As projeções iniciais eram catastróficas. Tanto para 2020 quanto para 2021, estimativas indicavam que a dívida bruta brasileira chegaria a 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Conforme as previsões, esse nível de endividamento seria decorrência da queda de arrecadação provocada pela crise e do aumento dos gastos públicos feitos para amenizar os efeitos da pandemia de covid-19. O cenário mudou, e bancos e casas de análise, nas últimas semanas, passaram a rever para baixo o nível de endividamento do País – que, agora, está mais perto de 80% do PIB.
No ano passado, o endividamento já havia surpreendido não só porque o PIB brasileiro recuou menos do que o esperado (-4,1%, ante estimativas que chegaram a -9,1%) como também porque a economia internacional não sofreu tanto quanto se imaginava, sobretudo a chinesa, que importou em larga escala. O resultado disso – aliado a uma taxa de juros relativamente baixa – foi que a dívida do Brasil terminou 2020 em 89,3% – longe dos 102,3% que chegou a prever o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas, ainda assim, registrando uma alta de 15 pontos porcentuais na comparação com 2019.
Agora, a tendência é de que se repita o ocorrido no ano passado, com o endividamento surpreendendo positivamente. O Itaú Unibanco, por exemplo, foi um dos bancos que mudaram sua projeção recentemente, de 84,1% do PIB para 81,9% neste ano e de 84,5% para 81,6% em 2022. No Bradesco, a revisão para 2021 foi de 89,7% para 84,6% e, no Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, de 86,1% para 84%.
Uma parte dessas revisões foi feita porque o crescimento de 1,2% do PIB no primeiro trimestre foi superior ao estimado inicialmente pelos economistas. Um PIB mais elevado significa tanto uma arrecadação do governo maior quanto uma proporção dívida/PIB menor (mantendo a dívida constante).
Outro fator que fez os economistas reduzirem as projeções de endividamento foi o aumento da arrecadação do governo em um ritmo bastante superior ao do crescimento do PIB. “A arrecadação ligada ao lucro das empresas está muito forte. Está subindo mais de 40% ano contra ano”, diz o economista Pedro Schneider, do Itaú.
Segundo Schneider, entre as explicações para esse incremento está o fato de algumas empresas terem parado de recolher impostos no começo da pandemia por terem tido prejuízo e o atraso no pagamento das alíquotas devido a dificuldades de caixa. Agora, com a economia se recuperando, as companhias estão regularizando a situação.
Ainda de acordo com o economista, a receita total do governo (incluindo arrecadação com impostos, royalties, dividendos e concessões) em 2021 deve ser R$ 70 bilhões superior ao valor projetado inicialmente. No total, deverá alcançar R$ 1,759 trilhão – 4,2% a mais do que se esperava.
O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, lembra também que a alta na arrecadação pode estar relacionada à melhora no mercado de trabalho formal. Nos quatro primeiros meses do ano, o saldo no número de vagas foi de 957,9 mil. O economista destaca que uma arrecadação avançando a um ritmo maior do que o do PIB é uma situação típica em saídas de crise. “Nos processos recessivos, o lucro contrai. A empresa tem prejuízo fiscal. Quando a economia volta, o lucro contábil cresce rápido (e, consequentemente, o pagamento de impostos).”
Futuro
A prorrogação do auxílio emergencial por mais três meses não deve alterar o endividamento de forma significativa, na avaliação do economista Matheus Rosa Ribeiro, do Ibre/FGV. Isso porque o gasto atual do governo com a ajuda financeira tem ficado abaixo do esperado. Há, portanto, uma sobra orçamentária. A ela, deve ser adicionado um gasto de R$ 11 bilhões, que muda o cenário apenas “marginalmente”.
Na avaliação do economista Braulio Borges, da consultoria LCA, as condições para manter a sustentabilidade da dívida nos próximos anos são favoráveis. Apesar de o endividamento ser elevado, um crescimento da economia ao redor de 2,5% ao ano e uma taxa básica de juros em torno de 6,0% podem ajudar a garantir a solvência do País.
O ESTADO DE S. PAULO