Recuperação desigual (Celso Ming)

É verdade que a recuperação da economia seguirá o ritmo da vacinação, mas isso não é tudo. Infelizmente, a recuperação será fortemente desigual e marcada pela vacinação desproporcional e pelas desigualdades espalhadas e agravadas pela pandemia do novo coronavírus. Isso vale para o mundo e também para o Brasil.

Primeiramente, o copo meio cheio. No geral, a situação econômica hoje, no mundo e no Brasil, é bem melhor do que há seis meses. Ninguém esperava no início da pandemia, em março de 2020, que tantos laboratórios conseguissem desenvolver vacinas eficazes em tão pouco tempo.

Dentro de mais alguns meses, mais de uma dezena de produtos deverão estar em oferta. Uma vez iniciado o processo de imunização, é de esperar que, dentro de mais algumas semanas, seu ritmo no mundo seja mais veloz.

Na área da política econômica, por toda a parte, Tesouros e bancos centrais despejaram volumes nunca vistos de recursos destinados a impedir a paralisação da máquina produtiva. As projeções dos organismos internacionais são de bom crescimento em 2021.

Mas há o copo meio vazio. A pandemia ganhou força, o vírus desenvolveu novas cepas de natureza ainda desconhecida. Os países ricos tiveram maior acesso às vacinas e os países mais pobres ficaram para trás.

Também por toda a parte, o setor público está mais endividado. O desemprego cresceu. A população pobre não só ficou mais pobre, mas está aumentando de tamanho. Pelos cálculos do Banco Mundial, até o fim deste ano, mais 150 milhões de pessoas serão empurradas para a extrema pobreza, apenas em consequência da pandemia.

Os países não desenvolvidos não conseguiram obter volumes equivalentes de recursos em suas economias. Sairão da crise mais endividados, mais enfraquecidos e, provavelmente, com mais instabilidade política. A princípio, é de interesse dos países industrializados contribuir para o controle da covid-19 nos países mais pobres para evitar novos epicentros, que podem desenvolver novas cepas e contaminar também a população dos países mais ricos. Também é do interesse deles ajudar a reforçar as economias dos países mais pobres, se não por outra razão, pelo menos para garantir mercado para seus produtos.

O que tem de ser perguntado é se a atuação dos grandes bancos centrais logo depois da pandemia não provocará novos danos às economias mais pobres.

O aumento da demanda global que se seguirá à recuperação liderada pela China tende a provocar inflação. A alta das commodities (petróleo, metais, minérios e alimentos) tem sido forte e vem aumentando os custos de produção e distribuição. A retomada aumentará a demanda e, com ela, o risco de inflação tende a aumentar.

Mais cedo ou mais tarde, os grandes bancos centrais terão de puxar pelos juros que hoje rondam os níveis negativos. Falta saber se, quando vier, esse inevitável estreitamento da liquidez não vai produzir mais fuga de capitais dos países pobres para os países ricos, com redução dos investimentos, como sempre acontece em situações assim.

E, outra vez, desequilíbrios na área econômica não ficam apenas aí. Descambam também para a área social e, sobretudo, política.

Quando foi criado, há 12 anos, o bitcoin valia frações de centavo de dólar. Nesta quarta-feira, cada bitcoin ultrapassou os US$ 52 mil. Depois que a montadora norte-americana Tesla informou que tem US$ 1,5 bilhão de suas reservas em bitcoins e que aceita receber pagamentos nessa criptomoeda, ficou difícil argumentar que se trata de bolha inflada por operações de lavagem de dinheiro.

O que se pode dizer é que o mercado tanto pode produzir uma disparada das cotações do bitcoin como pode transformá-lo em pó.

O ESTADO DE S. PAULO

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