Taxação sobre dividendos entre empresas deve cair

A cobrança de Imposto de Renda na distribuição de dividendos entre empresas tem grande chance de cair do texto da reforma do Imposto de Renda ou ao menos passar por ajustes, segundo apurou o Valor. A medida é polêmica e tem deixado as companhias, sobretudo as organizadas em formato de holding, como no setor de construção, muito preocupadas. Uma das críticas levantadas pelos especialistas é a possibilidade de acumulação de créditos tributários nas companhias organizadas como holdings (na qual várias empresas estão dentro de uma organização maior). Outra é o risco de bitributação. Em suas recentes conversas com empresários, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ouviu várias reclamações sobre isso e sinalizou que deve modificar esse capítulo da reforma.

O problema é que a proposta do governo prevê a incidência de 20% de IR na distribuição de dividendos em todas as situações, inclusive quando há distribuição entre empresas e não somente quando vai para os acionistas pessoas físicas (PF). Esse tributo recolhido no repasse intra-companhias torna-se um crédito que poderá ser aproveitado (descontado) do imposto que incidirá quando finalmente a holding distribuir seu lucro para as PF.A leitura dos especialistas é que as empresas não conseguirão aproveitar todo esse crédito porque o valor de dividendos paraos sócios PF tende a ser menor do que o distribuído dentro da holding. Além disso, em geral, o volume distribuído dedividendos é menor do que todo o lucro obtido pela holding, dificultando o aproveitamento do crédito. Outra hipótese deacumulação de crédito é no caso de a companhia demorar para transferir lucro às PF, quando há, por exemplo, reinvestimento do lucro da holding.

“Uma parte do lucro vai ficar represado a título de imposto nas holdings”, avalia Elizabeth Libertucci, especialista e sócia do escritório de mesmo nome. “É muito crédito que será gerado se houver tributação sobre dividendo [entre empresas]. A base de cálculo sobre o dividendo distribuído é muito menor do que sobre o lucro gerado”, explicou. Ela aponta uma série de problemas na proposta do governo e destaca que hoje, na prática, o acionista é tributado quando o governo retém o IRPJ/CSLL de 34%, já que essa alíquota é maior do que a praticada no mundo. No entendimento dela, o formato atual é como se o governo antecipasse o tributo sobre o dividendo do acionista, na origem do recurso, ao taxar o lucro com IRPJ/CSLL maior do que a média internacional. E que a mudança proposta com os dividendos, na prática, significa a Receita adiar esse recolhimento. Para Elizabeth, as alíquotas também estão mal calibradas e no final, se não tiver ajustes haverá aumento de carga. Também crítico da proposta, o ex-secretário especial da Receita, Marcos Cintra, concorda que deve haver acumulação de créditos tributários no desenho proposto. Ele lembra que setores como o de construção estão estruturados em diversas Sociedades de Propósitos Específico (SPE), que transferem os recursos para suas holdings.

“Quando a empresa fonte distribui o recurso para a holding, ela será obrigada a reter o imposto. E ele só poderá ser abatido quando chegar na pessoa física. Mas parte desse dinheiro não será distribuída, será investido”, disse Cintra. “É o efeito ‘lock in’, o dinheiro fica preso lá dentro e não pode aproveitar porque não poderá usar o crédito para outros impostos. São coisas que não pensaram [na Economia]”. Para Alessandro Borges, tributarista do Benício Advogados, o texto do governo cria uma tributação “em cascata”. “Eu posso ter duas ou três incidências de tributação de IR sobre dividendos, em cada fase vai sendo comido o valor. Da forma como está (o Leia mais: Proposta de “fim do ágio” poderá gerar novas discussões judiciais · texto do PL) muitos conglomerados empresariais terão que se desaparelhar, quebrar a cadeia societária e diminuir esse caminho [que os dividendos fazem]”, disse.

Ele aponta que isso interessa à fiscalização da Receita. “Agora a Receita simplifica a vida dela, mata dois coelhos com uma cajadada só, tributa e elimina uma estrutura que ela não gosta”, afirmou. André Gomes, sócio da área de tributário do escritório Souto Correa, aponta que o desenho é muito nocivo porque não há livre compensação do crédito gerado. “Deveria haver outra forma de compensar os valores, alguma forma de aproveitar o tributo que fica represado. A subsidiária pode fazer a compensação, mas só do que ela perpetuar na sua distribuição de dividendos. É um modelo muito fechado. Já existe uma forma de compensação na proposta mas não é perfeita e desestimula estruturas mais sofisticadas”, disse. A alternativa, diz, será a simplificação de suas estruturas.

Alamy Candido, sócio de escritório de mesmo nome, vai na mesma direção e diz que, se a ideia é trabalhar com crédito tributário, deveria ser permitido se compensar com qualquer tributo. “A ideia do crédito funciona bem, mas se a empresa reinveste, ela deveria poder compensar com outros tributos. Sem isso pode gerar acumulação”, afirmou. Procurada pela reportagem para comentar as críticas sobre a possibilidade de acumulação de créditos, a Receita Federal se limitou a dizer: “A tributação intra-grupo é flexibilizada pelo crédito que é concedido. É importante destacar que o crédito não tem prazo para ser usufruído. Assim, a holding poderá utilizá-lo nos períodos futuros, quando realizar a distribuição dos dividendos”.

O relator do projeto de reforma do IR, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), disse ao Valor que, mesmo com a criação de um grupo de trabalho entre Economia e empresários, ele deve apresentar um relatório preliminar com diversos ajustes no texto original. Segundo ele, seu texto deve gerar redução de carga tributária e retirar uma série de medidas que a Receita colocou para tentar vedar planejamento tributário pelas empresas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também disse que muita coisa da Receita será retirada.

VALOR ECONÔMICO

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