As lições que as empresas devem tirar da tragédia no Carrefour

*Percival Maricato Na condição de quem ocupou privilegiado posto de atuação como líder de classe que lida todos os dias com milhões de cidadãos consumidores, quero utilizar este espaço para análise das causas e consequência de fatos que emergem diante da morte violenta de um cidadão negro no Carrefour de Porto Alegre, o sr João Alberto Silveira Freitas. Neste recorte sobre reflexos judiciais e econômicos o que deve ficar bem claro, antes de tudo, é que escolher mal terceirizados pode resultar em extinção da empresa, com gigantescas dívidas sobrando para os sócios. A morte, causada pela agressão de dois seguranças brancos, mostra o risco que corre qualquer empresa que contrata terceirizados sem levar em conta quem está contratando, quem será enviado pela contratada para prestar serviços. O Carrefour terá prejuízo material e moral, imensos. Material com a redução de vendas, decorrentes de quebra-quebra, fechamento de portas por vários dias. Podemos citar com dano moral o desgaste da imagem da empresa, de sua marca e conceito. Quanto custará recuperar minimamente a confiança dos consumidores? Há ainda prejuízos financeiros diretos, decorrentes dos danos emergentes citados, menos dinheiro aplicado e reservas. E só na bolsa suas ações caíram mais de 2 bilhões de reais. O dano é maior por ser empresa que lida diretamente com a população, com consumidores, por ter em cada grande cidade concorrentes e entidades da sociedade civil que passarão a fiscaliza-lo cotidianamente. Leve-se em conta que o Carrefour não é primário, como se diz no direito penal, possuindo histórico negativo. Valor significativo será calculado para indenização à família do falecido. A perda de ente de uma família é irreparável, mas no mínimo esta tem direito a dano moral, possivelmente meio milhão de reais, mais pensão mensal, algo como ¾ do que ele ganhava, até que completasse 75 anos, idade provável de seu falecimento por causas naturais. É ¾ por supor que o Sr. Freitas gastaria pelo menos ¼ com despesas pessoais. Se ficasse paraplégico ou algo parecido, o Carrefour teria que pagar ainda pelo menos três cuidadores (revezando-se, quiçá mais um nos fins de semana), enquanto ele estivesse vivo, mais gastos com hospitais, remédios, cuidados com recuperação e tantos outros. Muito provavelmente, teria que constituir capital para garantir esses pagamentos, cerca de R$ 10 milhões de reais. O Carrefour pode e certamente tentará, ante a repercussão do fato, acordo com a família. Esta, informada, não aceitará menos do que o avaliado acima. Se for necessário ação judicial, o desgaste moral será maior, a condenação será elevada, acrescida de honorários, juros de 1% ao mês, correção. Em ação judicial, o Carrefour pode tentar culpar a empresa de segurança, mas isso, mesmo que seja aceito (pode não ser, pois será julgada à luz do direito do consumidor), dificilmente isentará o supermercado, pois óbvio que contratou mal e fiscalizou o serviço pior ainda. O fato em si já diz o quão despreparados eram os seguranças. Surraram o cidadão por vários minutos, em público e frente às câmeras, até mata-lo. Depois o abandonaram no chão do estacionamento, sem prestar socorro, sem procurar amenizar um mínimo as consequências. O ocorrido tem todos os agravante de ter sido qualificado como crime de racismo. Será mais um fundamento pelo qual a indenização poderá ser agravada e aumentada. Haverá ainda as inevitáveis perdas com fiscalizações e na reconquista do público. Haja anúncios em jornais, redes sociais, pedidos de desculpas, cursos para funcionários, despesas com contratação de empresas terceirizadas mais eficientes. O Carrrefour terá que ser perfeito, doravante. E tal como a mulher de Cesar, além de ser, parecer perfeito. O supermercado poderá agir judicialmente contra a empresa de segurança pelo direito de regresso, visando compensar-se do prejuízo. E no caso, não só pelo que for despender com a família, mas também todo seu dano moral e material, tudo que perder e deixar de ganhar. Afinal, se não tem como se isentar perante o consumidor, o Carrefour, se feito um contrato com cuidados mínimos, tem todo o direito de exigir da empresa de segurança competência na prestação de serviços. A empresa de segurança poderá não sobreviver a tantas indenizações e ao prejuízo moral que ela também irá sofrer; quem doravante irá querer contratá-la, ter em sua empresa um segurança com a marca da mesma no colete? Os sócios poderão perder tudo, com a figura da desconsideração da pessoa jurídica. Ou seja, se empresa não tem como pagar os credores, a família ou o Carrefour, poderão dirigir suas pretensões de indenização contra os sócios. Para Carrefour e possivelmente para a empresa de segurança valeu um velho ditado: muitas vezes o barato sai carro. O serviço de segurança exige mais profissionalismo, preparo de profissionais muito além do curso de reciclagem, técnico, obrigatório a cada dois anos, os exames psicológicos devem ser bem feitos, e a contratação de pessoas sem vínculo empregatício, é muito comum que se contrate policiais, que há anos não passam nesses exames de adaptação, deve ser evitado ou no mínimo ser circunscrito a certas funções que não gerem vínculo trabalhista e não lidem com públicos diretamente. Se não se admite que um simples botequim noturno contrate vigilantes sem curso de formação (200 horas, onde se aprende legislação, direitos humanos etc), como aceitar que uma multinacional o faça. Nesse caso, o supermercado terá que responder junto ao Ministério Público. Em situações mais comuns, a empresa que contrata bem e fiscaliza o serviço, nem sempre responde pela agressão de um segurança. Para tanto é preciso provar que ela teria agido com culpa ou dolo. A participação de uma funcionária com poder para intervir mas que optou em filmar as agressões indicam que algo pode estar fora de controle. O mesmo não acontece com a empresa de segurança, sua responsabilidade é objetiva, ou seja, existe independente de culpa. Só a grave e injusta provocação da vítima pode isentá-la ou reduzir o prejuízo. Não será o soco que o sr Freitas parece ter dado em um dos seguranças que trabalhava no Carrefour que isentará a empresa ou o supermercado de

Acordo para aprovação da reforma tributária está perto, diz Baleia Rossi

Autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), disse ao Estadão que está próximo um acordo com o governo para a aprovação da proposta na Câmara até o fim do ano. Segundo ele, há convergência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para incluir na proposta medidas que aumentem a chamada progressividade (para que quem ganha mais pague proporcionalmente mais tributos) do sistema tributário brasileiro. Hoje, o sistema é altamente regressivo, ou seja, penaliza os mais pobres. Essa é uma demanda, sobretudo, dos partidos de esquerda na Câmara. Segundo apurou o Estadão, o relatório de Ribeiro deve incluir a volta da tributação de lucros e dividendos (a parcela do lucro distribuída aos acionistas de uma companhia), redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), aumento da tributação de herança e fixação de um “IPVA” para aeronaves e embarcações. “É verdade que estamos próximos de um acordo. O próprio ministro Guedes, nas observações que ele fez, podem ser contempladas. E outras sugestões poderão vir por parte do governo”, disse Baleia Rossi. Segundo ele, a expectativa é que na próxima semana o ministro encaminhe as sugestões. “O tema reforma está absolutamente maduro. Seria muito prejudicial ao País não conseguimos votar até o recesso parlamentar de dezembro”, avaliou. O ESTADO DE S. PAULO

Shopping centers apostam em estratégia de varejo multicanal

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O segmento de shopping centers, definitivamente, não quer ficar de fora da corrida pelo consumidor virtual. As restrições à abertura dos centros comerciais ao longo de 2020 fez com que as administradoras acelerassem suas iniciativas na área de ecommerce e apostassem no desenvolvimento de ferramentas como as vitrines virtuais, que, na prática, transformam o shopping em marketplace, centro de distribuição e peça-chave para a estratégia omnichannel dos lojistas. Daniel Peres, Co-Head de Inovação e Negócios Digitais da administradora de shoppings Multiplan, diz que a empresa busca uma estratégia unificada de e-commerce para sua rede de centros comerciais. A iniciativa tem como alicerces o aplicativo MultiApp, o Delivery Center, operado em conjunto com as administradoras Cyrella e BRMalls, para apoio logístico aos varejistas; e uma parceria com marketplaces como Mercado Livre e B2W. “Com isso, oferecemos todo apoio para que nossos lojistas tenham várias alternativas para explorar o comércio eletrônico e proporcionar uma experiência omnichannel aos clientes”, diz. As alternativas são muitas. Um cliente que esteja em São Paulo, por exemplo, pode pedir um produto de uma loja do Barra Shopping e retirá-lo em uma loja do Morumbi Shopping. Também é possível fazer o pedido por meio de um dos marketplaces associados para retirada no shopping mais próximo, ou comprar de um lojista do shopping da cidade e receber o produto por delivery. “É o que chamamos de estratégia hiperlocal”, afirma Peres. Outro benefício é aproximar a marca do consumidor. “Os clientes conhecem nossos shoppings, mas poucos conhecem a Multiplan”. Diego Marcondes, diretor de marketing da Ancar Ivanhoé, observa que a pandemia acelerou a tendência de adoção do ecommerce e veio ao encontro dos esforços da administradora em estabelecer uma estratégia bem-sucedida no comércio eletrônicos. “Nosso aplicativo Canal Direto conta com quase 1,5 milhão de downloads”. Ele explica que uma das estratégias para a adesão dos lojistas à vitrine virtual dos shoppings é a taxa cobrada nas vendas, de 5%, contra os 15% normalmente cobrados pelos marketplaces tradicionais. A administradora também presta suporte na digitalização e na logística das vendas por aplicativos como o Whatsapp. Outra iniciativa desenvolvida durante a pandemia foi o Ancar Go, que transformou os shoppings da rede em hub de entregas, com custo mais baixo que o delivery tradicional. “Se cada lojista contratasse um serviço de entrega próprio sairia muito mais caro”, diz Marcondes. A estratégia busca ampliar a área de influência dentro de cada cidade. “Buscamos um raio em que seja possível atender o cliente dentro de uma hora ou uma hora e meia”, explica. “Com isso, é possível oferecer um serviço competitivo e que dê retorno ao lojista e à administradora.” As vitrines virtuais também estão na estratégia do grupo Alliansce Sonae. Durante a pandemia, o time de Inovação e vendas por WhatsApp e o serviço de drive-thru. Agora, cada shopping da rede terá sua vitrine virtual para que os clientes planejem as compras ou adquiram produtos de maneira totalmente digital. Um deles, o Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, lançou sua vitrine virtual no último dia 23, aproveitando a semana da Black Friday. A ideia é manter a vitrine no ar para todas as demais datas do calendário de varejo. VALOR ECONÔMICO

Petrobras reduz em 27% investimentos para os próximos 5 anos

A Petrobras anunciou nesta quinta (26) corte de 27% no seu orçamento para investimentos nos próximos cinco anos. O novo plano de negócios reduz ainda as metas de produção de petróleo e gás da companhia. Aprovado na quarta (25) pelo conselho de administração, o plano prevê investimentos de US$ 55 bilhões (cerca de R$ 294 bilhões pela cotação atual) entre 2021 e 2025, ante os US$ 75 bilhões (R$ 400 bilhões) do plano anterior. É o segundo corte na projeção de investimentos sob o comando de Roberto Castello Branco, nomeado para presidir a Petrobras pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em 2019, em seu primeiro plano de negócios, o orçamento foi reduzido em 10%. Em sua gestão, Castello Branco acelerou o processo de venda de ativos da companhia, ampliou o foco em no pré-sal e diz buscar uma empresa com maior retorno ao investidor. O movimento foi reforçado após a pandemia, que derrubou o consumo e as cotações internacionais de petróleo. No documento distribuído nesta quinta, a empresa diz reafirmar a visão de “ser a melhor empresa de energia na geração de valor para o acionistas, com foco em óleo e gás e com segurança, respeito às pessoas e ao meio ambiente”. Nesse sentido, diz a Petrobras, a redução do endividamento continua sendo prioritária. Em 2020, a empresa conseguiu diminuir sua dívida bruta em US$ 31 bilhões (R$ 165 bilhões) e a meta de atingir US$ 60 bilhões (R$ 320 bilhões) deve ser atingida em 2022, segundo o plano divulgado nesta quinta. A partir deste momento, a empresa fica liberada para distribuir um volume de dividendos superior ao mínimo previsto em lei, de 25% do lucro líquido. Em outubro, a estatal anunciou que poderá distribuir dividendos mesmo em anos de prejuízo caso a geração de caixa garanta a redução da dívida e os investimentos. Do total de aportes previstos para os próximos cinco anos, 84% serão destinados à exploração e produção de petróleo, patamar semelhante ao do plano anterior. Projetos localizados no pré-sal vão receber US$ 32 bilhões (R$ 171 bilhões). A expectativa é instalar 13 plataformas de produção no período. A meta de produção para 2025, de 3,3 milhões de barris de óleo e gás, é 5% inferior à do plano aprovado em 2019. A empresa diz que a queda reflete a venda de ativos de exploração e produção na Bacia de Campos. Parte do corte de investimentos havia sido antecipado em setembro, quando a empresa anunciou que reduziria seu orçamento para exploração e produção de petróleo em função das novas projeções para as cotações internacionais após a pandemia. O comunicado divulgado nesta quinta, porém, não identifica para quais projetos serão destinados os investimentos. Os detalhes devem ser apresentados em evento virtual com investidores na semana que vem. Segundo a companhia, a estratégia para os próximos cinco anos mantêm cinco pilares da estratégia anterior: maximização do retorno sobre o capital empregado, redução do custo de capital, busca incessante por baixos custos e eficiência, meritocracia e respeito às pessoas e ao meio ambiente. A companhia criou recentemente uma gerência com foco em mudança climática e, no plano de negócio, reforça metas de descarbonização de processos, que envolvem medidas como redução da queima de gás natural em plataformas e ganhos de eficiência em refinarias. A meta é reduzir as emissões absolutas em 25% até 2030. As ações da Petrobras recuaram após divulgação de plano estratégico. O Bradesco BBI avaliou que ele foi um pouco decepcionante em termos de produção e também em termos de meta de alavancagem. Os papéis preferenciais da estatal cederam 1,63% e os ordinários, 1,53%. FOLHA DE S. PAULO

‘Sem uma política fiscal, é melhor desistir de combater a inflação’

A conjuntura econômica da recessão global causada pela covid-19 dá um tempo, de uns dois anos, para o Brasil buscar uma “construção política” para atingir o equilíbrio das contas públicas, diz Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Se não fizer uma “arrumação fiscal” nesse período, quando a economia brasileira se recuperar do tombo com a pandemia, a inflação voltará a subir. Não será uma crise com “hiperinflação” – no último dia 9, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito rápido” se não rolar a dívida pública satisfatoriamente –, mas uma pressão que aumenta aos poucos, numa “degradação permanente”, diz Pessôa. A saída para evitar o pior, segundo o pesquisador, é manter o teto dos gastos públicos (regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior), aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) que cria os gatilhos de corte de despesas, permitindo o cumprimento do teto, e aprovar uma reforma administrativa abrangente. ● O aumento de gastos do governo para enfrentar a pandemia de covid-19 chegou ao limite? O limite é dado pelo tamanho da dívida (pública), pelo que se considera ser o custo dessa dívida a médio prazo e pelo que achamos que é capacidade de crescimento da economia. Esses três parâmetros vão determinar qual o superávit que o Estado precisa para manter a dívida estável e até diminuí-la. Com uma dívida de 100% do PIB (Produto Interno Bruto) e um custo de capital (juros) de 4% (ao ano), se a economia cresce 2%, essencialmente, o superávit primário tem de ser 2% do PIB para estabilizar a dívida. Só que um país emergente com uma dívida de 100% do PIB precisa fazer essa dívida diminuir. Um superávit de 2% está no limite, é arriscado. Na verdade, em algum momento o superávit vai ter de ser mais próximo de 3%. Isso dá uma ideia do esforço fiscal. ● As projeções para os próximos anos mostram que um superávit ainda está longe, não? Podemos dizer que temos alguma folga, porque o desemprego está muito elevado. Por isso, a taxa de juros está bem mais baixa e o crescimento da economia, durante alguns anos, vai ser mais alto. Há um horizonte de dois anos pela frente em que a conta (da estabilização da dívida pública) não será desse jeito que eu fiz. Vamos ter um custo médio da dívida menor do que o crescimento econômico. Isso dá um fôlego. Agora, se não quisermos fazer uma política fiscal conservadora, contracionista, para produzir esse superávit e colocar a dívida em trajetória de queda, é melhor desistir de combater a inflação. ● O desequilíbrio das contas públicas levará a mais inflação? Se a dívida é muito alta, e o governo não está fazendo uma política fiscal para estabilizar a dívida, quando começa a ter inflação, o Banco Central (BC) tem de subir juros. A subida de juros contém a demanda (e, assim, arrefece a inflação, já que os preços sobem quando há mais demanda do que oferta de bens e serviços). Mas tem um elemento da subida de juros que não contém a demanda. O juro é renda para alguém, para os detentores da dívida pública. Quando sobem os juros, a renda dos detentores da dívida pública aumenta. Esse efeito, em geral, é pequenininho, quando a dívida pública não é muito grande, porque, em geral, os governos lançam títulos em que os juros estão pré-fixados. Assim, quando o BC sobe o juro para combater a inflação, o título já emitido tem a mesma taxa. Só nos novos títulos emitidos no período em que os juros ficarem mais altos (para combater a inflação) é que vai incidir uma taxa maior. Se no período em que os juros estiverem mais altos a quantidade de títulos que o governo precisar emitir for pequenininha, não tem nenhum efeito. Agora, suponha um país que emite uma parte grande de seus papéis pós-fixados (quando juro do título da dívida pública é igual à taxa básica, seja ela qual for). É o nosso caso. ● O que acontece? Quando sobem os juros, imediatamente, a renda do cara que tem papel (e não só de quem compra títulos novos) aumenta. Suponha, além disso, que o prazo médio de vencimento da dívida pública é curto. Em um ano, o governo tem de refinanciar 30% da dívida. Se ficarmos um ano combatendo a inflação com juros mais altos, uma parte grande da dívida vai ser renovada com juro mais alto e, depois de um ano, já estamos gastando um dinheirão para remunerar aquela dívida. Se além de tudo a dívida é grande, esse efeito de aumentar a renda do setor privado (investidores da dívida pública) quando sobe a taxa básica de juros passa a ser muito importante. Aí, a política monetária perde a capacidade de ser a reguladora da demanda agregada. Nessa hora, o BC aceita a inflação, não tem mais como combater. Nessa hora, estamos naquilo que chamamos de “dominância fiscal”. ● O Brasil está prestes a entrar em “dominância fiscal”? A dominância fiscal depende do tamanho da dívida, do prazo médio de vencimento e da proporção de títulos pós-fixados, mas depende também da política fiscal. Temos algum refresco pela conjuntura econômica, que nos dá um tempo, mas se, nesse intervalo de tempo, não houver uma construção política que arrume a política fiscal, que construa, de forma estrutural, uma posição superavitária das contas públicas, vamos estar, em dois anos, em dominância fiscal. Quando a economia se recuperar, o desemprego cair e a inflação começar a subir, estaremos em dominância fiscal. ● Isso levará a uma nova crise? Não gera uma crise. Gera uma degradação permanente da conjuntura econômica. A inflação começa a subir, o BC não pode combater essa inflação, e ela vai subindo. Explode como hiperinflação? Acho que não, não explode. O processo de reinflação de uma economia é suave, é persistente, pode ser até meio rápido, mas não é descontínuo (com ruptura), principalmente

Desgaste mina credibilidade de Guedes

Com o desgaste crescente e a falta de articulação para encaminhar a questão fiscal do país, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou de ser o fiel da balança do governo Jair Bolsonaro, segundo executivos de bancos e investidores institucionais ouvidos pelo Valor. A leitura é a de que uma eventual saída de Guedes já não representaria mais uma ruptura para o mercado, desde que seu substituto mostre comprometimento com uma agenda responsável para tirar o país do abismo e capacidade de execução. Gestores de recursos mostram não acreditar que o país conseguirá trilhar uma trajetória fiscal sustentável. Ao procurar uma luz nas seguidas apresentações públicas do ministro da Economia nas últimas semanas, Carlos Woelz, sóciofundador da Kapitalo, disse não ter encontrado uma resposta positiva. “O ministro parece cego, não enxerga o que está acontecendo. A resposta foi negativa, com ele fazendo pouco das pessoas que tentam ser construtivas e contribuir para a conversa”, disse ao participar nesta semana de evento da plataforma de investimentos Vitreo com a Empiricus. “Em vez de falar de cabotagem, tinha que falar da trajetória fiscal. Se a Fazenda não falar, ninguém vai falar, tem que ser explícito no plano, daí é possível entender qual a probabilidade de dar certo”, completou. Os preços dos ativos brasileiros poderiam ser considerados atrativos se houvesse uma mudança de chave, na avaliação de Woelz. Para o gestor, o mercado está sujeito a ter ainda correções significativas na curva longa de juros se o Brasil não atacar os seus problemas. “E a magnitude do ajuste fiscal é de 2% a 3% do PIB, não é um ajuste absurdo. O problema é que o governo está falando em gastar mais.” Sem coordenação para encaminhar alguma solução para as contas públicas, os prêmios nos mercados de juros e câmbio não parecem exagerados, disse Rogério Xavier, sócio-fundador da SPX Capital, no mesmo evento. Ele não vê consenso no conjunto de forças políticas para mudar a Constituição de forma a diminuir despesas obrigatórias. “Se estou carregado de títulos públicos e escuto a história de que o Brasil está à beira do precipício fiscal e não vejo o ministro tomar atitude para eu ficar tranquilo, que vou receber pelo meu ‘bond’ Toda a discussão não é para diminuir, mas para aumentar [gastos].” Para Xavier, o ministro adotou uma postura em que basicamente esquece como são os ciclos políticos no Brasil, em que só se consegue fazer reformas efetivamente no primeiro ano quando chega com a popularidade em alta. “Estou muito cético de que vá encontrar uma solução para nosso problema fiscal porque não vejo vontade política nenhuma do Executivo de andar com essa agenda. A agenda política é para o outro lado, de fazer mais bondades.” O gestor também disse ver uma falta de conexão entre as posições mais otimistas em bolsa e o mercado futuro com inflação projetada de 4,5% e taxas do FRA de cupom cambial (o juro em dólar) perto de 9%. Mesmo depois de toda desvalorização do real, Xavier não acha que a moeda esteja barata em termos reais, e diz que, se o termômetro do mercado de juros estiver correto, o câmbio vai ser a variável de ajuste. “Barato contra o quê? Dependendo do cenário pode estar caro. A minha visão de Brasil é que eu preciso mais de fatos concretos do que de palavras.” Essa história de dizer que tudo depende do timing político e de que agora a bola está com o Congresso não funciona mais, segundo o economista-chefe de uma importante instituição financeira. “Não basta apresentar as reformas e deixá-las na mão dos congressistas. É preciso fazer um acompanhamento, negociar nos bastidores e, aparentemente, o Paulo Guedes não se envolve muito nessas questões ou, pelo menos, não consegue atingir os resultados esperados.” A liderança ruidosa do presidente Jair Bolsonaro é outro fator que contribui para os elevados prêmios de risco exigidos pelos investidores, diz o gestor de uma asset carioca. Para ele, as brigas internas entre equipe econômica e ministros que defendem aumentar o investimento público ajudam a explicar o desconto dos ativo brasileiros em relação aos seus pares. O governo não parece mesmo engajado em buscar um consenso em relação à pauta fiscal, enquanto a prioridade do Legislativo tem sido a sucessão da presidência da Câmara dos Deputado, diz Pedro Dreux, sócio e gestor da Occam. “A efetividade na aprovação de reformas é muito baixa. Em parte pela falta de articulação do governo e em parte por essa falta de senso de urgência dos congressistas.” Para o sócio-fundador da ACE Capital, Fabrício Taschetto, é difícil dizer se a insatisfação expressada nos preços dos ativos deve-se ao Guedes ou ao governo como um todo. “O presidente não tem demonstrado apoio à agenda de reformas, o ministério da Economia não entregou as reformas propostas e ainda vem falar em estender o auxílio emergencial.” Com a percepção de que Guedes deixou de ser o fiador da política econômica, uma eventual substituição do ministro teria um efeito negativo de curta duração, diz um outro profissional. “Assumindo um nome bom, não vai ser um baque, não.” O impasse fiscal, de fato, já esgotou a paciência de todo o mundo, mas isso tem relação com os trâmites políticos no Congresso, não com a equipe econômica, diz Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Capital. “Se dependesse da equipe, já teria batido martelo. Mas quem bate o martelo é o Congresso. Podem dizer que governo está esperando os desdobramentos da situação política, mas não dá para creditar à equipe econômica algo que não é de sua responsabilidade.” Para ele, o custo de postergar a discussão sobre o Orçamento é mais uma fonte de ruído. “Ficou claro que qualquer programa de renda mínima vai ocorrer com realocação de despesas. Mas, como o Orçamento e a definição não acontecem, continuam esses rumores.” Apesar das críticas crescentes no mercado à atuação de Guedes, Figueiredo diz que o ministro continua tendo papel relevante no controle de contas públicas e que o seu cenário-base é que o teto

Pandemia exclui mães do mercado de trabalho

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A pandemia da covid-19 está excluíndo as mães trabalhadoras da força de trabalho mundial de maneiras que podem prejudicar as perspectivas econômicas das mulheres por muitos anos, de acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU). Em muitos países, a principal razão é a necessidade de cuidar dos filhos. O estudo, divulgado nesta semana pela ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres), mostra que, no pico das quarentenas do começo deste ano, 1,7 bilhão de crianças foram afetadas pelo fechamento de escolas. Cerca de 224 milhões continuam fora da escola, o que obriga muitas famílias a escolher a quem caberá cuidar delas. “São predominantemente as mulheres – que muitas vezes recebem salários menores e têm menos segurança no emprego do que os homens – que estão sacrificando suas carreiras”, conclui o estudo. Em alguns países, as mulheres trabalham até 11 vezes mais que os homens no cuidado de parentes e vizinhos, sem remuneração. Os homens também enfrentam dificuldades. Um estudo realizado pela ONU Mulheres e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que, em 55 países de renda alta e média, cerca de 29 milhões de homens perderam ou deixaram seus empregos entre o quarto trimestre do ano passado e o segundo trimestre de 2020. Essa é mais ou menos a mesma quantidade de mulheres que perderam ou deixaram seus empregos e, dado que há menos mulheres do que homens na força de trabalho como um todo, o impacto é maior. A preocupação da ONU neste momento é que muitas dessas mulheres possam simplesmente não conseguir mais voltar a trabalhar, em especial nas regiões atingidas pela covid-19 de forma mais dura, como a América Latina, onde o estudo constatou que 83 milhões de mulheres estão fora da força de trabalho, em comparação com 66 milhões antes da pandemia. Os EUA enfrentam problemas semelhantes. Muitos empregos perdidos foram no setor de serviços, como varejo e serviços de alimentação e cuidados pessoais, que têm forte concentração de trabalhadoras e são particularmente vulneráveis aos efeitos de quarentenas e de outras medidas de distanciamento social. O Departamento do Trabalho dos EUA constatou que o número de mulheres com idade entre 25 e 54 anos que participam da força de trabalho caiu de 77%, em janeiro, para 74%em maio. Em muitos países, as mulheres se veem obrigadas a assumir uma parte cada vez maior dos cuidados com os filhos e das tarefas domésticas, mesmo quando seus parceiros também trabalham em casa. A diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, disse no início desta semana que as mulheres precisam estar no centro das discussões quando os governos voltam sua atenção para a recuperação do impacto econômico e social da covid-19. “A pandemia já ameaça eliminar décadas de avanço na igualdade de gênero e no empoderamento das mulheres”, afirmou ela. “Em 2030, pode haver 121 mulheres na pobreza para cada 100 homens pobres em todo o mundo, e as mais afetadas serão as mulheres jovens entre 25 e 34 anos – a idade em que muitas formam uma família.” Alguns países deram os primeiros passos para ajudar as mulheres a superar o pior do que alguns economistas chamam de recessão cor-de-rosa. A Austrália e a Costa Rica tomaram medidas para ajudar a garantir que os serviços de creche permanecessem abertos durante as quarentenas. Egito, Geórgia e Marrocos deram adiantamentos em dinheiro para mulheres comerciantes e empresárias, enquanto líderes europeus se concentraram em manter as escolas abertas neste fim de ano, mesmo quando isso significou fechar outras partes de suas economias à medida que o número de casos de covid-19 voltou a crescer. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi um dos muitos a alertar para o fardo econômico imposto aos pais que precisam ficar em casa para cuidar dos filhos se as escolas não fossem abertas depois do verão. “Manter nossas escolas fechadas por um momento a mais do que o absolutamente necessário é socialmente intolerável, economicamente insustentável e moralmente indefensável”, disse ele em agosto. Mlambo-Ngcuka tem instado os governos a fazerem mais conforme tentam reconstruir suas economias e, desta vez, garantirem que as mulheres possam competir em pé de igualdade com os homens, ao providenciar mais creches e outros tipos de apoio. VALOR ECONÔMICO

‘Caged mostra que recuperação começou, apesar de todos os problemas’

A geração líquida de quase 400 mil postos formais de trabalho em outubro é uma recuperação vigorosa do emprego, sustentável e reflete a retomada que houve em vários setores da economia, segundo Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP e pesquisador da Fipe. Apesar dessa melhora, ele lembra que 20 milhões de brasileiros perderam trabalho formal e informal por conta da pandemia e o saldo positivo de vagas com carteira assinada dos últimos meses é ainda insuficiente para resolver o problema. “O filme da ocupação está muito ruim, mas o retrato hoje está muito bom. E o filme tende a melhorar daqui para frente.” A seguir trechos da entrevista. Como o sr. avalia o resultado do Caged de outubro, com a abertura líquida de 394 mil postos com carteira assinada?É uma notícia animadora mesmo. Não chega a ser uma novidade porque em setembro o Caged já tinha fechado com um saldo positivo de 314 mil vagas. Em termos mensais, poucas vezes chegamos a essa marca. De onde vem esse resultado?As últimas pesquisas do IBGE mostram que comércio, indústria e serviços estão positivos e o emprego está refletindo essa reviravolta. Acho que uma parte é sazonal, pois no fim do ano o emprego cresce. Tanto a indústria está produzindo para o final do ano como o comércio e os serviços estão contratando para o final do ano. Com a pandemia e o lockdown, todo mundo ficou em casa e houve queda repentina no consumo: as lojas pararam de vender, as fábricas pararam de produzir. A queda na atividade foi um baque enorme. As previsões eram de uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) entre 9% e 10%. Mas a coisa começou a voltar: as pessoas passaram a consumir e as empresas começaram a correr atrás para atender a demanda. Daí, houve um crescimento dos dois lados. Por isso, o emprego cresceu rapidamente. É algo surpreendente, ninguém esperava uma recuperação com esse vigor. Os trabalhadores temporários entram nesse saldo?Sim, são contratados com carteira assinada. Quanto desse saldo é trabalhador temporário e efetivo?A indústria e a construção civil contrataram muito em outubro. E a indústria não contrata temporários. Quem contrata temporários é o comércio e não se trata de uma parcela tão grande. É recuperação de emprego mesmo. A contratação nos serviços também aumentou muito. Essa recuperação do emprego é sustentável?A parte dos temporários, é claro, vamos perder. Mas as empresas estão contratando não só temporários. A decisão de contratar é uma decisão tardia. O empresário antes de contratar espera um tempo para saber se a demanda se sustenta mesmo. Se ele decidiu contratar, é porque está convencido de que vai vender. A minha expectativa é que, fora a sazonalidade da perda do emprego em dezembro, essa coisa vai se sustentar no começo do ano que vem. Não vamos ter um saldo de 400 mil novos empregos em janeiro, mas não vamos ter gente sendo demitida. Além de os empresários estarem contratando porque sentiram que as vendas estão firmes, quem entrou na suspensão do contrato de trabalho e na redução de jornada e salário tem garantia de emprego. Esses trabalhadores não serão demitidos. Estamos projetando a manutenção do emprego para os meses iniciais do ano que vem. Tudo indica que é uma recuperação com alguma sustentação. Qual é a tendência do emprego como um todo, já que há muitos informais que estão fora do mercado?O último dado do IBGE que pega o trabalhador formal e o informal mostra que ambos estavam crescendo a ocupação na Pnad (a pesquisa sobre mercado de trabalho do IBGE). O que vai acontecer daqui para frente é algo meio paradoxal, mas que é fácil de entender. Tivemos um deslocamento enorme de pessoas para fora do mercado de trabalho. Muitos trabalhadores formais foram desligados e muitos informais, os ambulantes, perderam mercado. Esse povo foi para casa e não aparece na estatística da desocupação porque não está procurando emprego. Agora, como eles estão vendo essa melhora, vão voltar ao mercado. Por isso, a ocupação vai crescer, porque as empresas estão contratando. E a taxa de desocupação também vai crescer porque muita gente estará voltando a procurar emprego. A questão é que a oferta de vagas será num volume menor do que a quantidade de pessoas que precisam de trabalho. Na pandemia, tivemos um crescimento de 20 milhões de pessoas não ocupadas. Destas, metade está procurando emprego e a outra metade quieta em casa. Quando se olha para o Caged e se vê que as contratações líquidas foram de 400 mil em outubro, se tem a dimensão de quantas vagas são necessárias ainda. Precisamos arrumar trabalho para esses 20 milhões de desocupados. Então, o cenário é favorável ou não para a ocupação?O filme da ocupação está muito ruim, mas o retrato hoje está muito bom. E o filme tende a melhorar daqui para frente. Mas vai melhorar mesmo com o fim do auxílio emergencial, com a incerteza do quadro fiscal e o risco de uma segunda onda de covid?Apesar de tudo, foram contratadas 400 mil pessoas em outubro. Isso está mostrando uma energia, um vigor latente na economia. Precisa acontecer uma coisa muito ruim, uma tripla tempestade perfeita para desmanchar esse movimento que começou. Claro que temos problemas, mas a recuperação começou, apesar de todos os problemas que temos. Com esse resultado do Caged são zeradas as perdas que houve com a pandemia?De janeiro a outubro, estamos no vermelho com 171 mil postos. Na pandemia, de março a outubro, estamos devendo 511 mil vagas. Esse saldo negativo da pandemia vai se reduzir bastante com o resultado de novembro, que provavelmente será muito bom, e ficar muito próximo de zero. Mas o ano fecha no negativo porque em dezembro geralmente há mais demissões do que contratações. É um movimento sazonal que não tem a ver com a pandemia. Teremos perdas no fechamento do ano, mas muito menor do que imaginamos. O ESTADO DE S. PAULO

Brasil tem desemprego recorde de 14,6% no terceiro trimestre, aponta IBGE

A taxa de desemprego atingiu 14,6% no terceiro trimestre do ano ante 13,3% no segundo trimestre, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira, 27. Essa é a maior taxa registrada na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012, e indica que o País tem 14,1 milhões de pessoas sem trabalho – de um trimestre para o outro, mais 1,3 milhão de brasileiros ficaram desempregados. O desemprego subiu em dez Estados e ficou estável nos demais. As maiores taxas foram registradas na Bahia (20,7%), em Sergipe (20,3%) e em Alagoas (20,0%). A menor foi registrada em Santa Catarina (6,6%). O desemprego atingiu o recorde de 17,9% no Nordeste, a maior taxa entre as regiões. O Sul teve a menor: 9,4%. Segundo a analista da pesquisa, Adriana Beringuy, o aumento na taxa de desemprego reflete a flexibilização das medidas de isolamento social para controle da pandemia de covid-19. “Houve maior pressão sobre o mercado de trabalho no terceiro trimestre. Em abril e maio, as medidas de distanciamento social ainda influenciavam a decisão das pessoas de não procurarem trabalho. Com o relaxamento dessas medidas, começamos a perceber um maior contingente de pessoas em busca de uma ocupação”, explica. O contingente de ocupados caiu 1,1% na comparação com o segundo trimestre, totalizando 82,5 milhões de pessoas, o menor patamar da série. Com isso, o nível de ocupação foi de 47,1%, também o menor da série. Desde o trimestre encerrado em maio, o nível de ocupação está abaixo de 50%, o que aponta que menos da metade da população em idade para trabalhar está ocupada no País. Segundo a analista todas as categorias tiveram perda no total de ocupação, sendo que o número de pessoas com carteira assinada caiu 2,6% no terceiro trimestre frente ao anterior, com perda de 788 mil postos e totalizando 29,4 milhões de empregados com carteira assinada no País. A taxa de informalidade foi de 38,4% no trimestre encerrado em setembro, o que equivale a 31,6 milhões de pessoas sem carteira assinada (empregados do setor privado ou trabalhadores domésticos), sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria) ou trabalhadores sem remuneração. No trimestre anterior, esse porcentual foi 36,9%. Resultado positivo só na construção e na agriculturaApenas as atividades de construção e agricultura tiveram crescimento da população ocupada no terceiro trimestre. Na construção, o aumento foi de 7,5%, o que representa 399 mil pessoas a mais trabalhando no setor. Na agricultura, a alta foi de 3,8%, com mais 304 mil trabalhadores. “A atividade da construção foi a que mais aumentou no período. Isso porque pedreiros ou outros trabalhadores por conta própria, que tinham se afastado do mercado em função do distanciamento social, retornaram no terceiro trimestre com a reabertura das atividades e a demanda por pequenas obras, como reformas de imóveis”, explica Adriana Beringuy. A analista da pesquisa acrescenta que, na agricultura, a alta na ocupação pode estar relacionada à sazonalidade do cultivo. “A agricultura, de modo geral, tem ritmo diferente das demais atividades. Além disso, o setor sofreu menos os efeitos da pandemia, pois é uma atividade que se situa no campo, onde o impacto do distanciamento social foi menor do que na cidade.” O ESTADO DE S. PAULO

Congresso quer Refis para negociação de dívidas geradas com a pandemia

A pandemia aumentou a pressão por um Refis da covid-19, com parcelamento de débitos das dívidas de empresas e pessoas físicas, que cresceu com a volta do pagamento dos impostos que tinham sido suspensos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu encaminhamento a projeto de lei que cria o Programa Extraordinário de Regularização Tributária durante a pandemia. Desde maio, o projeto estava esperando o despacho de Maia para seguir a tramitação nas comissões na Câmara. O novo Refis foi apresentado pelo deputado Ricardo Guidi (PSD-SC). Já há requerimentos para votação da urgência (ou seja, furar a fila para apreciação no plenário). Guidi defende sua proposta de lei como exemplo de medida fiscal adotada internacionalmente, em razão da pandemia, em especial por países como Estados Unidos, China, Japão, Coréia do Sul, Reino Unido, Itália, Alemanha e França. Com a volta da cobrança dos impostos, os contribuintes precisam pagar no mesmo mês duas vezes o mesmo imposto: o valor que estava suspenso e o do mês corrente. Na área técnica do Ministério da Economia, no entanto, há uma avaliação de que quanto mais Refis são abertos, um número maior de contribuintes deixa de pagar regularmente os tributos. Números apresentados pelo Tesouro Nacional mostram que o governo tem a expectativa de recuperar apenas 18% (ou R$ 441 bilhões) do total da dívida ativa acumulada pela União nos últimos anos – a maior parte de impostos e contribuições ao INSS. Quase R$ 2 trilhões da dívida ativa já são considerados como perdidos. É o chamado ralo tributário, que na prática retira recursos do Orçamento. Os números foram incluídos em relatório sobre os riscos fiscais do governo divulgado ontem pelo Tesouro. Para o Ministério da Economia, o alto valor reforça a necessidade de avançar na reforma tributária para simplificar a tributação e diminuir as brigas na Justiça entre o Fisco e os contribuintes. Ainda de acordo com os dados do Tesouro, o valor do estoque de ações judiciais contra a União aumentou 324% de 2014 até junho de 2020, passando de R$ 560 bilhões para R$ 2,37 trilhões, sendo 66% de perda possível e 34% de perda provável, com elevada concentração de ações de natureza tributária (inclusive previdenciária). A realização de despesas anuais decorrentes de perdas judiciais tem acompanhado este movimento ascendente: enquanto em 2014 esse gasto foi de R$ 19,8 bilhões, para 2020 a estimativa chega a R$ 54 bilhões. DefesaPara o ex-secretário-adjunto da Receita Federal Paulo Ricardo Cardoso, neste momento de forte crise econômica a possibilidade de negociação das dívidas tributárias poderia salvar empregos e empresas, e um novo parcelamento poderia se justificar “diferentemente dos Refis do passado, que não tinham fundamentos econômicos”. “Nunca tivemos crises tão fortes no passado quanto esta que justificassem aqueles Refis”, afirmou. O ex-secretário defende a adoção de mecanismo para favorecer os bons contribuintes, que só não se manteriam de forma regular por não terem atividade econômica e disponibilidade financeira, resultado do forte recuo da atividade econômica principalmente no 1.º semestre. “Em geral, a dívida que não é paga, que é rolada a cada Refis, não é dos bons contribuintes, mas dos devedores contumazes”, diz O tributarista Luiz Bichara, da Bichara Advogados, avalia como difícil a aprovação este ano do projeto, que tem de tramitar ainda nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Tributação. “Acredito que depende também do sucesso da transação tributária. Se vingar, diminui a pressão por Refis”, avalia Bichara. Para ele, a transação está evoluindo bem, com uma postura elogiável da Fazenda Nacional no sentido de resolver a situação concreta dos contribuintes, reconhecendo o momento peculiar de crise aguda. A transação é uma espécie de “Refis caso a caso” e permite descontos nas dívidas em atraso de até 70% para as empresas e 50% para pessoas físicas. Para Bichara, não basta debater só a reforma tributária, mas sim métodos melhores de cobrança. “Sabe qual o índice de recuperabilidade dos últimos anos? 1%”, aponta. Na sua avaliação, o governo federal deveria tratar os créditos que ele próprio considera como irrecuperáveis como as empresas tratam seus créditos podres. “Por que não vende, então? Faz um leilão. Se conseguir 10%, dá quase a arrecadação gerada com a repatriação”, sugere. O ESTADO DE S. PAULO