No primeiro trimestre deste ano o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo, o dos últimos anos da série encadeada do índice do PIB, publicada trimestralmente pelo IBGE, com a atualização desse índice. Ela teve início no primeiro trimestre de 1998, com ajuste sazonal e média de 1995 igual a 100.
Segundo essa série, o PIB do primeiro trimestre de 2021 apenas voltou a 171,6, o mesmo valor que tinha no quarto trimestre de 2019, concluindo a recuperação em V da recessão iniciada no primeiro trimestre de 2020, a da primeira onda da covid-19.
Num olhar ainda mais amplo, até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa que tem um formato mais achatado, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e a da covid-19. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), ainda não se verificou, e exigiria um aumento de 3,2% do PIB a partir do primeiro trimestre de 2021, taxa mais típica de uma variação anual.
Nesse contexto, a previsão do crescimento do PIB neste ano, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 4,85%. Não seria essa uma taxa excepcional e digna de comemoração? De fato, ela é excepcional, mas noutro sentido. Desse valor, 3,8% decorrem de que na comparação ano a ano, a base de comparação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, na mesma série mencionada inicialmente, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,5 no quarto trimestre de 2020. Se permanecesse aí e não crescesse nada em 2021, isso levaria a um aumento de 3,7% na comparação com 2020, quando o PIB caiu num buraco de 4,1%, com o qual o PIB de 2021 estaria sendo comparado. Tecnicamente isso é chamado de um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.
Como já visto, o mercado está prevendo um crescimento ainda maior, de 4,85%. Isso implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante 2021 o PIB cresça apenas mais 1,15% além dos 3,8%, ficando aproximadamente no mesmo nível em que veio no primeiro trimestre, ou seja, com crescimento de 1,2%. O título deste artigo está em sintonia com essa previsão.
Complicado? Pode ser para quem não aprecie o assunto, nem domine o conceito de PIB e sua métrica no tempo, mas será indispensável assimilar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo tente faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa vai revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas taxas e explicar por que a primeira será tão alta.
Quanto à variação do PIB no restante de 2021, não estou otimista, e torço para estar errado. O PIB do segundo semestre deverá ter menor desempenho que o do primeiro, pois não vai contar com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro, quando suas colheitas são mais fortes, e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não vejo condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro semestre, influenciada, entre outros fatores, pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. De forma correspondente, nota-se que as importações tiveram forte aumento no primeiro trimestre de 2021 relativamente ao último de 2020, a uma taxa de 7,7%. Ainda pelo lado da produção, o setor de serviços, o mais importante da economia, continua com fraco desempenho, cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre de 2021, e a indústria de transformação caiu 0,5% no mesmo período, sempre relativamente ao trimestre anterior.
Pelo lado da demanda, não se espera que o consumo das famílias e do governo, que teve desempenho negativo no primeiro trimestre, se recupere a ponto de ter impacto relevante no PIB, pois o governo não está em condições de fazer isso e o das famílias continua contido pelo distanciamento social e por uma vacinação muito lenta, num contexto também marcado por forte expansão do desemprego. Com tudo isso, o segundo trimestre de 2021 pode até mostrar um pequeno retrocesso, e lembro que cenários como esse podem mudar, em particular no segundo semestre do ano.
Em síntese, ainda em depressão, a economia segue muito doente. Falta-lhe até uma UTI para internação, pois nem o Executivo nem o Congresso parecem estar preocupados em formular e executar eficazmente um tratamento econômico que lhe dê maior dinamismo.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP. É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR