Com o desgaste crescente e a falta de articulação para encaminhar a questão fiscal do país, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou de ser o fiel da balança do governo Jair Bolsonaro, segundo executivos de bancos e investidores institucionais ouvidos pelo Valor. A leitura é a de que uma eventual saída de Guedes já não representaria mais uma ruptura para o mercado, desde que seu substituto mostre comprometimento com uma agenda responsável para tirar o país do abismo e capacidade de execução. Gestores de recursos mostram não acreditar que o país conseguirá trilhar uma trajetória fiscal sustentável.
Ao procurar uma luz nas seguidas apresentações públicas do ministro da Economia nas últimas semanas, Carlos Woelz, sóciofundador da Kapitalo, disse não ter encontrado uma resposta positiva. “O ministro parece cego, não enxerga o que está acontecendo. A resposta foi negativa, com ele fazendo pouco das pessoas que tentam ser construtivas e contribuir para a conversa”, disse ao participar nesta semana de evento da plataforma de investimentos Vitreo com a Empiricus.
“Em vez de falar de cabotagem, tinha que falar da trajetória fiscal. Se a Fazenda não falar, ninguém vai falar, tem que ser explícito no plano, daí é possível entender qual a probabilidade de dar certo”, completou.
Os preços dos ativos brasileiros poderiam ser considerados atrativos se houvesse uma mudança de chave, na avaliação de Woelz. Para o gestor, o mercado está sujeito a ter ainda correções significativas na curva longa de juros se o Brasil não atacar os seus problemas. “E a magnitude do ajuste fiscal é de 2% a 3% do PIB, não é um ajuste absurdo. O problema é que o governo está falando em gastar mais.”
Sem coordenação para encaminhar alguma solução para as contas públicas, os prêmios nos mercados de juros e câmbio não parecem exagerados, disse Rogério Xavier, sócio-fundador da SPX Capital, no mesmo evento. Ele não vê consenso no conjunto de forças políticas para mudar a Constituição de forma a diminuir despesas obrigatórias. “Se estou carregado de títulos públicos e escuto a história de que o Brasil está à beira do precipício fiscal e não vejo o ministro tomar atitude para eu ficar tranquilo, que vou receber pelo meu ‘bond’ Toda a discussão não é para diminuir, mas para aumentar [gastos].”
Para Xavier, o ministro adotou uma postura em que basicamente esquece como são os ciclos políticos no Brasil, em que só se consegue fazer reformas efetivamente no primeiro ano quando chega com a popularidade em alta. “Estou muito cético de que vá encontrar uma solução para nosso problema fiscal porque não vejo vontade política nenhuma do Executivo de andar com essa agenda. A agenda política é para o outro lado, de fazer mais bondades.”
O gestor também disse ver uma falta de conexão entre as posições mais otimistas em bolsa e o mercado futuro com inflação projetada de 4,5% e taxas do FRA de cupom cambial (o juro em dólar) perto de 9%. Mesmo depois de toda desvalorização do real, Xavier não acha que a moeda esteja barata em termos reais, e diz que, se o termômetro do mercado de juros estiver correto, o câmbio vai ser a variável de ajuste. “Barato contra o quê? Dependendo do cenário pode estar caro. A minha visão de Brasil é que eu preciso mais de fatos concretos do que de palavras.”
Essa história de dizer que tudo depende do timing político e de que agora a bola está com o Congresso não funciona mais, segundo o economista-chefe de uma importante instituição financeira. “Não basta apresentar as reformas e deixá-las na mão dos congressistas. É preciso fazer um acompanhamento, negociar nos bastidores e, aparentemente, o Paulo Guedes não se envolve muito nessas questões ou, pelo menos, não consegue atingir os resultados esperados.”
A liderança ruidosa do presidente Jair Bolsonaro é outro fator que contribui para os elevados prêmios de risco exigidos pelos investidores, diz o gestor de uma asset carioca. Para ele, as brigas internas entre equipe econômica e ministros que defendem aumentar o investimento público ajudam a explicar o desconto dos ativo brasileiros em relação aos seus pares. O governo não parece mesmo engajado em buscar um consenso em relação à pauta fiscal, enquanto a prioridade do Legislativo tem sido a sucessão da presidência da Câmara dos Deputado, diz Pedro Dreux, sócio e gestor da Occam. “A efetividade na aprovação de reformas é muito baixa. Em parte pela falta de articulação do governo e em parte por essa falta de senso de urgência dos congressistas.”
Para o sócio-fundador da ACE Capital, Fabrício Taschetto, é difícil dizer se a insatisfação expressada nos preços dos ativos deve-se ao Guedes ou ao governo como um todo. “O presidente não tem demonstrado apoio à agenda de reformas, o ministério da Economia não entregou as reformas propostas e ainda vem falar em estender o auxílio emergencial.”
Com a percepção de que Guedes deixou de ser o fiador da política econômica, uma eventual substituição do ministro teria um efeito negativo de curta duração, diz um outro profissional. “Assumindo um nome bom, não vai ser um baque, não.” O impasse fiscal, de fato, já esgotou a paciência de todo o mundo, mas isso tem relação com os trâmites políticos no Congresso, não com a equipe econômica, diz Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Capital. “Se dependesse da equipe, já teria batido martelo. Mas quem bate o martelo é o Congresso. Podem dizer que governo está esperando os desdobramentos da situação política, mas não dá para creditar à equipe econômica algo que não é de sua responsabilidade.”
Para ele, o custo de postergar a discussão sobre o Orçamento é mais uma fonte de ruído. “Ficou claro que qualquer programa de renda mínima vai ocorrer com realocação de despesas. Mas, como o Orçamento e a definição não acontecem, continuam esses rumores.”
Apesar das críticas crescentes no mercado à atuação de Guedes, Figueiredo diz que o ministro continua tendo papel relevante no controle de contas públicas e que o seu cenário-base é que o teto de gastos será respeitado. O diretor-geral da Fator Administração de Recursos, Paulo Gala, acha que a permanência do ministro no governo ainda serve para tranquilizar os investidores de que nenhuma guinada vá ocorrer na condução da política econômica.
VALOR ECONÔMICO