Tema de elevadíssima importância para a Justiça do Trabalho será objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento virtual está previsto para o período de 18.06.2021 a 25.06.2021: a inconstitucionalidade da alínea “f” e dos parágrafos 3o e 4o do artigo 702 da CLT.
Estes dispositivos foram incluídos pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) com o intuito exclusivo de criar uma série de regras específicas para a edição, revisão ou cancelamento de Súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho. O resultado do advento desta norma, até o momento da publicação deste estudo, é desastroso: o TST, desde 11.11.2017 (quando a Reforma entrou em vigor), simplesmente não conseguiu editar, revogar ou alterar qualquer entendimento jurisprudencial pacificado, engessando por completo a sua principal tarefa, a de pacificar, a nível nacional, a interpretação da lei trabalhista.
Com efeito, é dever de todo órgão do Poder Judiciário pacificar a sua jurisprudência, por meio da edição de Súmulas (síntese da reiteração de decisões sobre os mesmos casos). E, neste ponto, é de se ressaltar que o Direito do Trabalho, nos últimos anos, passou por incontáveis alterações, podendo-se dizer que mais de 200 dispositivos foram afetados recentemente.
Ocorre que a mesma lei que trouxe um elevado número de alterações nas regras aplicáveis aos contratos de emprego, ao mesmo tempo, fixou um procedimento tão rígido que a jurisprudência não consegue avançar, criando-se um paradoxo inegável: a pacificação em torno da interpretação e aplicação de mais de uma centena de novas regras não pode ser feita, causando um efeito adverso e maléfico para toda a sociedade, qual seja, a insegurança jurídica aos trabalhadores e empregadores, justamente o contrário do que se espera do Poder Judiciário, que é pacificação dos conflitos existentes.
Este paradoxo foi reconhecido pelo Vice-Procurador Geral da República, ao propor a ADI 6188, pugnando pela declaração de inconstitucionalidade do inciso I, alínea “f”, e dos parágrafos 3º e 4º do artigo 702 da CLT. Ao se impor regras tão rígidas para a criação, alteração, revisão ou cancelamento de Súmulas do TST, entendeu o Vice-Procurador Geral da República que o legislador afrontou, de forma direta e ostensiva, os princípios da separação de poderes e da independência dos Tribunais. Isso porque não é dado ao legislador o poder de interferir diretamente na atividade principal das cortes superiores – a pacificação da jurisprudência – criando obstáculos que efetivamente impedem o regular desempenho deste papel de vital importância em qualquer sociedade.
Além disso, este rígido regramento é inexistente nos outros ramos do Poder Judiciário, em especial, no Superior Tribunal de Justiça e, até mesmo, no próprio Supremo Tribunal Federal. Nestas Cortes, o procedimento para a criação, alteração, revisão ou cancelamento de sua jurisprudência é delimitado pelo seu respectivo regimento interno, como só pode ser, porque os Tribunais gozam de plena autonomia administrativa.
É indiscutível ainda a violação ao princípio da isonomia, já que tais restrições não existem em qualquer outro ramo do Poder Judiciário. A Justiça do Trabalho é inferiorizada, quando comparada a outros ramos, pois estes possuem plena e total autonomia para definir as bases de suas jurisprudências. É dizer: somente a Justiça do Trabalho deve seguir uma série de regras rígidas; os demais órgãos do Poder Judiciário, não. Ou seja, um absoluto descompasso com a regra constitucional de que o Poder Judiciário é uno e que sua divisão se dá apenas para facilitar a análise das matérias (o que se denomina de “competências”).
Por isso, é imperioso reconhecer que o artigo 702, inciso I, alínea “f”, e parágrafos 3º e 4º da CLT serviu apenas para institucionalizar um verdadeiro bloqueio legal e prático da atividade principal do TST de proceder à uniformização de sua jurisprudência com um mínimo de celeridade, abalando o núcleo essencial da independência do Poder Judiciário. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reconheça, para o bem de toda a sociedade, que o legislador ordinário não possui autorização constitucional para interferir na principal atribuição da Corte Superior Trabalhista. O contrário significará, no futuro, autorizar tamanha ingerência legislativa na própria função jurisdicional do STF.
*Marco Aurélio Marsiglia Treviso, juiz do Trabalho no TRT 3ª Região (MG) e diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
O ESTADO DE S. PAULO