Distância não é problema: empresas aderem ao “trabalhe de qualquer lugar”

Com expedientes remotos acionados desde o início da pandemia, o mercado de trabalho acompanha agora a consolidação da tendência “trabalhe de qualquer lugar” (WFA, na sigla em inglês). O conceito indica que o profissional pode ser contratado ou mantido para atuar sempre de casa, sem a necessidade de frequentar o escritório. De acordo com especialistas e diretores de recursos humanos de grandes empresas, a novidade tem ampliado o leque de contratações a distância, em outros Estados e países; reduziu em até 40% a capacidade física de algumas lajes corporativas e acelerou os níveis de produtividade das equipes em cerca de 50%. A movimentação é confirmada no estudo “Demanda por talentos no cenário atual – 2021”, da consultoria de recursos humanos Robert Half, que indica que 95% dos executivos consideram que os times híbridos, com integrantes que atuam remotamente e no escritório em dias alternados, se tornarão cada vez mais comuns. Mais da metade (59%) dos entrevistados acreditam que os empregadores continuarão mais flexíveis este ano, em relação a locais e horários de trabalho e, diante da possibilidade de adotar novos modelos de expediente, 22% desejam continuar no home office, 70% optariam por jornadas mistas e apenas 8% querem voltar a bater cartão na firma.

A pesquisa ouviu mais de 1,5 mil líderes de áreas e executivos de organizações com 50 a mais de 500 funcionários, em sete países, inclusive o Brasil, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. “Por conta da expansão do teletrabalho, os profissionais se sentem mais confortáveis para se candidatar a vagas fora de suas cidades, ampliando possibilidades para candidatos e empregadores”, analisa Mário Custódio, diretor da área de recrutamento executivo da Robert Half. De abril a dezembro de 2020, 80% das colocações intermediadas pela consultoria no Brasil foram para posições 75% ou 100% remotas – em 2019, apenas 5% das demandas tinham esse perfil. Na WestRock Brasil, multinacional do setor de celulose, papel e papelão com 2,3 mil funcionários no país, 100% da área corporativa ou 290 pessoas que estavam em home office desde março de 2020 tiveram contratos de trabalho alterados para o modelo WFA a partir de março de 2021 – 25% do total têm cargos de liderança. As contratações já sob o novo formato começaram em janeiro e incluem profissionais de Minas Gerais e Santa Catarina, bem longe da sede da companhia, em Campinas (SP).

Um levantamento feito em outubro de 2020 com 260 colaboradores indicou que 70% deles preferiam migrar definitivamente para o WFA, mesmo depois do fim da pandemia, explica Heloísa Lopes, diretora de recursos humanos, saúde e segurança da WestRock Brasil. Com o estilo de produção repaginado, funcionários da fabricante que moravam no interior de São Paulo estão de mudança para outros Estados e cidades, como Santa Catarina e Santos (SP), enquanto a dança das cadeiras, sem a necessidade de troca de endereço, ganha velocidade. Uma executiva que residia no Sul foi convidada a integrar o time de sustentabilidade em Campinas, diz Heloísa. “O fato de não precisar se mudar foi decisivo para ela aceitar o convite”, afirma. Um dos contratos mais recentes cobertos pelo WFA na WestRock Brasil foi o do vice-presidente de operações de papelão ondulado, assinado há dois meses. Adriano Alvim de Oliveira, ex-diretor executivo de operações no Aché Laboratórios, reside em São Paulo e agora é responsável por quatro fábricas no interior do Estado, em Santa Catarina e no Ceará. “Ganhei em qualidade de vida”, diz. “Só de não ter que me deslocar faz toda a diferença.”

“Estamos aprendendo que é possível trabalhar de onde quiser, sem afetar a produtividade”, diz Heloisa. Cerca de 50% dos entrevistados que responderam à enquete da empresa afirmam que o volume das entregas aumentou fora dos escritórios. Além disso, o WFA permitiu considerar currículos de todo o Brasil nos processos seletivos do grupo. “Agora, não há barreiras geográficas para chegarmos até os profissionais.” A ampliação na busca de talentos fora de São Paulo também motivou a XP Inc. a dinamizar contratações com o carimbo WFA. Com 3,8 mil funcionários, o padrão foi disparado em junho de 2020, com o lançamento de um livro-cartilha para os colaboradores, batizado de #XPdeQualquerLugar. A partir daí, as admissões foram abertas a todo o Brasil e no exterior, lembra Lucas Aguiar, sócio e head de gente.

Somente no segundo semestre de 2020, a companhia efetivou 852 pessoas de capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Porto Alegre. Hoje, 92% dos funcionários estão a distância, diz. Há colaboradores em 130 cidades no Brasil, além de executivos que optaram por mudar de país ou foram contratados em locais como Canadá e Uruguai. Uma das aquisições mais recentes e estratégicas para o grupo financeiro foi a de José Berenguer, ex-CEO do JP Morgan no Brasil, para o mesmo posto, no Banco XP S.A. Aguiar diz que, para tirar do papel a operação “trabalhe de qualquer lugar”, foram realizados investimentos em mobiliário, máquinas e ajuda de custo. “Os funcionários podem escolher, de forma on-line, equipamentos, cadeira, mesa e luminárias, entregues em casa.” Há, ainda, uma contribuição anual de R$ 1,8 mil para despesas de luz e internet. “Depois da pandemia, vamos criar momentos para que, de tempos em tempos, os times se encontrem presencialmente na sede”, diz o executivo, sobre a nova unidade da XP, em construção em São Roque (SP). O onboarding (fase inicial de contratação) de novos colaboradores será presencial e todos passarão uma semana no local, afirma.

Na opinião de Edise Toreta, head de RH da Merck, com 1,2 mil funcionários no país, as novas modalidades de trabalho também têm desafios pela frente. Várias questões estão sendo revisadas pelas empresas, como alguns benefícios [vale transporte ou refeição], que provavelmente devem mudar para acompanhar esse movimento. A Merck lançou uma campanha que incentiva os colaboradores a ponderar melhor antes de agendar reuniões virtuais e listou dicas sobre como promover conversas mais produtivas. Do quadro da companhia, todos os colaboradores de serviços administrativos e de vendas, além de grupos de risco do setor operacional, estão em home office – 40% do total são elegíveis ao WAF. A política de home office já existia na Merck antes da pandemia, lembra a executiva de RH. Em janeiro de 2019, o número de dias remotos e de horários flexíveis foi estendido para todos os colaboradores. Nos próximos meses, segundo Edise, será adotada uma política ainda mais maleável, adaptada para cada tipo de função, em três categorias.

VALOR ECONÔMICO

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