Volto ao tema do meu artigo anterior, pois cabem mais esclarecimentos, e há novidades. Recorde-se que no dia 13 do mês passado o Supremo Tribunal Federal (STF) de novo decidiu quanto ao assunto, determinando que a restituição fosse para recolhimentos tributários a partir de 2017, quando foi tomada sua primeira decisão. O governo federal reivindicava que a restituição só contasse desde a última sentença, mas não teve sucesso.
No dia anterior à decisão recente, li no jornal Valor um importante artigo sobre o tema, do contador Eliseu Martins, ex-professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da USP, e que também trabalhou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e no Banco Central.
Martins abordou o tema sob a perspectiva de políticas públicas, com um olhar social, e perguntou: “… quem de fato pagou por esse tributo a maior durante todo esse período?”. E respondeu: “… não terá sido o consumidor?”. Não teriam sido as empresas “… apenas veículos dessa transferência … indevida do Tesouro para o consumidor … que de fato … suportou…” o ônus?
Acrescento que análises desse tipo distinguem as empresas, até mesmo as individuais, que recolhem um imposto ao governo, relativamente a quem efetivamente paga o ônus da tributação ao adquirir bens e serviços tributados com esse imposto, ou seja, os consumidores. Se estes arcariam com todo o ônus depende de algumas tecnicalidades.
Se o preço de um bem ou serviço subiu por conta de um imposto, a demanda por ele, e de seus componentes na cadeia produtiva, poderá diminuir e, assim, as empresas também teriam arcado com um pedaço do custo. Essa diminuição da demanda dependerá muito de sua elasticidade ou resposta relativamente aos preços, que será tanto mais forte quando mais houver produtos similares que substituam os que receberam tributação. Mas no caso essa tributação foi generalizada, o que reduz muito essa elasticidade. E ela é praticamente nula em alguns casos. Por exemplo, consumidores de serviços públicos de eletricidade, água e saneamento básico usualmente não têm alternativas, e arcam com todo o ônus de impostos indiretos, como os vários que incidem sobre o consumo desses serviços.
Um caso que implicitamente admite que os consumidores pagam a maior parte dos impostos indiretos é o da Lei 12.741, de 8/12/2012, conhecida como lei do imposto na nota. Ela estabelece que deverá constar nos documentos fiscais ou equivalentes a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda. E lista sete tributos que integram esse valor total, entre eles PIS-Cofins.
Não estou dizendo que todo o ônus seja do consumidor, pois o mercado brasileiro de bens e serviços é imenso e seria preciso examinar caso a caso. Mas me arrisco a dizer, com base na literatura que conheço sobre o assunto, que a transferência ao consumidor é o caso mais comum, e é menor na redução de impostos, abordada mais à frente.
Martins citou que a Aneel, a agência reguladora do setor de energia elétrica, “… deliberou descontar na tarifa dos consumidores o que as empresas de energia receberem”. Agora, algumas novidades. Depois do artigo dele, vi notícia no jornal O Popular, de Goiânia, no último dia 21, intitulada Enel Goiás vence ação bilionária e vai devolver dinheiro na fatura de consumidores. O jornal tratava da restituição do PIS-Cofins sobre o ICMS e Enel é a distribuidora local de eletricidade. Mas como fica o assunto para os consumidores de outros setores?
Outra novidade foi que na segunda-feira passada a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, publicou a Nota Técnica 48, de autoria de Felipe Salto, seu diretor executivo, na qual estimou o custo total da restituição em R$ 120,1 bilhões, abrangendo a parte relativa ao período 2017-2020, e também a correspondente a 2021. Esse valor é bem inferior a uma estimativa de R$ 280 bilhões que circulou antes da última decisão do STF, mas ainda assim é uma dinheirama, equivalente a cerca de quatro vezes o custo anual total do programa Bolsa Família!
E mais: citando artigo de Feria e Walpole publicado no British Tax Review 67/5 em 2020, a mesma nota técnica da IFI pondera que, dada a redução do PIS-Cofins definida pela decisão do STF, “… as reduções de impostos muitas vezes não são totalmente refletidas nos preços…”. Ou seja, além de a mesma decisão não beneficiar os consumidores, haverá a essa outra questão a esclarecer.
Usualmente os advogados defendem a ideia de que a restituição de impostos cabe a quem os recolheu, até porque isso gerará honorários nas causas em que atuaram com esse propósito. Já os consumidores, que são milhões e dispersos pelo país, até mesmo ignorando os impostos embutidos na tributação indireta, não têm defensores.
É o Brasil muito desigual, até na administração da justiça.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP. É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
O ESTADO DE S. PAULO