É muito comum ouvirmos falar que a carga tributária no Brasil é alta para um país com nosso grau de desenvolvimento. Para avaliar tal afirmação, é importante entender como é contabilizada a carga tributária no Brasil.
A Receita Federal costuma publicar anualmente um estudo sobre a carga tributária no Brasil. Usualmente, o estudo sobre a carga tributária de um ano é publicado no final do ano seguinte, mas, como o estudo não foi publicado em 2020, o último dado disponível é relativo ao ano de 2018. Naquele ano, segundo a Receita Federal, a carga tributária brasileira foi de 33,3% do Produto Interno Bruto (PIB), valor próximo à média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,3% do PIB, mas bem superior ao dos países da América Latina e do Caribe (22,8% do PIB em 2017). Ou seja, o Brasil tem uma carga tributária semelhante à de países desenvolvidos, mas bem superior ao padrão dos países em desenvolvimento da América Latina.
A Receita Federal segue o padrão da OCDE, que exclui do cálculo os royalties de petróleo e de outros produtos minerais, que são considerados como receitas patrimoniais (decorrentes da venda de ativos da União). Essa opção leva a uma subestimação do efetivo potencial de financiamento dos gastos do setor público, que em alguns países com alta receita advinda de royalties pode ser relevante (caso, por exemplo, do México, cuja carga tributária em 2018, sem royalties, foi de 16,1% do PIB).
Por outro lado, os dados de carga tributária do Brasil incluem tributos que não constituem efetivamente receita do poder público. Esse é o caso, por exemplo, das contribuições para o Sistema S (0,3% do PIB), que são destinadas para instituições privadas. É o caso também da contribuição para o FGTS (1,8% do PIB), que é uma forma de poupança compulsória dos trabalhadores, e não uma receita disponível para financiar despesas do setor público. Ou seja, uma parte do diferencial entre a carga tributária do Brasil e a de outros países em desenvolvimento se deve à opção do nosso país por gerir, via arrecadação, recursos de terceiros.
Mesmo as contribuições para a previdência são, na prática, recursos de terceiros. De fato, tais contribuições são o custo do financiamento dos benefícios que serão recebidos pelos trabalhadores no futuro. Se as contribuições para a previdência forem atuarialmente equilibradas com os benefícios (ou seja, se pelo mesmo custo for possível adquirir um benefício semelhante numa previdência privada de baixo risco), então essas são, efetivamente, uma forma de poupança de seus beneficiários, ainda que gerida pelo setor público.
Fica em aberto a questão sobre se há equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios na previdência pública brasileira. Embora essa seja uma questão sujeita a debates, uma análise simplificada indica que, para uma taxa real de desconto de 3% ao ano, a contribuição necessária para financiar os benefícios da previdência brasileira seria próxima de 30% do salário, o que é um valor semelhante à soma das contribuições de empregados (de 8% a 11% do salário, em 2018) e dos empregadores (20%).
Considerando que as contribuições para a previdência no Brasil foram de 6,7% do PIB em 2018 (5,4% do PIB para o INSS e 1,3% do PIB para a previdência dos servidores públicos), esse é um ponto importante quando queremos comparar nossa carga tributária com países como o Chile, onde a previdência é basicamente privada. Obviamente, a carga tributária no Chile (21,1% do PIB em 2018) tende a ser mais baixa que no Brasil. Em boa medida, no entanto, essa diferença se deve ao modelo de financiamento da previdência.
Em suma, a carga tributária brasileira é, sim, alta para um país com nosso grau de desenvolvimento. Mas boa parte dessa elevada carga tributária deve-se a um regime de previdência pública bem mais generoso e abrangente que nos demais países em desenvolvimento, bem como ao fato de que, no Brasil, o governo arrecada, através de tributos, recursos que não pertencem ao setor público, e sim a terceiros.
O ESTADO DE S. PAULO