O mal que Lula faz à democracia
O Estado de S.Paulo – 23/01/2022 – Considerando tudo o que o PT fez e deixou de fazer ao longo de seus 40 anos de existência – muito especialmente, no período em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff estiveram no Palácio do Planalto –, uma nova candidatura petista à Presidência da República não deveria suscitar entusiasmo na população. A legenda que supostamente seria progressista, ética e renovadora da política percorreu um caminho muito diferente, colecionando casos de corrupção, aparelhamento do Estado, apropriação do público para fins privados e políticas econômicas desastradas. No entanto, apesar de todo esse passivo, Luiz Inácio Lula da Silva tem aparecido em primeiro lugar nas sondagens de intenção de voto para presidente da República. Às vezes, com margem de vantagem suficiente para a vitória em primeiro turno. Sabe-se que as eleições ainda estão distantes no tempo e na cabeça do eleitor. As pesquisas de agora não se prestam a prever o que vai ocorrer em outubro nas urnas. Há tempo para muitas mudanças. De toda forma, as sondagens revelam um dado importantíssimo: parte do eleitorado está se esquecendo de quem é Lula. Convém, portanto, resgatar essa memória. Para começar, o líder petista não tem nenhuma credencial para se apresentar como o salvador da democracia. Antes de assumir o governo federal, o PT notabilizou-se por uma oposição absolutamente irresponsável, numa lógica de quanto pior para o País, melhor para Lula. Sem base jurídica, apenas para criar instabilidade, o partido apresentou pedidos de impeachment contra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Sabotou sistematicamente os projetos apresentados pelo Executivo. Fechada ao diálogo, a legenda de Lula tratava tudo o que viesse do governo federal – rigorosamente tudo: Plano Real, modernização do sistema de telefonia, criação das agências reguladoras ou mesmo propostas de melhoria para a educação pública – como ocasião para criar desgaste. Depois de chegar ao Palácio do Planalto, o PT continuou sua tradição antidemocrática. Apenas mudou de lado na mesa. São famosos e variados os escândalos de fisiologismo do partido de Lula. O mensalão é caso paradigmático de perversão do regime democrático, com uso de dinheiro público para manipular a representação política. O petrolão foi ainda mais perverso, ao colocar toda a estrutura do Estado, incluindo estatais e empresas de capital misto, a serviço do interesse eleitoral do partido. Não foi apenas um conjunto de ações para desviar uma enorme quantidade de dinheiro público e privado. Todo o esquema estava orientado a alimentar a máquina eleitoral de Lula. Também nas relações com os grupos políticos divergentes, Lula manteve, uma vez no poder, a mesma trilha antidemocrática. Passou a deslegitimar toda e qualquer oposição ao seu governo, criando uma das mais infames campanhas de incivilidade, intolerância e autoritarismo da história nacional: a do “nós” (os virtuosos petistas) contra “eles” (todos os que não aceitam Lula como seu salvador). O País segue ainda padecendo diariamente dessa irresponsável divisão social, da qual, não por acaso, Lula pretende extrair os votos para voltar à Presidência. A atuação antidemocrática de Lula continuou após a saída do PT do governo federal. Nos últimos anos, o líder petista dedicou-se a desmoralizar, perante o mundo, o Estado Democrático de Direito brasileiro. Em vez de uma defesa técnica nas várias ações penais em que se viu envolvido, Lula promoveu verdadeira campanha difamatória contra o Judiciário, sugerindo que, por trás de cada condenação, mesmo colegiada e amplamente baseada em provas, havia uma conspiração (internacional!) para prejudicá-lo. A decisão do Supremo sobre a incompetência de determinado juízo, que libertou Lula, não torna menos grave o comportamento do ex-presidente e do PT. Ao se apresentar como perseguido político, Lula deixa claro que não acredita nas instituições democráticas do País. Depois do ambiente de ameaças e de ataques à democracia criado pelo bolsonarismo – a exigir uma resposta responsável dos partidos e dos eleitores –, parece piada de mau gosto com o País pensar no PT como eventual solução. Lula nunca tratou bem a democracia brasileira.
BC pede previsão de efeito da Ômicron no PIB do ano
O Estado de S.Paulo – 24/01/2022 – O Banco Central perguntou aos analistas do mercado financeiro se há expectativa de algum impacto negativo da variante Ômicron no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2022, em questionário prévio ao próximo Comitê de Política Monetária (Copom) – que vai se reunir nos dias 1 e 2 de fevereiro para definir a nova Selic (taxa básica de juros). Na mesma pergunta, o BC pede que os analistas coloquem a magnitude do impacto estimado em pontos porcentuais, caso esperem algum efeito. O questionário também trouxe novidades na parte dedicada às expectativas para a economia global. A primeira delas é sobre a previsão dos analistas para a taxa de juros nos Estados Unidos no fim de 2022 e de 2023. Outra questão diz respeito aos três principais riscos externos para o Brasil neste ano. O BC pediu ainda indicação do mercado sobre quando a entrega de insumos no mundo deve se normalizar, voltando “aos padrões históricos”. As cadeias de suprimentos de vários setores, como o automotivo, se ressentem do atraso ou falta de componentes importantes, ainda como efeito das medidas restritivas que vigoraram no mundo durante a primeira onda da covid, em 2020. Após subir a Selic em 1,50 ponto em dezembro, de 7,75% para 9,25% ao ano, o Copom indicou mais um aumento da mesma magnitude em fevereiro, o que levaria a taxa a 10,75%.
A frágil economia brasileira
O Estado de S.Paulo – 24/01/2022 – É notória a fragilidade da economia brasileira na comparação com o desempenho das maiores economias do mundo ou com a evolução dos demais países da América Latina. A inflação brasileira em 2021, de 10,06%, foi a terceira mais alta entre as principais economias mundiais. Nesse campo, o Brasil só perde para a Argentina e para a Turquia, países que enfrentam dificuldades excepcionais na economia ou na política. Quanto ao crescimento, o quadro brasileiro é ainda mais preocupante. Numa região para a qual as previsões são bem menores do que para o restante do mundo, as expectativas são ainda piores para o Brasil. As estimativas para as economias avançadas são de crescimento de 4,2% em 2022. O crescimento médio da América Latina neste ano deve ser de 2,1%, de acordo como o Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe 2021 feito pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à ONU. Já o Brasil deverá crescer apenas 0,5%. Pesquisas semanais do Banco Central do Brasil com as principais instituições financeiras do País mostram queda constante nas previsões para o crescimento da economia em 2022. As mais recentes já estão abaixo de 0,5%. Problemas que os países latino-americanos tiveram de enfrentar desde o início da pandemia continuam a desafiar os governos da região. Outros podem ter surgido, tornando ainda mais difícil a retomada do crescimento em ritmo mais intenso. A persistência da pandemia e sua evolução com o surgimento de novas cepas, a forte desaceleração do crescimento, o baixo nível de investimentos, a estagnação da produtividade, a lenta recuperação do emprego, a persistência ou agravamento de desigualdades sociais por causa da covid-19, a redução da capacidade financeira dos governos, o aumento das pressões inflacionárias são problemas conhecidos dos brasileiros e que se estendem por toda a região. São igualmente conhecidos os meios para enfrentar esse conjunto de dificuldades. A combinação sensata de políticas monetária (para conter a inflação) e fiscal (para estimular o crescimento sem gerar desequilíbrios) é a mais óbvia deles. Colocar os países latino-americanos nesse rumo exigirá competência, firmeza e racionalidade dos governantes, sobretudo num ambiente marcado por baixo crescimento, riscos cambiais, queda de demanda internacional, entre outros problemas. “É necessária uma visão estratégica do gasto público que vincule as demandas de curto prazo com investimentos de longo prazo e que contribua para o fechamento das lacunas sociais”, recomenda a Cepal. São recomendações que, se seguidas, contribuirão para atenuar as muitas dificuldades por que passam as populações latino-americanas. Deverá haver na região governos sensíveis a questões como essas. Não é, lamentavelmente, o caso do Brasil, cujo governo é chefiado por um velho político que, interessado apenas em proteger a si, seus familiares e apoiadores extremistas, ignora os dramas que seu desgoverno causa a milhões de brasileiros, agravando-os.
Desaceleração da China traz incertezas para a economia brasileira e mundial
O Estado de S.Paulo – 21/01/2022 – A economia chinesa cresceu 8,1% no ano passado, no que foi a maior alta desde 2011, quando avançou 9,6%. O desempenho, no entanto, pode não ser tão positivo quanto o número sugere e coloca o mercado em dúvida em relação ao futuro da segunda maior potência global. O resultado tem relação com a base de comparação fraca. Em 2020, quando adotou uma quarentena rígida para conter a covid-19, a China avançou apenas 2,2%, número mais baixo para o país desde 1977. E o Produto Interno Bruto (PIB) da China também perdeu vigor durante o ano. No último trimestre, a alta foi de 4% na comparação com o mesmo período de 2020. No primeiro, no segundo e no terceiro trimestre, o incremento havia sido de 18,3%, 7,9% e 4,9%, respectivamente. O freio era esperado e reflete as medidas que o governo de Xi Jinping vem adotando para substituir o modelo de crescimento acelerado por outro mais sustentável. O objetivo é trocar, por exemplo, o foco do mercado externo pelo interno, implementar políticas para reduzir a emissão de gás carbônico e limitar a especulação imobiliária. O resultado no curto prazo dessa mudança de modelo econômico e o avanço da covid-19, no entanto, parecem ter preocupado Xi Jinping. O presidente chinês pretende iniciar seu terceiro mandato no fim de 2022 e notícias negativas na economia podem não ajudar. Esse cenário fez com que, desde dezembro, o governo anunciasse medidas para suavizar a desaceleração – mas os economistas não têm certeza se elas serão suficientes. “O governo estava preparado para a desaceleração e reconhece os riscos da disseminação da Ômicron, mas também está se preparando para que as reuniões de março (dois dos mais importantes congressos anuais do Partido Comunista) ocorram de forma tranquila”, diz Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações, assessoria financeira com atuação no mercado chinês. “Para que haja um entendimento político para o terceiro mandato de Xi Jinping (que deve ser anunciado nas reuniões), a economia tem de estar tranquila também.” Entre as políticas adotadas até agora para estimular a economia estão a redução do compulsório bancário e da taxa básica de juros. Corte em taxas de empréstimo também têm sido anunciadas e, em dezembro, o governo definiu de forma antecipada – e pouco usual – as cotas para emissão de títulos pelas municipalidades. “É um sinal de que o governo quer que (as cidades) gastem”, diz o economista especializado em China Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre). Ribeiro está entre os economistas que apostam que as novas medidas serão suficientes para segurar a desaceleração chinesa. Na última segunda-feira, 17, quando saiu o PIB da China de 2021, ele inclusive elevou sua previsão para 2022 de 4,8% para 5%. “O governo está deixando claro que vai ajudar o crescimento. A palavra da moda é ‘estabilização do crescimento’. Será um ataque cirúrgico. Nada semelhante aos estímulos de 2009 e 2010, mas um ajuste fino para sustentar a economia em patamares que o governo julga adequado”, diz Ribeiro. O economista destaca que, apesar da perda de ritmo no fim do ano passado, o PIB da China chegou a surpreender positivamente no último trimestre, ficando além das expectativas do mercado. O próprio Ibre projetava uma alta de 3,3% para o período. Para 2022, Ribeiro espera que janeiro e fevereiro sejam mais fracos devido aos lockdowns que têm sido imposto para conter a covid. A economia, porém, deve ganhar um pouco de tração a partir de março, quando o resultado das medidas que vêm sendo anunciadas começará a ser percebido. Diferentemente do Ibre, o Itaú Unibanco revisou suas projeções para a China para baixo: de 5,1% para 4,7%. O número é inferior ao que o governo de Xi Jinping deve anunciar, em março, como meta para 2022: algo entre 5% e 5,5%, segundo especialistas. Economista do Itaú especializada em China, Laura Pitta afirma que as medidas econômicas de Xi Jinping são para “equilibrar pratinhos” e classifica o risco da Ômicron como grande. “A China adota uma política de tolerância zero em relação à covid. Isso leva à restrição de mobilidade e a implicações relevantes nos serviços.” Laura destaca que ainda são necessárias medidas mais claras para a construção civil, um dos pilares da economia chinesa. O governo vinha restringindo o acesso ao crédito para o setor, em uma tentativa de reduzir o risco financeiro do super alavancado mercado imobiliário. A política, no entanto, provocou desaceleração no segmento, que é um importante empregador e comprador de matérias-primas. “O setor é crucial para a economia chinesa e nossa principal preocupação hoje é com ele”, afirma Laura. ImpactoApesar de o Brasil ter destinado 31,3% de suas exportações do ano passado para a China, o País não deve sofrer com a perda de ritmo da economia oriental, na visão do economista Luka Barbosa, também do Itaú. Isso porque, ao menos por enquanto, a demanda aquecida dos Estados Unidos deve compensar o impacto. “Achamos que as exportações totais vão crescer mesmo com a China desacelerando. Neste ano, ainda haverá um crescimento global que ajudará o País.” Segundo os cálculos do economista, para cada ponto porcentual que a China deixa de crescer, o PIB brasileiro pode perder 0,2 ponto porcentual. “Revisamos a economia da China em 0,4 (ponto porcentual). Isso daria (uma redução de) 0,1 ponto porcentual aqui. Não é algo relevante para se fazer uma revisão.” Barbosa frisa que a retração de 0,5% na economia brasileira prevista pelo Itaú para 2023 será resultado apenas da alta da taxa básica de juros, a Selic, e não do panorama internacional. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) tem uma visão diferente e projeta redução de 4,7% nas exportações gerais do País. O presidente executivo da entidade, José Augusto de Castro, afirma ainda não ter estimativa da queda dos embarques para a China, mas destaca que haverá uma diminuição na comparação com 2021. Por outro lado, a demanda aquecida nos Estados Unidos deve segurar o preço das commodities,
Nos EUA, empresas estão perdendo trabalhadores e distribuindo mais benefícios
O Estado de S.Paulo – 24/01/2022 – A pandemia transformou radicalmente o ambiente de trabalho nos EUA. Mais pessoas do que nunca estão trabalhando de casa. As reuniões migraram dos escritórios para as telas. Os trabalhadores estão pedindo demissão aos montes, levando as vagas de emprego para altas históricas. Em meio à escassez de mão de obra generalizada, as empresas estão distribuindo aumentos de salários e bônus para atrair funcionários. Mas e quanto aos demais benefícios, que compõem uma grande parcela da remuneração total dos empregados? Se você escutar os chefes, eles vão dizer que as empresas têm expandido os planos de benefícios após a pandemia, oferecendo aos trabalhadores expedientes mais flexíveis, licenças médicas remuneradas e serviços de saúde mental. Mas as estatísticas oficiais mostram apenas ganhos modestos nos benefícios adicionais desde o início da pandemia. Embora o valor das compensações não salariais para os trabalhadores mal remunerados tenha aumentado mais rápido do que para os bem remunerados, a disparidade no nível de ofertas permanece enorme. Seguro de saúde, licença remunerada, aposentadorias e outros benefícios “extras” distribuídos pelas empresas do setor privado representaram 29% da remuneração total, em média, em 2021, mais do que os 20% na década de 1970, de acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA (BLS, na sigla em inglês). Se benefícios como comida grátis fossem contabilizados, o número seria ainda maior. Um artigo publicado em 2018 por pesquisadores da Harvard Medical School, da Universidade da Califórnia em Los Angeles e da Rand Corporation analisou os dados da pesquisa e concluiu que a liberdade de definir seu próprio horário equivale a um aumento salarial de 9%; e a possibilidade de trabalhar de casa corresponde a um aumento de 4,1%. DesigualdadeMas esses benefícios, assim como os salários, tendem a ser distribuídos de forma desigual. Cerca de 94% dos trabalhadores do setor privado no quartil superior da distribuição de renda têm acesso a seguro de saúde por meio de seu empregador, mas apenas 40% dos trabalhadores no quartil inferior, segundo a BLS. Disparidades semelhantes existem para o seguro de vida (84% ante 25%), benefícios de aposentadoria (90% ante 44%) e licença médica remunerada (94% ante 52%). As diferenças nas condições de trabalho tornam as coisas ainda mais desiguais, de acordo com uma nova pesquisa de Jason Sockin, da Universidade da Pensilvânia. A partir de dados do Glassdoor, site onde usuários podem publicar avaliações anônimas de seus empregadores, Sockin descobriu que as empresas que pagam salários maiores tendem a oferecer melhores regalias, exacerbando assim a desigualdade do mercado de trabalho. As iniciativas para melhorar os benefícios durante a pandemia parecem ter feito pouco para expandir a oferta a mais trabalhadores. A pesquisa nacional de remuneração mais recente da BLS apontou que o acesso às licenças médica e para cuidar de familiares remuneradas nas empresas do setor privado aumentaram, em média, apenas quatro ou cinco pontos porcentuais, respectivamente, entre março de 2019 e março de 2021. O expediente flexível, definido como a liberdade de determinar seu próprio horário de trabalho, aumentou apenas três pontos porcentuais. Peter Cappelli, da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, diz que, embora algumas empresas tenham incluído bônus de contratação e abonamento de despesas com universidade para atrair trabalhadores, elas têm relutado em gastar com benefícios mais caros. “Acho que elas estão resistindo de verdade em avançar na direção de benefícios que não vão custar quase nada para elas”, diz Capelli. Embora o acesso aos benefícios tenha mudado pouco, eles estão pelo menos se tornando mais generosos para alguns beneficiários. Todos os anos, a BLS soma o valor das despesas com a remuneração dos funcionários. Em 2021, os trabalhadores entre os 10% com menor remuneração tiveram um aumento de 9,2% no valor real dos benefícios, em média, o maior aumento desde que os dados foram coletados pela primeira vez em 2009. Nos 12 meses encerrados em setembro de 2021, as despesas médias com os benefícios para aqueles do setor de serviços, entre eles cozinheiros, cuidadores e faxineiros, aumentaram 3,3%; em comparação com os 2,6% de todos os trabalhadores como um todo. EscassezA esperança é que tais aumentos continuem mesmo se a mão de obra permanecer escassa. Sockin diz que os funcionários também podem estar analisando a situação: “Acho que a pandemia levou a esse reconhecimento entre os trabalhadores de que eles podem querer mais do que apenas um salário”. Mas com o valor dos benefícios correspondendo a menos de US$ 3 por hora trabalhada para alguém entre os 10% com menor remuneração na distribuição de renda, em comparação com US$ 25 para os que estão entre os 10% com maiores salários, o abismo que precisa ser erradicado é mesmo enorme.
Empregos voltam com salário menor e levam à precarização do mercado de trabalho
O Estado de S.Paulo – 22/01/2022 – Faz cerca de dois anos que Elisângela Santos e o filho, Estevão Rodrigues, que vivem no Jardim Sapopemba, Zona Leste da capital paulista, estão à procura de emprego. Ela tem 48 anos, cursa o terceiro ano da faculdade de Psicologia. A última vez que teve carteira assinada foi quando trabalhou como cuidadora de idosos, um pouco antes da pandemia. Na época, chegava a tirar R$ 1.200. O filho, de 19 anos, concluiu o ensino médio e nunca teve emprego fixo. “Não consigo me colocar por causa da idade”, diz Elisângela, que também foi empregada do comércio e de um escritório de contabilidade. Ela percebe que há preconceito por parte das empresas em contratar quem tem mais de 45 anos. Já o filho enfrenta as barreiras para obter uma vaga porque não tem experiência. Enquanto não conseguem emprego, eles fazem bico para sobreviver. Elisângela coloca cabelo postiço (mega hair) e tira cerca de R$ 400 por mês. O filho atualiza redes sociais para conhecidos e recebe R$ 200. Juntos, ganham a metade de um salário mínimo. Apesar da redução do desemprego nos últimos meses, mãe e filho retratam a precarização do mercado de trabalho. A taxa de desocupação, que chegou a 12,6% no terceiro trimestre de 2021, o último dado disponível, praticamente retornou aos 12,4% do primeiro trimestre de 2020, quando a pandemia começou. Mesmo com a queda da desocupação, esse resultado esconde uma mudança profunda do perfil do emprego. Estudo do economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, revela uma piora da qualidade da ocupação. Entre primeiro trimestre 2020, o início da pandemia, e o terceiro trimestre de 2021, o dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de desempregados em busca de trabalho há mais de um ano, como Elisângela e o filho, aumentou quase 37%: de 4,758 milhões para 6,508 milhões. “Quanto mais tempo uma pessoa fica sem conseguir emprego, torna-se mais difícil para ela se recolocar e foi isso que a pandemia provocou”, afirma Imaizumi. Desocupado por um longo período, quando esse trabalhador consegue um emprego, muito provavelmente a qualidade da vaga é ruim, observa. O estudo mostra que esse movimento está em curso. A recuperação dos postos de trabalho tem sido cada vez mais concentrada em ocupações com rendimentos menores, de até um salário mínimo mensal. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o terceiro trimestre do ano passado, o número de ocupados com essa renda passou de 28,476 milhões para 33,635 milhões, uma alta de mais de 18%. “São cerca de 5 milhões de pessoas a mais recebendo até um salário mínimo, é um dado assustador”, diz Imaizumi. Essa tendência também é observada no emprego formal. Por seis meses seguidos o salário real – descontada a inflação – de admissão do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), segundo o economista, está em queda, assim como o rendimento médio real de todas as populações da Pnad, que engloba a informalidade. Ao mesmo tempo, desde o início da pandemia, os números compilados por Imaizumi da Pnad indicam redução de 8% na quantidade de ocupados com rendimentos superiores a dois salários mínimos. O economista destaca que o mercado de trabalho mal tinha se recuperado 100% da forte crise de 2015 e 2016, quando chegou a segunda crise provocada pela pandemia. Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) concorda. Ele observa que quando a pandemia começou o mercado de trabalho brasileiro estava fragilizado e a recuperação dos postos ocorria por meio da informalidade. Além disso, já existiam problemas estruturais para preencher vagas mais qualificadas que foram agravados pela maior demanda por profissionais voltados para https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, que se intensificou com o isolamento social. Imaizumi observa que a baixa remuneração e qualidade dos empregos gerados está atrelada à incapacidade de o brasileiro médio de se inserir numa vaga que exige mais habilidades. “O movimento das empresas de intensificar o uso de capital e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e utilizar menos mão de obra já vinha acontecendo antes da pandemia”, observa. E isso já tinha levado muitos trabalhadores a buscar ocupação na informalidade. Com a pandemia, o quadro se agravou. Crise tira poder de barganha do trabalhador na hora da admissãoA grande questão do mercado de trabalho hoje é não só olhar para a recuperação na quantidade de postos, que, de fato, está acontecendo, mas para a qualidade do emprego que piorou, afirma Tobler, da FGV. Ele observa que há uma conjugação negativa de fatores nos últimos meses que leva as pessoas a aceitarem uma remuneração menor. Existe um grande contingente fora do mercado, o desalento é elevado, a inflação alta consome boa parte dos rendimentos e o poder de barganha dos trabalhadores para obter reajustes é cada vez menor. No ano passado, 47,7% das negociações salariais do setor privado ficaram aquém da inflação, aponta um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir dos dados inseridos no Mediador do Ministério do Trabalho e Previdência. Esse foi o pior resultado em quatro anos, desde 2018, o início da série. O reajuste abaixo do custo de vida é resultado de uma combinação de inflação alta com recessão. É que quando a desocupação está muito elevada, os sindicatos não têm poder de barganha nas negociações, observam economistas especializados em emprego. É o pior cenário para os trabalhadores. Essa situação faz, por exemplo, Roseni Camargo de Abreu, de 48 anos, que desde que terminou a faculdade de Nutrição em 2020 e até hoje não conseguiu emprego na área, estar disposta a trabalhar por um salário mínimo. Atualmente, faz bico como diarista e tira R$ 600 por mês. “Preciso comer”, argumenta. Roseni foi estudar depois de criar os filhos na expectativa de que ganharia um pouco mais. “Mas neste País não há oportunidade. É muito triste”, afirma. Para romper esse círculo vicioso de desemprego elevado e precarização da ocupação,
Trauma da Covid faz indústria retomar estoques
Folha de S.Paulo – 23/01/2022 – Depois de anos mantendo estoques baixos de matérias-primas, empresas voltaram a ter insumos parados em armazéns. Sem as garantias de preço e prazo do pré-pandemia, os negócios voltaram a estocar peças para evitar o risco de um pedido não ser atendido por falta de material para produzir. Quase dois anos depois do início da crise que desorganizou as cadeias de abastecimento, dificuldades com insumos ainda assombram as empresas. Em dezembro, 83% das micro e pequenas indústrias de São Paulo ainda relatavam alta de preços em matérias-primas, segundo pesquisa Datafolha para o Simpi (sindicato do setor). Para 51%, ainda havia falta de produto nos fornecedores. A solução encontrada pela Invent Smart Intralogistics Solutions foi estocar o equivalente a um ano de peças em aço usadas na construção de esteiras eletrônicas, usadas em aeroportos e centros de distribuição logísticos. A decisão, do início de 2021, foi tomada para evitar flutuações de preços e prazos acima de 90 dias para entrega. A cada baixa no estoque, a empresa prepara um novo pedido na sequência, para que o nível de material excedente seja mantido. Além disso, a fábrica substituiu diversas peças metálicas por plástico duro. A produção foi internalizada a partir da compra de quatro impressoras 3D. As trocas exigiram uma elaborada adaptação dos projetos, mas valeram a pena, diz o cofundador e vice-presidente de vendas, Augusto Ghiraldello. “A produção 100% em aço era uma espécie de commodity no mercado. Só que, além do preço, os prazos aumentaram muito. Tenho contratos com sanções caso não entregue ao cliente. Fomos obrigados a achar alternativas”, afirma. No ano passado, sem caixas de papelão para embalar os materiais pedagógicos que produz em uma fábrica em Santo André (ABC), Cesar de Oliveira Guimarães, diretor-executivo da MMP, precisou despachar pedidos acondicionados diretamente sobre os pallets de transporte. “Hoje já encontro para comprar, mas com preço alto e demora na entrega. Minha programação financeira ficou mais comprometida, o que me obrigou a fazer compras maiores”, diz. As caixas, que custavam R$ 4,80 no início de 2020, agora saem por R$ 8,80. A alta no preço do polímero bruto usado na confecção dos materiais em plástico e EVA chegou a passar de 150%. Recentemente, o valor se estabilizou em patamares menores, mas ainda equivale ao dobro do que o praticado há dois anos, segundo o executivo. Para evitar dor de cabeça, Guimarães diz ter aumentando o nível de estoque de matérias-primas e de produtos prontos. “Todo mundo sempre dizia que ter estoque é ruim, porque é dinheiro parado, mas nunca achei que fosse boa ideia não ter produto, porque minha venda é sazonal e não posso correr o risco de não fazer [o negócio].” A sucessão de dificuldades levou a um prejuízo que, para ser estancado, exigiu que a empresa aumentasse os preços em 20%, em média. “Passei o ano segurando preço, mas quando vi, estava no negativo, e isso que não considerei o custo de estoque. Já sei que vou ter que fazer novo reajuste em alguns meses”, diz Guimarães. “É triste que os meus fornecedores dizem exatamente a mesma coisa: ‘compra agora porque vai subir’.” Segundo a pesquisa do Simpi, além da alta de preços de matérias-primas, as micro e pequenas indústrias também estão pressionadas pela elevação geral de custos. Gastos com água, energia elétrica, transporte e logística e mão de obra —tudo ficou mais caro. “A elevação de custos foi a pior da série histórica. Vemos uma alta persistente, mês a mês, que ainda afeta quase 85% das empresas”, diz Joseph Couri, presidente do Simpi. Sondagem da CNI (Confederação Nacional das Indústrias) mostra que o nível de produção do setor, medido pela utilização da capacidade instalada, está em 68%. O percentual é menor do que os 70% registrados em 2020, mas está superior à média para meses de dezembro (67%). Os estoques das empresas (que referem-se aos produtos prontos, não aos insumos para produção) ficaram em patamar estável e baixo. A escala criada pela CNI prevê que acima de 50 pontos há estoque superior ao planejado. Em dezembro de 2021, o índice ficou em 49,1 pontos. Na avaliação do economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), as condições de estoque são menos graves do que há um ano e, em alguns setores, já estão próximos de um patamar confortável Esse indicador é importante porque ele sinaliza se os setores da indústria ainda estão vulneráveis aos repiques e gargalos da cadeia de distribuição. A variante ômicron do coronavírus, porém, que levou a uma nova disparada de casos da doença, torna mais imprevisível a normalização das cadeias de distribuição. “Vem melhorando muito lentamente e o quadro já é menos agudo. Acho que ainda vai 2022 inteiro para estabilizar. Enquanto houver pandemia, esse será um risco.” A quebra das cadeias não é um problema só do Brasil. Em todo o mundo, indústrias de diversos setores ainda correm para dar conta de novas demandas e das transformações aceleradas pela pandemia. Na quinta-feira (20), durante painel sobre o assunto no Fórum Econômico Mundial, o sultão Ahmed bin Sulayem, presidente-executivo da gigante da logística DP World, disse que pandemia escancarou as fragilidades da cadeia de suprimentos e apostou que ainda levará cerca de dois anos para as condições melhorarem. A digitalização do setor pode ser um dos caminhos, segundo ele. “O futuro é digital” é um bordão bastante repetido nos painéis do fórum. E a digitalização do mundo é parte de outra dificuldade global agravada com a pandemia, que é a falta de chips semicondutores. Para a diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Ngozi Okonjo-Iweala, a reorganização das cadeias de suprimentos pode ser uma oportunidade de melhorar a distribuição dos negócios pelo mundo e integrar países em desenvolvimento. “Precisamos ver a cadeia de suprimentos não apenas como um problema, mas como uma oportunidade. Quero convocar os investidores, como o Pat, de usar isso como uma oportunidade”, disse, citando o presidente-executivo da Intel, Pat Gelsinger, que também participou do painel.