Para Temer, fragmentação garante polarização
Valor Econômico – Diante da proliferação de candidaturas, o ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou ver com ceticismo o sucesso de um nome da terceira via como alternativa à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na disputa ao Planalto, no ano que vem. “O eleitorado tem o direito de ter uma outra opção. Agora, sou muito franco. No começo tinha muito entusiasmo por ela, mas vejo que no presente momento começa a atomizar, a espalhar um pouco os votos da chamada terceira via”, afirmou, ao participar ontem do Painel Telebrasil 2021. O evento foi organizado pelo sindicato patronal que reúne as operadoras de telecomunicações, e realizado pela Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações. Temer disse que tem visto a indisposição de alguns nomes deste campo em abrirem mão de suas candidaturas. “Eu, pelo menos, já tenho ciência de duas que não abrirão”, afirmou, numa provável referência ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e ao governador de São Paulo João Doria, um dos concorrentes nas prévias do PSDB. “Se houver mais uma, serão três candidaturas, e é claro que falece a ideia de uma terceira via unificada. E aí a polarização vai continuar da mesma maneira”, disse o ex-presidente. Além do PDT e do PSDB, o PSD pretende filiar e lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM, mesmo partido do ex-ministro da Saúde e pré-candidato ao Planalto Luiz Henrique Mandetta. Entre os pretendentes, estão ainda o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o apresentador de TV José Luiz Datena (PSL). Depois de assumir protagonismo, ao atuar como bombeiro na crise decorrente dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), há duas semanas, Temer afirmou que uma tensão entre os Poderes sempre representa uma inconstitucionalidade. “Quando a Constituição trata dos Poderes do Estado, ela determina a harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Toda vez que há uma desarmonia, o que há é uma inconstitucionalidade”, disse, ao responder virtualmente a quatro perguntas num curto “talk show” sobre o tema “A importância do equilíbrio institucional para o crescimento econômico do Brasil”. No dia 9, Temer viajou de São Paulo a Brasília, onde ajudou Bolsonaro a redigir uma carta aberta, denominada “Declaração à nação”, na qual o presidente recuou das ameaças de descumprir decisões do ministro do STF Alexandre de Moraes. Dois dias antes, no feriado de 7 de setembro, o magistrado e a Corte foram alvos de protestos de centenas de milhares de manifestantes convocados por Bolsonaro em atos de cunho antidemocrático. O clima de golpismo exponenciou a crise institucional e a pressão de partidos políticos pela abertura de impeachment, tensão que foi reduzida com a carta concebida por Temer.
Vergonha
O Estado de S.Paulo – editorial Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro, após reiteradas ameaças de golpe e seguidas demonstrações de desapreço pelo decoro do cargo, comprometeu-se por escrito a dialogar. Como previsto, no entanto, suas promessas de moderação e racionalidade na tal Declaração à Nação não duraram nem um mês. Em discurso na ONU, Bolsonaro, como se estivesse falando a seus fanáticos apoiadores, esbanjou ignorância, má-fé e oportunismo, expondo o Brasil a um vexame mundial. Ou seja, foi o mesmo de sempre. Seu pronunciamento foi uma profusão de meias-verdades e mentiras completas, insistindo no negacionismo e na pregação para sua base eleitoral. Bolsonaro ignora a diferença entre discursar na Assembleia-Geral da ONU e falar no cercadinho do Palácio da Alvorada. “O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo”, disse Bolsonaro. Raras vezes se viu tanta falsidade em uma só frase. Bolsonaro desrespeita a Constituição praticamente desde que tomou posse. Quanto aos militares, não são poucos os que nas Forças Armadas consideram que a associação com a irresponsabilidade bolsonarista vem desgastando a imagem do Exército. Já em relação à família, a única que Bolsonaro valoriza é a dele mesmo. “Estávamos à beira do socialismo”, disse Bolsonaro, sem qualquer respaldo nos fatos – que, para o bolsonarismo, não têm valor. Importa apenas o discurso, voltado à manipulação e à desinformação. “Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada”, declarou o presidente que transformou o País em pária internacional. Em suas palavras, “promovemos o ressurgimento do modal ferroviário”. A realidade: Bolsonaro editou uma imprópria medida provisória sobre o tema, atropelando o Legislativo e a segurança jurídica. “Grande avanço vem acontecendo na área do saneamento básico”, disse Bolsonaro. Os fatos: o marco do saneamento foi aprovado, apesar do desinteresse do Executivo. “Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa. Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países”, disse Bolsonaro na ONU. Sim, o Código Florestal de 2012 é uma legislação equilibrada, fruto de anos de trabalho e de negociação política – ou seja, a antítese do bolsonarismo. Além de não ter promovido nenhuma lei minimamente semelhante ao Código Florestal, Bolsonaro diminuiu os mecanismos de controle ambiental e ainda teve um ministro do Meio Ambiente incluído em inquérito sobre crimes ambientais. “Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade”, disse aquele que fugiu dos dois problemas com a mesma irresponsabilidade. Nas palavras de Bolsonaro, a covid-19 sempre foi uma “gripezinha”. Por isso – e por tantas outras omissões –, Bolsonaro não pode se vangloriar dos atuais números da vacinação no Brasil. Os resultados de imunização da população foram obtidos contra a vontade do Palácio do Planalto, graças ao esforço do SUS e de vários governadores. Basta ver que Jair Bolsonaro é o único presidente do G-20 que se recusou a tomar vacina contra a covid-19. Para culminar a insensatez, Bolsonaro disse apoiar “a autonomia do médico na busca do tratamento precoce”. Em outras palavras, o presidente continua defendendo drogas amplamente descartadas como tratamento contra a covid, enquanto se nega a tomar a vacina. A atitude alinha-se à lógica bolsonarista, em que a verdade é tratada como inimiga. Basta ver o que disse Bolsonaro sobre a atual situação econômica do País: “Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes”. Ao desprezar os fatos e a civilidade, Jair Bolsonaro humilha e desonra o País internacionalmente. Os gestos obscenos do ministro da Saúde contra manifestantes em Nova York não foram um deslize num momento de destempero. Trata-se da expressão mais pura do bolsonarismo. Nada é por acaso, como mostrou o discurso do presidente ontem. Nem mil Declarações à Nação mudarão o fato de que Bolsonaro é e sempre será Bolsonaro.
Comércio e serviços voltam a contratar
O Estado de S.Paulo – editorial O efeito da gradual abertura das atividades presenciais propiciada pela redução do número de casos de covid-19 é forte sobre o mercado de trabalho do comércio e dos serviços. Esses foram os setores mais afetados pelas restrições à circulação de pessoas e às atividades presenciais, mas desde maio estão apresentando dados animadores. Em julho, registrou-se a maior evolução mensal no mercado de trabalho com carteira assinada no comércio de São Paulo desde novembro, de acordo com levantamento da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). No mês, foram abertas 23.536 vagas. De janeiro a julho, foram criados 67.849 postos de trabalho no setor; desse total, 65 mil foram abertos nos três últimos meses do período. Também o setor de serviços vem contratando mão de obra em ritmo expressivo. Em julho, foram criados 45.195 postos, no sétimo mês consecutivo de aumento do pessoal empregado. No ano, o número de contratados pelo setor de serviço no Estado chegou a 244.088 trabalhadores. A tendência de aumento do pessoal ocupado pelo comércio e pelos serviços do Estado começou com o fim da maior parte das restrições ao funcionamento de setores considerados não essenciais. “A reabertura das atividades acionou uma demanda represada nos segmentos mais impactados pela pandemia e por sua restrições”, avalia a FecomercioSP. “Com quadros enxutos, agora estes setores estão gerando vagas, apesar da alta inflacionária, do endividamento das famílias, dos juros ao consumidor.” Esses fatores ainda não reverteram a tendência de contratação de trabalhadores observada nos últimos meses. Por segmentos, dos postos de trabalho abertos pelo comércio de São Paulo, 50 mil foram no varejo. Desses, 7.033 contratações foram feitas pelo segmento de vestuário e acessórios, o mais prejudicado, desde março do ano passado, com as medidas restritivas impostas pela pandemia. Ainda assim, esse segmento emprega 24,5 mil pessoas menos do que empregava em fevereiro do ano passado. Nos serviços, desempenho parecido se observa no segmento de alojamento e alimentação, com a criação de 15.503 postos de trabalho de maio a julho. Mas o saldo desde março do ano passado é o fechamento de 110 mil vagas.
Receita Federal nega acesso a estudos da reforma do IR e diz que dados gerariam desinformação
Folha de S.Paulo – A Receita Federal decidiu bloquear o acesso a pareceres, dados técnicos e outros documentos que serviram de base para a elaboração da reforma do IR (Imposto de Renda). Determinação do órgão impede que cidadãos, impactados pela medida, avaliem estudos, discussões e simulações que culminaram na proposta que agora tramita no Congresso. A blindagem das informações consta de resposta do Ministério da Economia a um pedido formulado pela Folha com base na LAI (Lei de Acesso à Informação). Nela, a Receita afirma que a divulgação dos dados “poderia gerar desinformação à sociedade”. O requerimento feito em julho pela reportagem solicitava acesso ao processo administrativo completo relativo à formulação do projeto de lei. O pedido incluía documentos, notas técnicas e pareceres. O fisco se limitou a conceder acesso a uma nota executiva já divulgada anteriormente e que traz apenas informações resumidas e números relativos à versão final do projeto enviado ao Legislativo. Diante da informação incompleta, a reportagem entrou com recursos, negados duas vezes pela Receita. Na réplica, a Receita afirmou que não havia outros documentos para apresentação. Após novo recurso, o órgão insistiu na negativa e apresentou novo argumento. “A divulgação de documentos que se referem a apenas parcelas das discussões relativas a matérias tão complexas quanto aquelas versadas no PL 2.337/2021 (reforma do IR), como ocorre com os documentos produzidos nas fases iniciais e intermediárias de tais discussões, poderia gerar desinformação à sociedade, o que contraria os objetivos da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso)”, disse o órgão. O encaminhamento final, que nega a consulta aos documentos, foi assinado pelo secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto. O decreto presidencial que regulamenta a Lei de Acesso estabelece que a liberação de documentos preparatórios será assegurada a partir da edição do ato. A norma chama de preparatórios os documentos formais usados como fundamento de “tomada de decisão ou de ato administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas”. No caso específico da reforma do IR, o projeto já foi editado e, portanto, a regra prevê a autorização da consulta. Após a rejeição dos pedidos, um recurso foi submetido à CGU (Controladoria-Geral da União), órgão responsável por monitorar a aplicação da LAI. Em resposta, a CGU afirmou que o processo passará por julgamento até o dia 14 de outubro, podendo haver prorrogação de prazo de mais 30 dias. “Verificamos a necessidade de coletar esclarecimentos adicionais a fim de subsidiar uma decisão justa sobre o caso”, disse o órgão de controle. A página da CGU onde são apresentados os detalhes do pedido afirma que o recurso ou sua resposta contém informações sujeitas a restrição de acesso. A Receita não informou se determinou sigilo sobre os documentos. O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirmou que o governo descumpre a LAI ao se recusar a prestar informações relativas a um ato que já foi editado. “Desinformação é o governo não fornecer os documentos. A transparência não é um favor do burocrata de plantão. É uma obrigação para com os cidadãos que pagam os impostos”, disse. Para ele, que compõe Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, é necessário que seja feita uma movimentação para contestar as ações do governo que reduzem os efeitos da LAI. Na avaliação de Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, o atual governo é marcado por retrocessos no cumprimento da LAI. No caso específico da reforma do IR, ele afirmou que a Receita desrespeita a legislação ao blindar documentos que deveriam ser públicos sob a justificativa de que causariam desinformação. “A Receita não pode dizer como as pessoas vão interpretar o documento, não cabe ao poder público julgar como as pessoas vão entender. Cabe a ele cumprir a lei, e ela diz que a informação pública deve ser fornecida. É muito grave”, disse. O projeto do governo promove uma série de mudanças nas regras de cobrança do IR. O texto corrige a tabela de tributação da pessoa física, reduz o imposto sobre empresas e, por outro lado, recria a taxação de dividendos. A versão inicial da proposta formulada pela Receita foi alvo de duras críticas de especialistas e empresários. O argumento era que o texto aumentava a tributação efetiva. Após uma série de mudanças promovidas pelos congressistas, o projeto foi aprovado na Câmara no início de setembro. O texto que recebeu aval dos deputados prevê corte da alíquota-base de 15% para 8% do IRPJ —o governo queria redução para 12,5% em 2022 e 10% em 2023—, além de corte da CSLL em até 1 ponto percentual —na maioria dos casos, cai para 8%. Também estabelece a tributação sobre lucros e dividendos distribuídos para acionistas em 15%, mas com diversas isenções —empresas optantes do Simples e do lucro presumido, por exemplo. Foi retirada a proposta do governo que limitaria a renda para que as pessoas físicas optem pela declaração com desconto simplificado, mas o valor do abatimento caiu de R$ 16.754,34 para R$ 10.563,60.