Está em julgamento, no plenário virtual do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um processo que pode garantir a uma empresa do Rio de Janeiro o direito de parcelar as suas dívidas de ICMS por mais de dois mil anos. Esse caso envolve a F’NA E-Ouro Gestão de Franchising e Negócios, que atuava na distribuição de bebidas para a Cervejaria Petrópolis, a fabricante da cerveja Itaipava.
O valor histórico da dívida, sem atualização, é de R$ 1,2 bilhão. A empresa tenta ser enquadrada em um programa especial de pagamento de dívidas tributárias que foi criado pelo Estado no ano de 2015 e previa parcelas mensais mínimas de 2% do faturamento bruto das companhias que fizessem a adesão.
A F’NA E-Ouro pede aos ministros para que tenha o direito de pagar os 2%. Se atendida, desembolsará cerca de R$ 300 mil por mês, o que, incluídos os juros que são cobrados mês a mês, estenderia o pagamento por 2.097 anos e sete meses e meio, segundo os cálculos da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Por essa projeção, a dívida só seria quitada no ano 4105. Se levada em conta a correção desses valores, afirma o Estado, a conta se torna infinita. Não há uma projeção para o fim da dívida.
Esse caso está sendo decidido pela 1ª Turma. O julgamento teve início ontem e se estenderá até a próxima segunda-feira. Não é possível acompanhar os votos em tempo real – como ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF). Há um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que as regras de funcionamento das sessões virtuais sejam modificadas.
A previsão do presidente do STJ, ministro Humberto Martins, é de que esse tema seja submetido à votação do Pleno no dia 10. Por enquanto, então, é preciso esperar o fim do prazo e a divulgação do resultado final. A PGE apresentou pedido para que o processo seja deslocado do julgamento virtual para a sessão que ocorre por meio de videoconferência, mas até ontem não havia resposta. Os julgamentos por videoconferência são transmitidos ao vivo pelo canal do STJ no YouTube e os advogados das partes podem participar das sessões. O que se tem até agora sobre esse processo, no STJ, é uma decisão monocrática do relator, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Sozinho, no dia 6 de setembro, ele decidiu a favor da empresa, permitindo o parcelamento da dívida “a perder de vista”
Napoleão fez uma análise das normas do Rio de Janeiro que tratam do programa especial de pagamento das dívidas tributárias em discussão. Esse parcelamento foi criado em 2015 pela Lei nº 7.116. É esta norma que estabelece a parcela mínima de 2% do faturamento bruto das empresas.
No ano de 2016, no entanto, foi editada a Resolução Conjunta nº 199, assinada pela PGE e pela Secretaria de Fazenda, regulamentando a lei. Essa segunda norma previu algumas condições adicionais ao parcelamento. Uma delas é de que os valores pagos mensalmente pelos contribuintes têm de ser suficientes para promover a amortização da dívida, ou seja, poderiam ser maiores que 2% da receita.
O ministro Napoleão, na decisão monocrática, entendeu que essa resolução, por estabelecer parâmetros mais rigorosos, teria extrapolado o que consta na norma legal, o que, na sua visão, não seria permitido. “Introduziu obstáculo à adesão ao programa instituído para regularização da situação fiscal dos contribuintes frente ao Estado do Rio de Janeiro não veiculado pela Lei Fluminense 7.116/2015”, afirma na decisão. A PGE sustenta, no processo, que a resolução não institui uma nova regra, mas somente esclarece a necessidade de previsão da duração do parcelamento. “A empresa sustenta uma tese descabida de que teria direito a um parcelamento que jamais quitaria a sua dívida”, diz Bruno Dubeux, procurador-geral do Estado do Rio de Janeiro.
Ele acrescenta que a Lei nº 7.116 estabelece os 2% como contribuição mínima por parte do contribuinte, não máxima. “É uma previsão mínima, como garantia à Fazenda, para que não recebesse uma parcela ínfima. Não significa, em hipótese alguma, que a empresa tivesse direito adquirido a pagar apenas 2% sobre a sua receita bruta.” A PGE afirma, no processo, que o faturamento da empresa “foi reduzido drasticamente”, em 94,6%, “às vésperas da adesão ao benefício”. Sustenta que ela foi excluída do parcelamento por razões posteriores, pois descumpriu regra de permanência no programa.
A empresa sofreu uma nova autuação, de R$ 1 bilhão, o que a impediria de continuar no programa. Essa exclusão é objeto de um outro recurso que também está nas mãos do ministro Napoleão e tem decisão monocrática favorável à empresa. O relator pode manter ou mudar o seu voto no julgamento colegiado. Além dele, outros quatro ministros que também compõem a 1ª Turma podem votar.
Procurado pelo Valor para comentar o caso, o advogado da F’NA não deu retorno. Já a Cervejaria Petrópolis afirma, em nota, não ter “qualquer vínculo societário e jurídico” com a empresa. A PGE entende, porém, que apesar de não fazerem parte do mesmo quadro societário, as duas empresas pertencem a um mesmo grupo econômico. Isto porque praticamente todas as operações da F’NA E-Ouro eram realizadas com a Cervejaria Petrópolis. Pela legislação estadual, afirmam os procuradores, quando há essa operação quase que exclusiva as companhias são consideradas desta forma. Para o órgão, a Petrópolis pode, inclusive, ser responsabilizada pela dívida da F’NA E-Ouro.
VALOR ECONÔMICO