Renda de servidor cresce o dobro que a de trabalhador privado

Em quase uma década, entre o primeiro trimestre de 2012 e o quarto trimestre de 2020, a renda média do trabalhador do setor público avançou 20,4% entre aqueles com carteira assinada e 13,1% entre os militares e servidores estatutários (com concurso público). No período, o aumento entre empregados do setor privado com carteira de trabalho foi bem inferior, de 7,1%. Com isso, cresceu a distância entre o rendimento dos setores público e privado. Os números são de levantamento da consultoria IDados, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e consideram a renda real, ou seja, já descontados os efeitos da inflação.

“A renda do setor público parte de um patamar superior no início da série histórica da pesquisa e ainda tem um crescimento maior no período entre 2012 e 2020. Com isso, aumenta a distância entre o rendimento médio do setor público e do setor privado, que já era grande”, afirma o pesquisador da Idados Bruno Ottoni. Especialistas destacam que há uma diferença histórica entre a remuneração dos setores público e privado, mas apontam que há disparidades entre os servidores, que variam especialmente entre os níveis de governo (federal, estadual e municipal) e os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Os funcionários federais são os que tendem a ter renda superior aos do setor privado, apontam, movimento que não necessariamente se repete entre os servidores estaduais e municipais. No quarto trimestre do ano passado, a renda média de militares e servidores estatutários (com concurso público) – que são a maioria no setor público, com 8,7 milhões de pessoas – era de R$ 4.482 (13,1% a mais que no início de 2012). O valor é 91,1% maior que a renda média do trabalhador com carteira assinada do setor privado, que recebia, no fim de 2020, R$ 2.345.

Já entre os empregados do setor público com carteira assinada, o rendimento médio era de R$ 4.137 no fim do ano passado (salto de 20,4% ante 2012), o que significa 76% a mais que o valor do setor privado. Esse grupo do setor público é formado principalmente por cargos comissionados ou funcionários em empresas públicas e tinha 1,194 milhão de pessoas no fim de 2020. A pesquisa considera renda média, ou seja, inclui quem tem renda mais elevada e também os de renda menor, com diferentes graus de formação. Ottoni pondera que isso é observado em todas categorias. “Há vantagem explícita do setor público em termos de renda real desde o início da série, puxada por características do setor, como correção monetária e ajustes automáticos dos salários, progressão de carreira garantida e maior estabilidade. Mudanças têm ocorrido, mas essas diferenças de renda permanecem”, diz Ottoni. Coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas e especialista em administração pública, Nelson Marconi afirma que os números médios mostram diferença de rendimento entre os setores público e privado, mas que, ao se desagregar entre os tipos de vínculo e os níveis de governo, fica claro que esse diferencial está concentrado entre os estatutários do governo federal.

“Realmente há um diferencial histórico dos salários entre o setor público e o privado, na média. Mas, quando se olham os dados desagregados de servidores estaduais e municipais, essa diferença de renda em relação ao setor privado não é tão grande. E mais da metade do contingente do setor público está nos municípios”, argumenta. Em seu estudo mais recente sobre o tema, “Gestão de pessoas no setor público brasileiro: o que os dados dizem?”, o Banco Mundial aponta que os reajustes salariais muito superiores à inflação foram o principal propulsor do crescimento da folha de pagamentos do setor público entre 2008 e 2018. Além disso, pondera que há uma alta dispersão salarial entre servidores, acentuando a desigualdade entre as carreiras, principalmente porque os reajustes não são iguais entre as distintas categorias. “De fato, é muito comum a comparação entre a renda do setor privado e do setor público, mas fazer uma única caracterização do setor público brasileiro não vai levar às melhores tomadas de decisão”, afirma Daniel Ortega Nieto, responsável pelo estudo.

Na comparação da renda dos trabalhadores do setor público com a dos empregados das melhores empresas do setor privado, considerando as mesmas características, como tipo de ocupação e gênero, explica ele, foi possível observar que o rendimento maior aparece entre os servidores federais, mas não nos municipais. Ortega defende que, diante da perspectiva de uma parcela grande de aposentadorias de servidores nos próximos anos, há uma “janela de oportunidades” para reformas administrativas. “Não é uma questão apenas fiscal, de ter mais ou menos servidores. É preciso uma gestão adequada de recursos humanos para que se atenda às demandas da população para prover melhores serviços públicos, dando condições para que servidores que trabalham bem sejam reconhecidos e valorizados”, argumenta.

VALOR ECONÔMICO

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