Futuro do trabalho requer flexibilidade, saúde mental e estímulo a jovens

As mudanças provocadas nas relações de trabalho ao longo do último ano deixaram alguns sinais sobre como será o futuro. Flexibilidade para atuar em home office e no escritório, mais contato com os funcionários, diversidade e cuidado com saúde mental são algumas das tendências. Mas para que tudo funcione, a cultura organizacional precisa se adaptar, sendo que o bem-estar dos empregados é o ponto crítico a entrar no foco.

Essas observações, que podem ajudar empresas, líderes e funcionários nesse novo cenário, estão no relatório Índice de Tendências de Trabalho, lançado nesta segunda-feira, 22, pela Microsoft. Com base em pesquisas com 31 mil pessoas em 31 países e análises de trilhões de informações sobre produtividade e trabalho, a empresa elencou sete pontos centrais que todos deveriam entender para ter sucesso no modelo híbrido. Os indícios partem, anonimamente, de atividades realizadas no Microsoft 365 e LinkedIn, como e-mails, chats, agenda e publicações.

A ideia de trabalhar de casa e atuar no escritório em alguns dias da semana está bem estabelecida. Isso porque, de acordo com o relatório, 67% das pessoas querem mais tempo de contato pessoal com os colegas de trabalho ao mesmo tempo que 73% preferem a flexibilidade de home office. Uma pesquisa da Robert Half também já havia mostrado que 95% dos executivos acreditam que as equipes híbridas se tornarão cada vez mais comuns.

“O trabalho flexível veio para ficar”, disse Emma Williams, vice-presidente corporativa da Microsoft Office Modern Workplace Transformation, em entrevista coletiva global da qual o Estadão participou. “Acreditamos que o local de trabalho híbrido será realmente tão perturbador, tão mutável e tão novo quanto a pandemia foi para todos quando tivemos de entrar em lockdown.”

De acordo com o relatório apresentado, 66% dos líderes dizem planejar um redesenho dos espaços para comportar esse modelo. Junto a isso, 46% das pessoas realmente pensam em se mudar geograficamente enquanto atuam de forma remota. É o que Emma chama de viver localmente, mas trabalhar globalmente.

“Existe essa oportunidade para as pessoas saírem das cidades e criarem suas famílias em outro sentido de comunidade”, ela afirma. “E as empresas buscarão uma nova força de trabalho diversificada que estará em outros locais onde, tradicionalmente, não podiam entrar antes.” Embora uma parcela de profissionais já planeje mudar de cidade devido à flexibilidade do home office, a vice-presidente acende o alerta de que um em cada dez não têm internet adequada em casa, então líderes deveriam se mobilizar para prover essa estrutura básica.

Outro ponto de destaque do relatório chama a atenção para que as lideranças estejam mais em contato com seus liderados. Aqueles em cargos de decisão estão lidando melhor com esse momento (61%) do que os funcionários (38%), os quais estão sentindo a desconexão e esperam mais empatia dos superiores. O cenário é mais desafiador para mulheres, trabalhadores na linha de frente do combate ao coronavírus e a geração Z, aqueles nascidos entre 1995 e 2010. De modo geral, 37% acham que a empresa está exigindo muito deles em um momento como este.

O documento faz um recorte sobre essa geração mais jovem, que está em risco e precisa ser reenergizada. “Eles são os mais novos das gerações, os mais novos da força de trabalho, se formaram na faculdade recentemente e, provavelmente, estão em seu primeiro emprego. E então, vem a pandemia e eles têm de trabalhar em casa, provavelmente também são solteiros e é muito impressionante estar sozinho em uma casa trancada por um ano sem família ou amigos. Portanto, essa geração é um grupo bastante afetado”, explica Emma.

Esses fatores levam a um sentimento de incompreensão de como a carreira pode progredir, como podem ser melhores. “Eles se sentem mais invisíveis”, resume. “Sem sentir que podem ser ouvidos, 54% deles estão pensando em sair do emprego atual e mudar de empresa.” Por isso, ela destaca que os líderes precisam entender a experiência desse grupo e otimizar o ambiente para incluir essa geração, que é o futuro da força de trabalho.

Superprodutividade e exaustão
Um motivo para que os líderes estejam desatentos à falta de conexão com os liderados nos leva a outro destaque da pesquisa: a alta produtividade está mascarando a exaustão. Além da pesquisa identificar que 54% dos funcionários sentem-se sobrecarregados, análise das atividades em plataformas da Microsoft dão conta do quanto as pessoas têm trabalhado mais:

As reuniões online cresceram 148%;
Cresceu duas vezes e meia o tempo gasto em reuniões online por semana;
Usuários do Teams enviaram, em média, 45% mais mensagens por semana e 42% as enviaram depois do horário de trabalho, entre 17h e meia-noite;
50% das pessoas respondem às mensagens em cinco minutos ou menos, dado que não mudou de um ano para o outro;
Aumentou 40,6 bilhões o número de e-mails entregues a clientes comerciais e educacionais em fevereiro deste ano, comparado ao mesmo período de 2020.
Esses números relacionados a reuniões e conversas online têm aumentado desde março e ainda não se estabilizaram. A própria Microsoft reconhece que, embora esperasse um incremento do uso das plataformas, não esperava ver essa magnitude.

“Isso está levando a dias de trabalho prolongados. E vimos um aumento de 200% nas mensagens de bate-papo no fim de semana. Portanto, há também semanas de trabalho prolongadas, o que está obscurecendo essas fronteiras da vida profissional, em que as pessoas sentem que não podem se desligar”, disse Emma. Informações como essa ajudam a entender o ritmo e promover mudanças para evitar o esgotamento mental, que no ambiente de trabalho se traduz em síndrome de burnout.Em uma pesquisa que compôs o relatório, feita com 6 mil pessoas, 30% delas dizem sofrer esse esgotamento e outras 30% disseram que estavam experimentando um impacto na saúde mental e no bem-estar. Ao mesmo tempo, 73% se beneficiariam de alguma forma da prática de mindfulness. Todo esse sofrimento pode ser o motivo para que 41% dos funcionários pensem em deixar o emprego atual e procurar novas oportunidades enquanto 46% buscam mudar de carreira, seguindo uma nova profissão.

Relações pessoais e diversidade
Os últimos apontamentos do relatório da Microsoft dão conta das relações interpessoais no modelo híbrido de trabalho. Houve redução do networking, uma vez que as conversas em grupos aumentaram e o envio de mensagens individuais ou em pequenos grupos se reduziu. Essa alteração coloca a inovação em risco: pessoas com interações mais fracas relataram ter mais dificuldade para pensar estrategicamente e propor novas ideias.

Em contrapartida, quem interagiu mais intimamente com os colegas, apresentando família e os animais de estimação, reportaram um relacionamento de trabalho mais forte, alta produtividade e melhor bem-estar. “Isso traz um nível de autenticidade. Essa quebra de formalidade permitiu que as pessoas fossem um pouco mais de verdade. À medida que avançamos para o futuro, é muito importante que ofereçamos essa oportunidade de continuar com essa conexão humana, porque isso realmente permite, especialmente às minorias sub-representadas, trazer seu eu autêntico”, diz Emma.

E trazer as minorias para perto é falar de diversidade, que é apontada no relatório como o lado bom do trabalho remoto. Com a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar, é possível às empresas ter contato com um mercado de talentos mais amplo. Mulheres, jovens, negros, latinos e aqueles sem graduação são mais propensos a se candidatarem ou quererem vagas remotas. “Sabemos, com base na ciência de dados, que quanto mais diversificada for sua força de trabalho, mais diversas serão suas perspectivas e melhores serão os resultados do negócio”, destaca a vice-presidente da Microsoft.

Para que esse mundo seja possível, a cultura da empresa será essencial, entendendo que é possível alcançar pessoas com bagagem variada. “As empresas que sobrevivem e se dão muito bem são aquelas que trazem uma cultura fenomenal que inclui a todos e permite que sejam autênticos.”

O ESTADO DE S. PAULO

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