Folha de S.Paulo –
A Receita Federal decidiu bloquear o acesso a pareceres, dados técnicos e outros documentos que serviram de base para a elaboração da reforma do IR (Imposto de Renda).
Determinação do órgão impede que cidadãos, impactados pela medida, avaliem estudos, discussões e simulações que culminaram na proposta que agora tramita no Congresso.
A blindagem das informações consta de resposta do Ministério da Economia a um pedido formulado pela Folha com base na LAI (Lei de Acesso à Informação). Nela, a Receita afirma que a divulgação dos dados “poderia gerar desinformação à sociedade”.
O requerimento feito em julho pela reportagem solicitava acesso ao processo administrativo completo relativo à formulação do projeto de lei. O pedido incluía documentos, notas técnicas e pareceres.
O fisco se limitou a conceder acesso a uma nota executiva já divulgada anteriormente e que traz apenas informações resumidas e números relativos à versão final do projeto enviado ao Legislativo.
Diante da informação incompleta, a reportagem entrou com recursos, negados duas vezes pela Receita.
Na réplica, a Receita afirmou que não havia outros documentos para apresentação. Após novo recurso, o órgão insistiu na negativa e apresentou novo argumento.
“A divulgação de documentos que se referem a apenas parcelas das discussões relativas a matérias tão complexas quanto aquelas versadas no PL 2.337/2021 (reforma do IR), como ocorre com os documentos produzidos nas fases iniciais e intermediárias de tais discussões, poderia gerar desinformação à sociedade, o que contraria os objetivos da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso)”, disse o órgão.
O encaminhamento final, que nega a consulta aos documentos, foi assinado pelo secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto.
O decreto presidencial que regulamenta a Lei de Acesso estabelece que a liberação de documentos preparatórios será assegurada a partir da edição do ato.
A norma chama de preparatórios os documentos formais usados como fundamento de “tomada de decisão ou de ato administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas”.
No caso específico da reforma do IR, o projeto já foi editado e, portanto, a regra prevê a autorização da consulta.
Após a rejeição dos pedidos, um recurso foi submetido à CGU (Controladoria-Geral da União), órgão responsável por monitorar a aplicação da LAI.
Em resposta, a CGU afirmou que o processo passará por julgamento até o dia 14 de outubro, podendo haver prorrogação de prazo de mais 30 dias.
“Verificamos a necessidade de coletar esclarecimentos adicionais a fim de subsidiar uma decisão justa sobre o caso”, disse o órgão de controle.
A página da CGU onde são apresentados os detalhes do pedido afirma que o recurso ou sua resposta contém informações sujeitas a restrição de acesso. A Receita não informou se determinou sigilo sobre os documentos.
O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirmou que o governo descumpre a LAI ao se recusar a prestar informações relativas a um ato que já foi editado.
“Desinformação é o governo não fornecer os documentos. A transparência não é um favor do burocrata de plantão. É uma obrigação para com os cidadãos que pagam os impostos”, disse.
Para ele, que compõe Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, é necessário que seja feita uma movimentação para contestar as ações do governo que reduzem os efeitos da LAI.
Na avaliação de Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, o atual governo é marcado por retrocessos no cumprimento da LAI.
No caso específico da reforma do IR, ele afirmou que a Receita desrespeita a legislação ao blindar documentos que deveriam ser públicos sob a justificativa de que causariam desinformação.
“A Receita não pode dizer como as pessoas vão interpretar o documento, não cabe ao poder público julgar como as pessoas vão entender. Cabe a ele cumprir a lei, e ela diz que a informação pública deve ser fornecida. É muito grave”, disse.
O projeto do governo promove uma série de mudanças nas regras de cobrança do IR. O texto corrige a tabela de tributação da pessoa física, reduz o imposto sobre empresas e, por outro lado, recria a taxação de dividendos.
A versão inicial da proposta formulada pela Receita foi alvo de duras críticas de especialistas e empresários. O argumento era que o texto aumentava a tributação efetiva.
Após uma série de mudanças promovidas pelos congressistas, o projeto foi aprovado na Câmara no início de setembro.
O texto que recebeu aval dos deputados prevê corte da alíquota-base de 15% para 8% do IRPJ —o governo queria redução para 12,5% em 2022 e 10% em 2023—, além de corte da CSLL em até 1 ponto percentual —na maioria dos casos, cai para 8%.
Também estabelece a tributação sobre lucros e dividendos distribuídos para acionistas em 15%, mas com diversas isenções —empresas optantes do Simples e do lucro presumido, por exemplo.
Foi retirada a proposta do governo que limitaria a renda para que as pessoas físicas optem pela declaração com desconto simplificado, mas o valor do abatimento caiu de R$ 16.754,34 para R$ 10.563,60.