ao parcelamento de débitos contraídos durante o ano passado e à lista de setores mais afetados pela pandemia, segundo antecipou ao Estadão o relator do projeto e líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Bezerra se reuniu na quinta-feira com o ministro para construir um entendimento sobre as condições de refinanciamento das dívidas do novo Refis, que tem como autor e principal articulador da proposta no Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O governo já tem publicado uma lista dos setores afetados pela crise, mas Bezerra admite que ela pode ser estendida nas negociações com o Congresso. A ideia é apresentar um detalhamento do relatório no meio da próxima semana. O Senado tem pressa para votar a proposta. Pacheco vai definir se pauta o projeto depois do feriado da Semana Santa. O Refis vai atingir também as dívidas de pessoas físicas. O projeto vai tratar de outros dois pontos: parcelamento de créditos trabalhistas em decorrência de impacto negativo ocasionado pela pandemia e a criação de novos mecanismos para a transação tributária, instrumento que permite a negociação direta das dívidas entre o contribuinte e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), área jurídica do Ministério da Economia. Será permitido o pagamento de dívidas com imóveis, informou o relator. O líder do governo afirmou que o projeto reabre o prazo de adesão do Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) de 2017. Esse Refis foi feito para atender as empresas e pessoas físicas na crise econômica de 2016, mas a sua negociação acabou demorando praticamente um ano. “O ministro Guedes deu sinal verde para que possamos aprofundar o diálogo com as equipes do Ministério da Economia”, disse Bezerra. Para ele, a construção desse entendimento foi um primeiro passo importante para um acordo. O senador destacou que Guedes deu o “sinal verde” com essas limitações, mas mantém a posição de que o melhor momento para avançar num novo Refis seria na reforma tributária. O ministro, contou o líder do governo, é sensível ao apelo do presidente do Senado no sentido de fazer uma reabertura do programa especificamente em relação às dívidas do ano de 2020. Guedes não aceita, porém, “puxar” para o programa de dívidas anteriores. A tese dele é quem nem todos os setores foram afetados e por isso quer que o alcance esteja limitado. Para Bezerra, o encontro com o ministro foi importante para o projeto avançar. Esse é um projeto que tinha muita dificuldade em ter apoio da equipe econômica. Mas a escolha do Rodrigo Pacheco de designar como relator o líder do governo acabou sendo interpretada como um caminho de entendimento mais fácil com o governo. “Vou trabalhar na construção do substitutivo com essas demarcações que o ministro Paulo Guedes sugeriu”, disse o líder. Além do parcelamento de débitos, a ideia é ampliar a segurança jurídica na transação tributária, permitindo também novos mecanismos para extinção de dívidas como o instrumento de dação em pagamento (acordo pelo qual o credor concorda receber do devedor uma prestação diferente da que lhe é devida) e amortização dos débitos com aproveitamento de prejuízos fiscais que as empresas registrarem nos seus balanços. A permissão de pagamento da dívida com imóveis avaliados pela União é uma das novidades que Bezerra disse que vai incluir no seu parecer. TrabalhistasBezerra também quer abrir caminho com o projeto para a renegociação de dívidas trabalhistas. Ele explicou que hoje há um instrumento usado pela corregedoria do Tribunal Superior do Trabalho que permite, de forma excepcional, o pagamento de dívidas trabalhistas transitadas e julgadas com prazo de até 36 meses. “No código de processo, isso está limitado a seis meses. A ideia é que o projeto pegue essas regras excepcionais já admitidas pelo Tribunal Superior do Trabalho para criar uma facilidade para as empresas quitarem as dívidas”. Também ficará claro que a correção da dívida é pela taxa Selic, a taxa básica de juros, já que vários tribunais têm decidido de forma distinta em relação à correção. O relator informou também que vai aguardar as emendas que serão apresentadas para tirar um “sentimento médio” dos parlamentares para ver o alcance do projeto. O ESTADO DE S. PAULO
‘Em 2021, vamos ter o ano todo de negócios. Há muito, não temos isso’, diz advogado
Recém-contratado pelo escritório americano Hughes Hubbard & Reed LLP para atender investidores estrangeiros interessados no Brasil, o advogado Carlos Lobo diz que, apesar da crise sanitária e econômica no País, a imagem brasileira no exterior não está tão deteriorada. “Se a gente compara com China, Rússia, Índia, África do Sul, Indonésia, México e Argentina, todo mundo tem problemas”, diz. “Claro que as declarações do presidente de que a pandemia é bobagem aparecem nas manchetes internacionais, mas o investidor não vê (a situação brasileira como) algo que sai tanto da curva.” Para Lobo, 2021 pode ser um dos melhores anos para fusões e aquisições no País, dado que, pelo menos desde 2016, todo ano houve algum episódio que freou os negócios. Como o investidor estrangeiro está vendo o Brasil?No Brasil, às vezes a gente está muito próximo do problema e acaba achando que nossos problemas são os maiores do mundo. A realidade é que o Brasil, quando você olha de uma perspectiva mais ampla, continua atraente para o investidor estrangeiro. Se a gente compara com China, Rússia, Índia, África do Sul, Indonésia, México, Argentina, todo mundo tem problemas. O Brasil tem um ambiente político que, para nós, pode ser altamente instável, com todas as declarações do presidente, mas é estável se você pensar que o presidente foi eleito democraticamente, que há uma divisão de poderes, que a promulgação de leis não vem do Executivo. Ainda que haja demora no Judiciário, suspeitas de corrupção em algum caso, os investidores têm contratos respeitados. A crise na saúde não mudou, então, o modo como o investidor vê o Brasil?Nessa questão, acho que ninguém pode contar muita vantagem. Com poucas exceções, o mundo está colocando os pés pelas mãos. Quem está no Brasil e está vivendo o dia a dia das questões dos hospitais e de um programa de vacinação capenga, fica frustrado. Claro que as declarações do presidente de que a pandemia é bobagem aparecem nas manchetes internacionais, mas o investidor não vê (a situação brasileira) como algo que sai tanto da curva. Com esse cenário, o que projeta para o mercado brasileiro de fusões e aquisições neste ano?Deve continuar positivo. No ano passado, o primeiro semestre foi complicado por conta da pandemia, mas o segundo já foi ativo e entramos em 2021 nesse ritmo. Se tudo der certo, vamos ter um ano inteiro de negócios. Há muito tempo não temos isso. Ano passado teve pandemia. O anterior era primeiro de mandato do Bolsonaro e os primeiros meses foram complicados. 2018, ano de eleição. 2017 teve o caso Temer, que parou o País. 2016, o impeachment da Dilma. Há anos estamos com algo paralisando o ambiente de negócios por alguns meses. A menos que venha algo não previsto, pode ser um ano muito positivo se comparado com os anteriores. O mercado de capitais não dá sinais de arrefecimento. O ESTADO DE S. PAULO
Portugal busca mão de obra brasileira para explosão de serviços digitais na pandemia
A pandemia de coronavírus obrigou Portugal a acelerar a transição digital das empresas e revelou um problema: não há profissionais suficientes para preencher as vagas qualificadas que se multiplicam no setor de Tecnologia da Informação (TI). Especialistas, companhias de recrutamento e relatório consultados pelo Portugal Giro confirmam o aumento da demanda na pandemia, causado pela explosão dos serviços digitais desde a primeira quarentena, há um ano. E indicam lacuna entre 15 mil e 20 mil profissionais. Os formados pelas universidades portuguesas anualmente não chegariam a 2 mil, 10% da demanda. Muitos deixam o país em busca de melhores oportunidades. Assim, empresas nacionais e estrangeiras instaladas no país recrutam no mercado internacional para amenizar a defasagem e preparar Portugal para receber os € 2,9 bilhões do plano de recuperação da União Europeia destinados à transição digital da economia. Engenheiros formados em nossas faculdades não são suficientes. Só este mês, precisamos de 90 e não chegamos a 30. As empresas estão abertas ao recrutamento internacional, incluindo o Brasil. Há empresas, como a Farfetch (e-commerce de luxo), e outras quatro ou cinco gigantes, com esta reputação de recrutamento – explicou ao Portugal Giro Sofia Soares, gerente de TI na multinacional de recrutamento Michael Page. Os vistos para empregos tecnológicos concedidos a brasileiros (Visa Tech) aumentaram 420% desde julho de 2019. Eram 284 e chegaram a 1.482 (a maioria entre o total de 1.841). Não entram neste levantamento os emigrantes com cidadania portuguesa/europeia ou outro tipo de autorização de residência e que estão contratados. Problema é que a burocracia tem demorado na pandemia, então a solução não é imediata. Um engenheiro que venha do Brasil pode demorar de três a nove meses para efetivar questões de contrato e visto. Mesmo com o trabalho remoto, cada vez mais um hábito, está complicado recrutar na área de TI e não conseguimos preencher as posições que os clientes pedem – completou Soares. Com espaço aéreo fechado, mas liberado para decolagens essenciais, inclusive de trabalho, um brasileiro pode embarcar em um voo extra para Portugal, caso tenha o dossiê de contratação finalizado pela empresa junto aos órgãos de governo. Para contornar burocracia, a EVP Connect, de recrutamento e consultoria, inicia as atividades com o funcionário ainda em solo brasileiro. -Chamamos de início remoto e preenchemos 24 vagas remotas na pandemia. Longe das 180 de desenvolvimento que tenho para preencher este mês. Diria que faltam entre 15 mil a 20 mil profissionais em Portugal e por isso as empresas buscam consultoria na contratação. Nossa base recebeu este ano 500 currículos, 90% de TI. Não falta este tipo de trabalho em Portugal – disse o brasileiro Diego Fernandes, gerente de negócios da EVP. Especializada em recolocação profissional, a brasileira Cláudia Pinheiro vive em Portugal e traça o perfil desejado pelas empresas de quase todos os setores que tiveram que ampliar a oferta digital. Apesar de alguns especialistas apontarem para um déficit de até 75 mil profissionais, ela acha o número exagerado. -Entre os mais procurados estão os Programadores/Developers, Web Developer e Mobile Developer, com perfil sênior e especialistas, com expertise em Java, PHP, .Net, Python, BI, Javascript, e outras linguagens. Profissionais especialistas em Cibersecurity, Gestor de Projetos e Data Scientist. Experiência (+ 3 anos), inglês fluente é obrigatório, certificações são diferencial, assim como francês (requisito cada vez mais comum) e outros idiomas – disse Pinheiro. O braço português da Natixis, de investimentos, seguros e serviços financeiros, tem 800 funcionários e 10% (80) são brasileiros. São 19 nacionalidades diferentes e o Brasil lidera entre os estrangeiros: 85% portugueses, 10% brasileiros, 2% franceses e 3% outras, informa a assessoria de imprensa. “Durante o período de pandemia, a Natixis continuou a recrutar perfis brasileiros, sobretudo da área de TI, mas recruta também para atividade de Banking Support Activities. No futuro, quer continuar a apostar no recrutamento internacional, não só para TI mas também de suporte à área bancária”, diz a nota enviada ao blog. O Estudo de Remuneração para o setor este ano, da Michael Page, indica não só aumento da procura em Portugal, mas uma batalha pelos mais qualificados, que podem receber um salário bruto anual entre € 49 mil e € 100 mil, em Lisboa, e € 50 mil e € 95 mil no Porto. “Tipicamente, o mercado de TI é marcado pela verdadeira guerra pelo talento, por isso os salários são mais elevados comparativamente a outras áreas menos procuradas”, diz o relatório. No cenário mundial, a caça por estes profissionais aumentou em 20%. O GLOBO
Futuro do trabalho requer flexibilidade, saúde mental e estímulo a jovens
As mudanças provocadas nas relações de trabalho ao longo do último ano deixaram alguns sinais sobre como será o futuro. Flexibilidade para atuar em home office e no escritório, mais contato com os funcionários, diversidade e cuidado com saúde mental são algumas das tendências. Mas para que tudo funcione, a cultura organizacional precisa se adaptar, sendo que o bem-estar dos empregados é o ponto crítico a entrar no foco. Essas observações, que podem ajudar empresas, líderes e funcionários nesse novo cenário, estão no relatório Índice de Tendências de Trabalho, lançado nesta segunda-feira, 22, pela Microsoft. Com base em pesquisas com 31 mil pessoas em 31 países e análises de trilhões de informações sobre produtividade e trabalho, a empresa elencou sete pontos centrais que todos deveriam entender para ter sucesso no modelo híbrido. Os indícios partem, anonimamente, de atividades realizadas no Microsoft 365 e LinkedIn, como e-mails, chats, agenda e publicações. A ideia de trabalhar de casa e atuar no escritório em alguns dias da semana está bem estabelecida. Isso porque, de acordo com o relatório, 67% das pessoas querem mais tempo de contato pessoal com os colegas de trabalho ao mesmo tempo que 73% preferem a flexibilidade de home office. Uma pesquisa da Robert Half também já havia mostrado que 95% dos executivos acreditam que as equipes híbridas se tornarão cada vez mais comuns. “O trabalho flexível veio para ficar”, disse Emma Williams, vice-presidente corporativa da Microsoft Office Modern Workplace Transformation, em entrevista coletiva global da qual o Estadão participou. “Acreditamos que o local de trabalho híbrido será realmente tão perturbador, tão mutável e tão novo quanto a pandemia foi para todos quando tivemos de entrar em lockdown.” De acordo com o relatório apresentado, 66% dos líderes dizem planejar um redesenho dos espaços para comportar esse modelo. Junto a isso, 46% das pessoas realmente pensam em se mudar geograficamente enquanto atuam de forma remota. É o que Emma chama de viver localmente, mas trabalhar globalmente. “Existe essa oportunidade para as pessoas saírem das cidades e criarem suas famílias em outro sentido de comunidade”, ela afirma. “E as empresas buscarão uma nova força de trabalho diversificada que estará em outros locais onde, tradicionalmente, não podiam entrar antes.” Embora uma parcela de profissionais já planeje mudar de cidade devido à flexibilidade do home office, a vice-presidente acende o alerta de que um em cada dez não têm internet adequada em casa, então líderes deveriam se mobilizar para prover essa estrutura básica. Outro ponto de destaque do relatório chama a atenção para que as lideranças estejam mais em contato com seus liderados. Aqueles em cargos de decisão estão lidando melhor com esse momento (61%) do que os funcionários (38%), os quais estão sentindo a desconexão e esperam mais empatia dos superiores. O cenário é mais desafiador para mulheres, trabalhadores na linha de frente do combate ao coronavírus e a geração Z, aqueles nascidos entre 1995 e 2010. De modo geral, 37% acham que a empresa está exigindo muito deles em um momento como este. O documento faz um recorte sobre essa geração mais jovem, que está em risco e precisa ser reenergizada. “Eles são os mais novos das gerações, os mais novos da força de trabalho, se formaram na faculdade recentemente e, provavelmente, estão em seu primeiro emprego. E então, vem a pandemia e eles têm de trabalhar em casa, provavelmente também são solteiros e é muito impressionante estar sozinho em uma casa trancada por um ano sem família ou amigos. Portanto, essa geração é um grupo bastante afetado”, explica Emma. Esses fatores levam a um sentimento de incompreensão de como a carreira pode progredir, como podem ser melhores. “Eles se sentem mais invisíveis”, resume. “Sem sentir que podem ser ouvidos, 54% deles estão pensando em sair do emprego atual e mudar de empresa.” Por isso, ela destaca que os líderes precisam entender a experiência desse grupo e otimizar o ambiente para incluir essa geração, que é o futuro da força de trabalho. Superprodutividade e exaustãoUm motivo para que os líderes estejam desatentos à falta de conexão com os liderados nos leva a outro destaque da pesquisa: a alta produtividade está mascarando a exaustão. Além da pesquisa identificar que 54% dos funcionários sentem-se sobrecarregados, análise das atividades em plataformas da Microsoft dão conta do quanto as pessoas têm trabalhado mais: As reuniões online cresceram 148%;Cresceu duas vezes e meia o tempo gasto em reuniões online por semana;Usuários do Teams enviaram, em média, 45% mais mensagens por semana e 42% as enviaram depois do horário de trabalho, entre 17h e meia-noite;50% das pessoas respondem às mensagens em cinco minutos ou menos, dado que não mudou de um ano para o outro;Aumentou 40,6 bilhões o número de e-mails entregues a clientes comerciais e educacionais em fevereiro deste ano, comparado ao mesmo período de 2020.Esses números relacionados a reuniões e conversas online têm aumentado desde março e ainda não se estabilizaram. A própria Microsoft reconhece que, embora esperasse um incremento do uso das plataformas, não esperava ver essa magnitude. “Isso está levando a dias de trabalho prolongados. E vimos um aumento de 200% nas mensagens de bate-papo no fim de semana. Portanto, há também semanas de trabalho prolongadas, o que está obscurecendo essas fronteiras da vida profissional, em que as pessoas sentem que não podem se desligar”, disse Emma. Informações como essa ajudam a entender o ritmo e promover mudanças para evitar o esgotamento mental, que no ambiente de trabalho se traduz em síndrome de burnout.Em uma pesquisa que compôs o relatório, feita com 6 mil pessoas, 30% delas dizem sofrer esse esgotamento e outras 30% disseram que estavam experimentando um impacto na saúde mental e no bem-estar. Ao mesmo tempo, 73% se beneficiariam de alguma forma da prática de mindfulness. Todo esse sofrimento pode ser o motivo para que 41% dos funcionários pensem em deixar o emprego atual e procurar novas oportunidades enquanto 46% buscam mudar de carreira, seguindo uma nova profissão. Relações pessoais e diversidadeOs últimos apontamentos do relatório da Microsoft dão conta
50% dos empresários defendem fim do isolamento, diz Datafolha
Enquanto cresce o apoio da população às restrições de comércio e serviços na pandemia, entre empresários, 50% defendem acabar com o isolamento das pessoas em casa para estimular a economia e impedir o desemprego, mesmo que isso ajude a espalhar o vírus, segundo a pesquisa Datafolha de 15 e 16 de março. Para 31%, é melhor deixar as pessoas em casa para impedir que o vírus se espalhe, mesmo que prejudique a economia e gere desemprego. O governo Bolsonaro tem aprovação de 55% dos empresários, segundo a pesquisa, que tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Os que consideram a gestão regular são 25%, e os que avaliam como ruim ou péssimo, 16%. O presidente segue combatendo as restrições adotadas por prefeitos e governadores para tentar frear a doença. FOLHA DE S. PAULO
Shoppings pretendem cobrar aluguel mesmo com lojas fechadas
Mesmo com as restrições para o funcionamento do comércio em grande parte do Brasil, as maiores redes de shoppings decidiram manter a cobrança do aluguel dos lojistas. Haverá apenas descontos pontuais, após avaliação individual de comerciantes que atuam em setores cujas vendas ainda não se recuperaram bem, como vestuário, calçados, cosméticos e acessórios. Aliansce Sonae, BRMalls e Iguatemi, que comandam juntas mais de 60 estabelecimentos, já comunicaram a manutenção da cobrança do aluguel, mas outras redes nacionais devem seguir os mesmos passos, apurou a reportagem. “Prevalece o espírito de parceria, com negociações feitas caso a caso para que toda a cadeia se mantenha sustentável”, disse o presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), Glauco Humai. A postura é diferente da adotada nos primeiros meses da pandemia, quando foram concedidas descontos ou até mesmo isenções de uma forma ampla. Ao todo, o setor abriu mão de R$ 5 bilhões em aluguéis, fundos de promoção e condomínio no ano passado, segundo estimativa da Abrasce. O País chegou a ter todos os seus 601 shoppings fechados entre março e abril de 2020. As reaberturas foram graduais nos meses seguintes, à medida em que o funcionamento do comércio foi flexibilizado. Mas, com o novo pico de contaminações e óbitos por covid-19, a circulação de pessoas voltou a ser limitada. Atualmente, o setor contabiliza 407 shoppings fechados e 194 abertos com horários e fluxo reduzidos. Nenhum empreendimento opera sem algum tipo de restrição neste momento, de acordo com a Abrasce. NegociaçõesApesar da gravidade da nova onda do coronavírus e das incertezas sobre a extensão dos seus impactos para a economia, os donos de shoppings argumentam que toda a cadeia do varejo está mais preparada para lidar com a situação. Desde o começo da pandemia, houve uma corrida para colocar de pé canais digitais de vendas para os lojistas, especialmente aqueles de pequeno e médio portes, que não têm sites próprios para o comércio eletrônico. Boa parte dos shoppings das grandes redes já oferece opções de comércio eletrônico, como marketplace, vendas por Whatsapp, centrais de entregas, sistema de drive thru para retirada, coleta de compras em armários, entre outras medidas. “O aprendizado do ano passado nos deu recursos para aprender melhor a lidar com o fechamento do comércio”, explicou o presidente da Aliansce Sonae, Rafael Sales. “Vamos continuar apoiando os lojistas, mas de uma forma mais cirúrgica. Tem setores que estão vendendo muito bem de forma online.” “A situação atual é bem diferente do que aconteceu no começo da pandemia, em que ninguém sabia de nada, nem quanto tempo ia levar o fechamento”, ressaltou o presidente da Iguatemi, Carlos Jereissati, durante reunião com investidores e analistas. Os donos de shoppings também levaram em consideração que os lojistas podem contar com o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que concedeu R$ 37 bilhões em crédito a pequenos negócios na crise no ano passado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já falou em renovar a oferta de recursos, e o Congresso busca espaço no Orçamento para abastecer o programa. “Tivemos de ajudar mais os lojistas lá trás porque eles não tinham opções de capital. O governo demorou a editar medidas de ajuda, como o Pronampe”, disse o presidente da BRMalls, Ruy Kameyama. “Por isso, a política de descontos deste ano será diferente. Ano passado foi um desconto mais automático, por causa do rápido fechamento do comércio. Agora, será mais cirúrgico, porque há maior disponibilidade de funding.” Os lojistas, porém, já disseram que, com a nova fase de restrições, será muito difícil continuar pagando os aluguéis. O presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos) e dono da rede de moda TNG, Tito Bessa Júnior, disse no início do mês que as empresas tendem a ficar inadimplentes, especialmente aquelas cujas vendas ainda não haviam se recuperado plenamente, casos dos setores de roupas, acessórios, cosméticos, entre outros. Frente a isso, ele argumentou que não restam opções a não ser deixar de pagar certas despesas, como aluguéis. “Se mal dava para pagar o aluguel antes, agora que não dá mesmo. Isso vai ter de ser isentado. É mais um sacrifício que todos teremos de fazer.” SobreviventesApesar das dificuldades enfrentadas pelo varejo, as redes de shoppings entraram em 2021 com a inadimplência dos aluguéis dos lojistas em baixa na comparação com o começo da pandemia, além de um nível de ocupação considerado saudável. A BrMalls tem ocupação de 96,4% e inadimplência de 5,5%. Na Aliansce, esses indicadores estão em 95,8% e 5,2%, e na Iguatemi, em 91,0% e 9,3%. Além disso, a perspectiva é de que há lojistas capitalizados e interessados em ocupar o espaço daqueles que estão endividados e devolvendo os pontos comerciais. A Aliansce assinou cerca de 150 contratos no quarto trimestre e outros 70 entre janeiro e fevereiro deste ano. “A demanda por áreas está alta. Alguns lojistas não vão aguentar a crise, mas tem demanda de outros”, observou Sales. Por sua vez, a Iguatemi tem contratos equivalentes a 2,7% da sua área bruta locável já assinados ou em fase de assinatura, com entrada dos lojistas previstas para este semestre. A perspectiva é de que há uma recuperação em andamento nova varejo, segundo Jereissati. Mas ele pondera que esse cronograma pode ser revisto se o fechamento dos shoppings for muito prolongado. O ESTADO DE S. PAULO