A produção da indústria brasileira surpreendeu em dezembro, ao crescer 0,9% sobre novembro, feito o ajuste sazonal. A mediana das projeções dos economistas apontava recuo de 0,3%, expectativa influenciada pela queda do auxílio emergencial e pela alta da inflação no segundo semestre. Os oito meses de crescimento consecutivos até ali, contudo, não foram suficientes para eliminar as fortes perdas do início da pandemia e a indústria recuou 4,5% em 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o segundo ano seguido de queda – já havia recuado 1,1% em 2019 – e o pior desempenho desde 2016 (-6,4%).
Com a expansão de dezembro, a indústria acumulou alta de 41,8% em oito meses e eliminou a perda de 27,1% em março e abril, mas se mantém numa posição frágil, ainda mais quando se olha para dados de mais longo prazo.
O fraco desempenho em 2020 é o mais recente de uma trajetória de altos e baixos nos últimos 12 anos, com uma perda acumulada que chega a 16,5% entre 2009 e 2020. O período compreende 2009, influenciado pela crise global, a recessão brasileira entre 2014 e 2016 e, mais recentemente, o reflexo da pandemia. Considerando apenas 2019 e 2020, o recuo da indústria foi de 5,6%. Nos últimos dez anos, a maior taxa de crescimento foi em 2017: 2,5%. “A indústria vem com uma sequência de oito resultados positivos, com perfil disseminado, mas ainda tem espaço grande para se recuperar. Não é só da pandemia, vem de antes”, afirma o gerente da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, André Macedo.
Economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin classifica como bom o resultado do setor em dezembro. “Consolida a resiliência da indústria em um momento em que já havia diminuição de estímulos, como o auxílio emergencial.” O bom desempenho industrial do fim de 2020 colocou viés de alta nas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano. Mas é praticamente consenso entre os economistas que as incertezas devem nublar o cenário do setor industrial, e da atividade em geral, já neste primeiro trimestre de 2021. “[Uma revisão do PIB] Vai depender também dos resultados do varejo e dos serviços, mas, olhando apenas para a indústria, há viés de alta”, diz Luana Miranda, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Por enquanto, a instituição projeta crescimento do PIB de 1,9% sobre o terceiro trimestre, feito o ajuste sazonal. O instituto tem uma visão menos positiva para 2021. “O desempenho positivo no segundo semestre do ano passado não deve se traduzir em um início de 2021 melhor para a economia”, diz Luana, que aponta as incertezas em relação ao processo de vacinação contra a covid-19, a evolução da pandemia e seu impacto nos serviços.
Sobre a produção de dezembro, Luana chama atenção para o crescimento dos bens de capital, em especial agrícolas, para a construção civil, e embalagens, segmento muito demandado pelo e-commerce durante a pandemia. A produção de bens de capital cresceu 2,4% em dezembro sobre novembro e 35,4% sobre dezembro de 2019, melhor resultado entre as categorias econômicas. Outro fator que pode ter influenciado a expansão em dezembro foram os baixos estoques. Após a demanda aquecida no terceiro trimestre, a indústria viu o volume de produto armazenado nas mínimas e iniciou uma recomposição, movimento que ficou mais claro em dezembro, segundo o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores.
Normalmente, em novembro e dezembro a indústria tem uma produção sazonal mais baixa, com férias coletivas. Mas em 2020 o setor não diminuiu o ritmo, provavelmente por causa da paralisação de muitos segmentos no segundo trimestre do ano. Nishida também diz que o dado da indústria deixa um viés de alta para o PIB do quarto trimestre, que a LCA estima, por enquanto, com alta de 2,3% sobre o período de julho a setembro. Dezembro também deixa um forte carregamento estatístico, de 10%, para a produção industrial de 2021, que a LCA estima em alta de 7%. Lisandra Barbero, economista da XP Investimentos, não vê recuperação das perdas de 2020 neste ano. A projeção da casa é de aumento de 3,5% na produção. “Antes mesmo da pandemia, o setor industrial já enfrentava dificuldades para se recuperar por questões estruturais. Isso não vai mudar do dia para a noite. A recuperação será lenta”, diz.
VALOR ECONÔMICO