‘Não sobra alternativa a não ser lockdown’, diz vice-presidente do conselho do Grupo Boticário

Vacina é a solução para a crise sanitária e econômica, diz o sócio e vice-presidente do conselho de administração do Grupo Boticário, Artur Grynbaum. Mas, enquanto a imunização não chega a todos, um lockdown pode ser a única saída, acrescenta. “Como não tivemos um acompanhamento correto e não conseguimos aprender ao longo do ano, não está sobrando outra alternativa neste momento a não ser fazer um lockdown.”

Para o empresário, o lockdown é importante não só por impedir aglomerações, mas também pela mensagem que passa à população sobre a gravidade da pandemia. Ele destaca, porém, que é preciso haver uma fiscalização séria para garantir que a população não se reúna em outros locais que não estabelecimentos comerciais. “Dado que não temos as vacinas (em larga escala), o lockdown pode ser uma saída? Sim, desde que ele seja feito de forma correta pelas pessoas. Não adianta fechar os estabelecimentos, e a população se aglomerar em outros locais para se divertir.” Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Havia uma perspectiva de que seria mais fácil ter uma retomada neste ano, mas a segunda onda da pandemia deixou muita gente cética. O que vocês estão prevendo?
Vemos um ano bastante duro para o mundo e para o Brasil. Conseguimos fazer bastante coisa em 2020 e esperávamos que 2021 fosse um pouco mais tranquilo, apesar de que a gente tinha e continua tendo a consciência de que a solução só virá quando todo mundo estiver vacinado. Com essa nova frente acelerada do vírus, muda bastante o contexto. Neste momento, estamos com 45% das nossas lojas no Brasil fechadas. A outra parte está operando com alguma restrição. Não tem como dizer que isso não tem impacto. Tem também o impacto nas pessoas. A pessoa tem de estar no humor de comprar, precisa estar com alguma esperança. Então, acho que o ano vai ser bastante difícil e vai depender muito de quanto tempo a gente permanece sem ter uma visão clara do processo de vacinação.

Além da vacinação, o que pode ser feito para melhorar a situação da economia?
Eu diria, em primeiro lugar, vacina; em segundo lugar, vacina; e, em terceiro lugar, vacina. Mas também gostaria de ver as reformas, que precisam andar. Seria uma mostra de que estamos todos em busca de uma mesma direção, de um país que tem estabilidade de regras, preocupação com a questão fiscal e com o desenvolvimento de um ambiente com melhores condições de negócios. Um ambiente principalmente com confiança para que se possa voltar a investir. Participei de um encontro com o Paulo Guedes. Ele disse que via vacina e reformas (como saída para a crise). Concordo com ele. A gente tem de fazer isso não só pelos efeitos das reformas, mas pelo que elas podem representar. É uma questão de alinhamento da mensagem que temos de passar para a sociedade, de quão sério estamos tomando as coisas para ter um bom caminho para o Brasil.

Como vê o ritmo de vacinação e as medidas do governo para lidar com a pandemia até agora?
Faltaram algumas coisas. O mais notório é que faltou uma união dos poderes federal, estaduais e municipais para fazer uma ampla frente, não só de combate, mas também desse processo de vacinação. O que tenho visto em outros países é que, por mais que haja divergências do ponto de vista político, neste momento essas divergências ficam de fora e a união se dá para resolver a questão da pandemia da melhor forma. Tivemos e continuamos tendo uma perda de tempo bastante importante.

O País demorou a reagir?
Infelizmente, não fomos bem no planejamento, não fizemos a aquisição das vacinas no momento correto. Agora tem uma busca desenfreada para tentar comprá-las e todos temos esperança de que isso aconteça o mais rápido possível. Mas, com isso, tem todo um atropelo. Você vê uma diferença na velocidade de aplicação das vacinas entre os Estados. Tem também confusão porque tem gente dizendo que tem de guardar a segunda dose; outros dizem que não. Falta um alinhamento baseado em um critério único respaldado pela ciência.

Acha que um lockdown é necessário?
O primeiro ponto é que somos a favor da preservação das vidas. Em toda nossa atuação, desde o início da pandemia até agora, o primeiro item que trazemos é saúde e segurança das pessoas que estão conosco, dos nossos parceiros, dos nossos clientes e da sociedade como um todo. Essa é a primeira preocupação. Infelizmente, como não tivemos um acompanhamento correto e não conseguimos aprender ao longo do ano, não está sobrando outra alternativa neste momento a não ser fazer um lockdown. Impedir a circulação de pessoas é algo abrupto, mas funciona muito principalmente pela mensagem que passa. Infelizmente, tem pessoas que não estão nem aí em relação a tudo isso. É alarmante. Você anda por alguns locais e o pessoal não está preocupado com aglomeração. A gente continua vendo festas clandestinas. Isso é um absurdo, um egoísmo muito grande das pessoas, que não olham o papel que têm de desempenhar frente a uma crise desse tamanho.

Ou seja: é preciso frear isso.
Com muita dor, tenho de olhar para o lockdown e dizer que é a mensagem forte que talvez a população entenda. Por outro lado, sinto muita pena porque várias empresas – e falo do varejo – se prepararam com todos os requisitos referentes ao código de saúde: limpeza, ordenação de fila, número de pessoas. Houve um investimento muito grande. Todos nós estávamos preparados para continuar as atividades com toda a questão da saúde muito bem assegurada. Acho que a alternativa era ter um lockdown com um respeito maior por aqueles que contribuem com os protocolos de saúde e, por outro lado, uma fiscalização mais intensa naqueles que não estão seguindo. Se eu pudesse eleger, poderíamos ter um lockdown e mais aplicação das vacinas. Isso seria o suprassumo, como alguns outros países fizeram. Israel, por exemplo, adotou também o lockdown, vacinou e agora começa o início de uma vida normal. Dado que nós não temos as vacinas, o lockdown pode ser uma saída? Sim, desde que ele seja feito de forma correta pelas pessoas. Não adianta fechar os estabelecimentos, e a população se aglomerar em outros locais, para se divertir. E ninguém está falando de cerceamento de liberdade, mas tem de ter responsabilidade.

O sr. comentou que 45% das lojas do grupo estão fechadas. Como contornar à atividade?
Sempre fomos um grupo muito voltado à inovação, a querer estar sempre na vanguarda das experiências, dos produtos e dos serviços. Então, já trabalhamos há bastante tempo com a ‘omnicalidade’ (estratégia que combina canais de venda offline e online). Por mais que as lojas estejam fechadas, tem o mundo digital, onde temos contato por WhatsApp com diversos consumidores, ofertamos os produtos e atendemos os pedidos. Criamos ‘drive-thrus’, nos quais as pessoas encomendam os produtos nas lojas e passam para recolher. Temos também nossas consultoras de lojas que dão cupons, para que elas possam continuar sendo remuneradas (por vendas online). Ou seja, ampliamos (os canais). Já tínhamos uma evolução bastante importante na digitalização. Com a pandemia, tudo isso foi colocado em prática. Isso deu possibilidade para que as lojas, mesmo fechadas, pudessem continuar atendendo nossos consumidores.

Qual o futuro do varejo depois da pandemia?
Vínhamos numa marcha (de digitalização) e houve uma aceleração grande. Antes, muitas pessoas tinham receio de fazer compras pelo e-commerce. Se perguntavam se era seguro ou se podiam colocar o número do cartão de crédito na internet. Como essas pessoas ficaram sem opção para realizar uma compra, testaram o e-commerce e viram que é um excelente canal. Essa aceleração foi muito grande, mas deve retroceder um pouco depois. As pessoas gostam de ter a oferta dos diversos canais para consumir. Vão continuar fazendo compra pelo e-commerce, mas vão querer também ir à loja ou comprar do catálogo da revendedora. O e-commerce vai ter uma parcela maior do que se imaginava, mas com os outros canais também ainda importantes. A gente sempre precisa colocar o consumidor no centro e ele escolhe a forma como quer ser atendido. Isso vai do humor dele. Às vezes ele não quer conversa. Em outro momento, quer uma explicação bem detalhada do produto. As lojas passarão a ter um papel mais robusto. Antigamente, era basicamente fornecer, fazer a entrega do produto. Hoje, além de fazer isso, têm um papel muito forte em ser a representação oficial da marca. A loja passa a ser um grande ponto de confiança e também um ‘warehouse’ (entreposto), onde é feita a expedição dos produtos para atender o e-commerce. Isso minimiza o custo do frete e o tempo de atendimento.

Quanto tempo deve levar para o varejo voltar ao patamar pré-crise e como o ritmo da vacinação pode alterar isso?
Quando começou a pandemia, em março do ano passado, me perguntaram quando eu achava que íamos começar a sair disso, eu falei que seria na metade de 2021. As pessoas disseram que eu era muito pessimista. Infelizmente, acertei mais do que errei. Agora é muito difícil a gente precisar, vai depender da velocidade que ofereçam as vacinas. No ritmo em que estamos indo, esse processo deve ir até o fim do ano. É difícil prever o impacto, porque, passando por esse período crítico, vamos experimentar a reabertura e vamos ter de encontrar o ponto de equilíbrio. Tudo o que a gente não quer é que esse processo de abre e fecha se perpetue até o fim do ano. Se a gente conseguir fazer alguns movimentos, ter uma conscientização melhor, se as pessoas entenderem de fato o caos e passarem a se cuidar mais, acho que, com regras de funcionamento bastante disciplinadas, será possível que todos fiquem abertos. Será preciso pensar em um escalonamento das aberturas por regiões e como colocar o transporte público de uma maneira que não tenha tanto acúmulo. Vamos ter de ser bastante criativos na busca de soluções para não ficarmos restritos nos próximos meses.

O ESTADO DE S. PAULO

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