Empregos voltam com salário menor e levam à precarização do mercado de trabalho

O Estado de S.Paulo – 22/01/2022 –

Faz cerca de dois anos que Elisângela Santos e o filho, Estevão Rodrigues, que vivem no Jardim Sapopemba, Zona Leste da capital paulista, estão à procura de emprego. Ela tem 48 anos, cursa o terceiro ano da faculdade de Psicologia. A última vez que teve carteira assinada foi quando trabalhou como cuidadora de idosos, um pouco antes da pandemia. Na época, chegava a tirar R$ 1.200. O filho, de 19 anos, concluiu o ensino médio e nunca teve emprego fixo.

“Não consigo me colocar por causa da idade”, diz Elisângela, que também foi empregada do comércio e de um escritório de contabilidade. Ela percebe que há preconceito por parte das empresas em contratar quem tem mais de 45 anos. Já o filho enfrenta as barreiras para obter uma vaga porque não tem experiência.

Enquanto não conseguem emprego, eles fazem bico para sobreviver. Elisângela coloca cabelo postiço (mega hair) e tira cerca de R$ 400 por mês. O filho atualiza redes sociais para conhecidos e recebe R$ 200. Juntos, ganham a metade de um salário mínimo.

Apesar da redução do desemprego nos últimos meses, mãe e filho retratam a precarização do mercado de trabalho. A taxa de desocupação, que chegou a 12,6% no terceiro trimestre de 2021, o último dado disponível, praticamente retornou aos 12,4% do primeiro trimestre de 2020, quando a pandemia começou. Mesmo com a queda da desocupação, esse resultado esconde uma mudança profunda do perfil do emprego.

Estudo do economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, revela uma piora da qualidade da ocupação. Entre primeiro trimestre 2020, o início da pandemia, e o terceiro trimestre de 2021, o dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de desempregados em busca de trabalho há mais de um ano, como Elisângela e o filho, aumentou quase 37%: de 4,758 milhões para 6,508 milhões.

“Quanto mais tempo uma pessoa fica sem conseguir emprego, torna-se mais difícil para ela se recolocar e foi isso que a pandemia provocou”, afirma Imaizumi. Desocupado por um longo período, quando esse trabalhador consegue um emprego, muito provavelmente a qualidade da vaga é ruim, observa.

O estudo mostra que esse movimento está em curso. A recuperação dos postos de trabalho tem sido cada vez mais concentrada em ocupações com rendimentos menores, de até um salário mínimo mensal. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o terceiro trimestre do ano passado, o número de ocupados com essa renda passou de 28,476 milhões para 33,635 milhões, uma alta de mais de 18%. “São cerca de 5 milhões de pessoas a mais recebendo até um salário mínimo, é um dado assustador”, diz Imaizumi.

Essa tendência também é observada no emprego formal. Por seis meses seguidos o salário real – descontada a inflação – de admissão do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), segundo o economista, está em queda, assim como o rendimento médio real de todas as populações da Pnad, que engloba a informalidade. Ao mesmo tempo, desde o início da pandemia, os números compilados por Imaizumi da Pnad indicam redução de 8% na quantidade de ocupados com rendimentos superiores a dois salários mínimos.

O economista destaca que o mercado de trabalho mal tinha se recuperado 100% da forte crise de 2015 e 2016, quando chegou a segunda crise provocada pela pandemia. Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) concorda. Ele observa que quando a pandemia começou o mercado de trabalho brasileiro estava fragilizado e a recuperação dos postos ocorria por meio da informalidade.

Além disso, já existiam problemas estruturais para preencher vagas mais qualificadas que foram agravados pela maior demanda por profissionais voltados para https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, que se intensificou com o isolamento social.

Imaizumi observa que a baixa remuneração e qualidade dos empregos gerados está atrelada à incapacidade de o brasileiro médio de se inserir numa vaga que exige mais habilidades. “O movimento das empresas de intensificar o uso de capital e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e utilizar menos mão de obra já vinha acontecendo antes da pandemia”, observa. E isso já tinha levado muitos trabalhadores a buscar ocupação na informalidade. Com a pandemia, o quadro se agravou.

Crise tira poder de barganha do trabalhador na hora da admissão
A grande questão do mercado de trabalho hoje é não só olhar para a recuperação na quantidade de postos, que, de fato, está acontecendo, mas para a qualidade do emprego que piorou, afirma Tobler, da FGV.

Ele observa que há uma conjugação negativa de fatores nos últimos meses que leva as pessoas a aceitarem uma remuneração menor. Existe um grande contingente fora do mercado, o desalento é elevado, a inflação alta consome boa parte dos rendimentos e o poder de barganha dos trabalhadores para obter reajustes é cada vez menor.

No ano passado, 47,7% das negociações salariais do setor privado ficaram aquém da inflação, aponta um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir dos dados inseridos no Mediador do Ministério do Trabalho e Previdência. Esse foi o pior resultado em quatro anos, desde 2018, o início da série.

O reajuste abaixo do custo de vida é resultado de uma combinação de inflação alta com recessão. É que quando a desocupação está muito elevada, os sindicatos não têm poder de barganha nas negociações, observam economistas especializados em emprego. É o pior cenário para os trabalhadores.

Essa situação faz, por exemplo, Roseni Camargo de Abreu, de 48 anos, que desde que terminou a faculdade de Nutrição em 2020 e até hoje não conseguiu emprego na área, estar disposta a trabalhar por um salário mínimo. Atualmente, faz bico como diarista e tira R$ 600 por mês. “Preciso comer”, argumenta. Roseni foi estudar depois de criar os filhos na expectativa de que ganharia um pouco mais. “Mas neste País não há oportunidade. É muito triste”, afirma.

Para romper esse círculo vicioso de desemprego elevado e precarização da ocupação, economistas dizem que a saída é o País voltar a crescer. Imaizumi acredita que seria necessário que a economia brasileira crescesse perto do potencial, que é de 2,5% ao ano, por vários anos seguidos. “Mas sabemos que o crescimento este ano foi por água abaixo”, ressalta. A sua consultoria, por exemplo, projeta um avanço do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,7%, mas a média do mercado, captada pelo Boletim Focus do Banco Central, aponta algo abaixo de 0,3%.

Tobler, da FGV, ressalta que é preciso que o crescimento seja sustentável, com aumento de produtividade, para que haja uma recuperação robusta do mercado de trabalho. “Um grande contingente de trabalhadores na informalidade e ganhando menos do que deveria resulta em menor arrecadação para o governo, menos proteção social. Isso acaba virando uma bola de neve e acarreta outros problemas.”

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