Esse modelo de privatização da Eletrobrás é um desrespeito, diz Elena Landau

laptop, office, hand

A Câmara dos Deputados aprovou em segunda votação, na segunda-feira, a medida provisória de capitalização da Eletrobrás já vitoriosa no Senado. Agora, o texto segue para sanção presidencial. Tendo transitado, no passado, por diferentes áreas de governo, a ex-diretora de privatização do BNDES Elena Landau* não acredita na possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro vetar qualquer um dos “jabutis” anexados à proposta de privatização da estatal. “Esses jabutis vêm de forças muito poderosas”, analisa a economista e advogada. Ela se refere, principalmente, à questão das térmicas e gasodutos, que nada têm a ver com o projeto original, mas representam custos que ao final deverão cair na conta dos consumidores. “Esse modelo de privatização é um desrespeito”, resume, pois ele cria uma reserva de mercado que é “uma distorção absoluta na forma de operar o setor”. Nesta entrevista para a série Cenários, ela critica as iniciativas do governo Bolsonaro, lamenta a bipolarização que já desponta para 2022 entre bolsonarismo e lulismo e faz a chamada para uma terceira via: “A gente precisa recuperar a capacidade de diálogo”. A seguir, os principais trechos da conversa. Assistimos enfim, no Congresso, aos passos finais da privatização da Eletrobrás. Você gosta do modelo no qual ela foi desenhada?A privatização andou. Foram feitas muitas concessões do governo à área política, inventaram uma revitalização da Bacia de Furnas que tem como padrinho o senador e presidente da Casa, Rodrigo Pacheco – é área de atuação dele –, e um pacote de desembolsos para agradar à classe política. Então, depois do relatório do (deputado) Elmar Nascimento (DEM-BA), produziram-se vários jabutis – eu costumo dizer que são tão grandes que derrubaram a árvore. Os principais se referem à questão das térmicas e gasodutos. E esse assunto tão ruim, tão distorcido, ao final dominou a discussão. Mas, pelo que entendi do projeto de privatização, o novo dono terá o direito de dizer sim ou não à construção de térmicas.Uma vez privatizada, a Eletrobrás vira uma empresa como outra qualquer. Concordo. Mas terá algumas obrigações. Dou um exemplo. Uma série de aportes previstos para essa conta do desenvolvimento da CDE, onde estão os encargos do sistema, vai sair do caixa a ser arrecadado na oferta pública. Os tais fundos de revitalização também sairão direto da Eletrobrás. A obrigação de contratação não é da Eletrobrás pública, utilizaram esse projeto pra dar carona a um lobby muito forte na área de gás e gasodutos que já tentou essa reserva de mercado antes em vários outros projetos. É um assunto completamente distinto, e o apêndice acabou dominando o todo. Por isso eu digo que esse jabuti, especificamente, de tão grande, derrubou a árvore. Você vê chance de esses jabutis serem vetados pelo presidente?Não acredito. Uma coisa que chama a atenção, nesse projeto todo, é como o Ministério de Minas e Energia abriu mão, pacificamente, de suas prerrogativas. O relator da MP invadiu essa área, que inclui o planejamento do setor elétrico, a definição dos leilões. O que se vê no governo é a vontade de fazer de qualquer jeito. A única esperança do setor elétrico – e eu nunca vi isso em 30 anos – é a unanimidade contra essa política. Todos contra essa reserva de mercado, que é uma distorção absoluta da forma de operar o setor. E, daqui para frente, como isso fica?A esperança dos que criticam o projeto, como eu, era que o Senado pudesse impugnar esse apêndice, que nada tem a ver com a MP. Não aconteceu. Do jeito que ficou, lá na frente vai dar errado e vão dizer: a culpa é da privatização. Não é. A culpa é da forma como a privatização está sendo feita. Por que no governo FHC a privatização da área de telefonia avançou, mas a das elétricas não?O governo FHC começou pelas distribuidoras, ficou um restinho que outro governo concluiu. O problema todo está na geração. Ela começou lá no governo FHC, quando houve uma opção de se começar a privatização pelas subsidiárias. Em vez de vender a Eletrobrás, venderiam Furnas, Gerasul, Chesf e Eletronorte. Foi sucesso a venda da do Sul, que hoje é uma das mais dinâmicas do mercado, a Tractebel. Houve momento em que a Tractebel chegou a valer o dobro da Eletrobrás. Aí, na hora de fazer a privatização de Furnas, o então governador de Minas, Itamar Franco, botou tanques na rua. Os mineiros disseram ‘o lago de Furnas é nosso, os rios são nossos, ninguém vai privatizar’. Seguiu-se uma guerra de liminares, a ideia não avançou. Inclusive a Cemig continua estatal…Continua. Na mesma época, o Mario Covas, em São Paulo, avançou com a privatização da Cesp, que recentemente foi concluída. Privatizar é complicado, sempre aparece resistência. O governo FHC avançou bastante nisso, conseguiu vender a Vale do Rio Doce e todo o sistema Telebrás. Será que essa história de colocar jabutis não é uma forma de distrair, aí o projeto passa e Bolsonaro veta?Não acredito, porque esse jabutis vêm de forças muito poderosas. Vêm direto da fonte, né?Direto da fonte, de forças privadas muito fortes articuladas com o Centrão. O que ocorre na privatização da Eletrobrás já se viu e se vê em outras reformas. Tem um açodamento do governo, para dizer ‘estou fazendo, eu privatizei’. Também vão fazer uma reforma administrativa de qualquer jeito, a reforma tributária idem. É até engraçado, tem pessoal da área dos empregados, da resistência contra a privatização, usando os meus artigos como apoio, dizendo ‘até ela, a carrasca das estatais, é contra’. E eu lhe digo: sou a favor, sim, da privatização, mas não dessa. Nunca gostei desse modelo. Fazer por MP a venda de uma estatal é um acinte, um desrespeito. E você, com toda essa experiência, está hoje no comando do Livres.Sou do Conselho Acadêmico do Livres. O grupo tem uma ala do executivo e um conselho, como se fosse um instituto de pesquisas. O Livres é um movimento liberal por inteiro, que não cabe só nesse liberalismo de agenda econômica. Tem preocupação com outras áreas essenciais – como

Governo é contra projeto que propõe fixar índice para corrigir aluguéis

Um projeto que busca alterar o reajuste de aluguéis no Brasil e evitar aumentos acima do poder de compra dos inquilinos está parado na Câmara dos Deputados. A proposta, apresentada pelo deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), fixa o índice oficial de inflação (IPCA) como teto para a correção, em substituição ao IGP-M, que acumula alta de 37% nos 12 meses até maio. A iniciativa esbarra no lobby de donos de shoppings e de instituições financeiras que administram fundos imobiliários. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o governo também é “absolutamente contra a medida”. Na justificativa do projeto, Carvalho argumenta que os inquilinos “estão desesperados” com os índices de reajuste do aluguel. Embora a Lei do Inquilinato, de 1991, não defina qual índice deve ser a referência dos contratos, tradicionalmente é o usado o IGP-M, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O problema é que o IGP-M disparou na esteira do dólar e do preço das commodities, que estão em alta no mercado internacional. Sua variação é 60% determinada pelos preços no atacado, isto é, pelo aumento de custos observado pelos produtores. Apenas 30% são influenciados pelo índice de preços ao consumidor, e os 10% restantes vêm do índice da construção civil. Já a inflação oficial, que mede o impacto da variação de preços no bolso das famílias brasileiras, registra variação bem menor. O IPCA, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acumula alta de 8% em 12 meses até maio. Com a disparada do IGP-M, alguns inquilinos têm conseguido negociar um reajuste mais modesto no aluguel, compatível com a renda. Mas nem todos os proprietários têm se mostrados sensíveis aos pedidos. Daí a tentativa de colocar na lei um teto para a correção do aluguel, vinculado à inflação oficial. Um reajuste maior dependeria da anuência expressa do inquilino. ResistênciasSegundo apurou a reportagem, a área econômica do governo é contra a medida porque entende que os aluguéis são firmados em contratos privados, em negociação que não deve sofrer intervenção estatal. Segundo uma fonte do governo, a avaliação é que, com a aprovação de uma lei para fixar o IPCA como índice de correção do aluguel, haveria muita judicialização, grande parte dos contratos não seriam renovados, e o preço médio do aluguel em grandes cidades tenderia a subir. Além disso, segundo essa fonte, a imagem do Brasil seria prejudicada, especialmente frente a investidores estrangeiros que aplicam em fundos imobiliários (cujo rendimento pode ser atrelado a uma expectativa de reajustes nos valores de aluguéis). Na avaliação da área econômica, seria uma “tragédia” mudar o reajuste do aluguel por lei. Hoje, segundo essa fonte, o proprietário só não aceitará renegociar caso acredite que conseguirá outro inquilino que arque com o valor reajustado, o que pode resultar em duas situações: outros fatores (como ganhos de renda) mostrarão que essa demanda existe, ou o proprietário pode “quebrar a cara” e ficar com o imóvel vazio. A resistência do governo também fica evidente em manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que, diante da disparada do IGP-M, questionou a aplicação do índice nos contratos de aluguel. Segundo a AGU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem jurisprudência no sentido da validade do IGP-M e pediu a improcedência do pedido. No Congresso, a urgência do projeto de lei chegou a ser aprovada pela Câmara, o que poderia levar a matéria a ser apreciada direto no plenário da Casa. Mesmo assim, o texto foi levado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No colegiado, a medida recebeu um parecer contrário ao mérito do deputado Eduardo Cury (PSDB-SP). No voto, Cury justifica que os efeitos sobre os contratos serão opostos aos objetivos pretendidos. O projeto acabou sendo retirado da pauta após a apresentação do parecer. O autor do projeto, deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), ainda tem esperança de ver sua proposta aprovada, mas diz que há muita pressão contra a medida. “Embora legítimo, existe sim o movimento daqueles que são contrários ao projeto. Enquanto isso, há milhares de inquilinos residenciais e comerciais sendo prejudicados”, disse. Segundo ele, a pressão vem por parte de bancos, preocupados com fundos imobiliários, e também de donos de shoppings centers. “Eles alegam que já há acordos individuais sendo celebrados”, afirmou. No fim de abril, 13 associações de lojistas menores divulgaram um manifesto conjunto pedindo a aprovação do projeto de Carvalho. “Aplicar o IGP-M, que atualmente está cinco veze superior à inflação, não retrata a reposição da moeda, e sim um aumento real do aluguel”, diz o manifesto. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) defende “respeitar os contratos” e afirma que os shoppings suspenderam mais de R$ 6 bilhões em cobranças aos lojistas desde o início da pandemia. A entidade acrescenta que o IGP-M é um “índice legal” para reajustes, cuja composição é de “perfeita ciência” de lojistas e shoppings. “Renegociações devem ser feitas caso a caso, já que, durante a pandemia, alguns segmentos registraram crescimento de vendas e muitos seguiram com aberturas de lojas, reforçando o otimismo no mercado e a particularidade de cada ramo de atuação”, diz a nota. O ESTADO DE S. PAULO

Mercado de trabalho fraco aprofunda a desigualdade

Indicadores sociais recentemente divulgados mostram novas facetas dos efeitos negativos da covid-19 e das graves falhas do governo no enfrentamento da pandemia. Em comum, eles têm a deterioração do mercado de trabalho, que resulta no aumento do desemprego, do desalento e da desigualdade, na piora da perspectiva de vida e na queda de renda, agravada agora pela elevação da inflação. Um desses indicadores é o índice de miséria, que atingiu em maio o maior nível em nove anos, pico da série estimada pelo economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Calculado pela soma da taxa de inflação com a de desemprego, o indicador ficou em 23,4 pontos percentuais em maio, que pode superado neste mês. O cálculo leva em consideração que a inflação em 12 meses, medida pelo IPCA, chegou a 8,1% no mês passado, e o desemprego estimado atingiu 15,3%. O dado mais recente de desemprego divulgado pelo IBGE é de março, quando estava em 14,7%. Outra pesquisa, esta feita pelo Centro de Estudos FGV Social, constatou que a renda média individual do trabalho despencou 11,3% do primeiro trimestre de 2020 para R$ 995, menos de um salário-mínimo, o menor nível da série histórica. O cálculo é feito pela média móvel de quatro trimestres. Sem levar em conta a média móvel, a queda da renda individual do trabalho foi 10,89% no primeiro trimestre de 2021. Entre os mais pobres, a redução foi ainda maior, de 20,81%. Desse modo, a recuperação do PIB registrada no início deste ano não ocorreu de modo uniforme, mas ficou concentrada em um segmento limitado, ampliando a desigualdade. O levantamento do Centro de Estudos FGV Social constatou que o impacto da pandemia no mercado de trabalho levou a nível recorde a desigualdade da renda, medida pelo índice de Gini. No primeiro trimestre de 2020, o índice estava em 0,642. Já no primeiro trimestre deste ano, o indicador alcançou a marca de 0,674, a maior da série analisada. Quanto mais perto de 1 estiver o índice de Gini, maior é a desigualdade. Em desdobramento da pesquisa, o Centro de Estudos FGV Social registrou as repercussões psicológicas, como maior insatisfação com a vida e aumento dos sentimentos de raiva, estresse, preocupação e tristeza, com maior frequência do que em outros países igualmente atingidos pela pandemia, em comparação feita com dados do Gallup World Poll. O principal determinante desses resultados é o mercado de trabalho. Desde a recessão de 2015 e 2016, o mercado de trabalho vem se deteriorando. A pandemia agravou o quadro, especialmente com a dizimação da ocupação informal e do emprego na área de serviços. A situação foi pior para os trabalhadores menos instruídos, que geralmente atuam nessas áreas. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que o número de horas trabalhadas pelos profissionais com ensino fundamental incompleto despencou 12,9% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, enquanto as pessoas com ensino superior completo trabalharam 11,7% mais. O levantamento mostra perda no número de horas trabalhadas também para quem tinha o ensino fundamental completo (6%) e ensino médio completo (4,1%). A reversão desse quadro passa pela recuperação do mercado de trabalho, o que deve demorar. Espera-se que o desemprego até aumente à medida que o avanço da vacinação anime a busca por emprego pelos que conseguiram se isolar. Além disso, a recuperação que começa a dar sinais na economia é desigual e ainda não atinge setores que empregam mais mão de obra, inclusive não especializada, como o de serviços, construção civil e transporte. A própria Secretaria de Política Econômica, do Ministério da Economia, projeta para este ano queda de 0,45% na população ocupada com carteira assinada e de 2,4% na renda real dos trabalhadores. Apesar disso, o governo parece despreparado ou sem disposição para lidar com esses problemas. Foi o que demonstrou ao demorar tanto para definir a extensão do auxílio emergencial no início do ano, ao acreditar que com a mudança do calendário a pandemia iria embora; e, agora, ao hesitar em reformular o Bolsa Família. Negligenciando o reforço das redes de proteção social, o governo é responsável pela volta do país ao mapa da fome, depois de ter ficado 17 anos fora dele. VALOR ECONÔMICO

Bolsonaro sanciona lei que amplia alcance do BPC e cria auxílio-inclusão

O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta terça-feira, 22, uma lei que amplia o alcance do Benefício de Prestação Continuada (BPC), ajuda de um salário mínimo (R$ 1,1 mil) paga a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. A medida entra em vigor em 2022 e, como mostrou o Estadão/Broadcast em maio, foi aprovada pelo Congresso Nacional em acerto com a equipe econômica. O impacto deve ser próximo de R$ 2 bilhões no ano que vem, devido à inclusão de aproximadamente 180 mil beneficiários, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem. O texto também cria o auxílio-inclusão, que será pago ao beneficiário do BPC que conseguir emprego com carteira assinada e terá valor de meio salário mínimo (R$ 550). A ajuda funcionará como um incentivo à formalização desse público e entra em vigor em outubro de 2021. Para o governo, esse novo benefício vai gerar economia de recursos, uma vez que maior número de pessoas sairá do BPC para receber o auxílio-inclusão. “Além de fortalecer o BPC, a lei que foi sancionada abre uma porta para emancipação do cidadão, fazendo com que ele dependa cada vez menos do estado e seja incluído no mercado de trabalho”, disse o ministro da Cidadania, João Roma, em comunicado divulgado em suas redes sociais. A regra de concessão do BPC já esteve no centro de inúmeras quedas de braço entre o governo e o Congresso. Hoje, o benefício é concedido a quem tem renda familiar por pessoa de até um quarto do salário mínimo (equivalente a R$ 275). Os parlamentares, porém, não aceitam esse limite e já tentaram, no passado, elevá-lo ao valor de meio salário mínimo por pessoa (R$ 550). Uma ampliação irrestrita do critério, porém, poderia ter um impacto de até R$ 20 bilhões anuais e sempre foi rejeitado pelo Ministério da Economia. O texto sancionado é um meio-termo. Com aval da equipe econômica, os congressistas aprovaram uma ampliação do limite de renda a meio salário mínimo, mas seguindo algumas condições, como o grau de deficiência (leve, moderada ou grave), a dependência de terceiros para a realização de atividades básicas diárias e o comprometimento da renda familiar com gastos médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos não disponíveis de forma gratuita ao beneficiário. O critério para elevação da renda será gradual, conforme previsão futura em decreto a ser editado por Bolsonaro. O novo texto resolve um impasse histórico em torno do BPC, hoje o benefício mais judicializado da União. Uma decisão do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já havia firmado o entendimento de que a renda era insuficiente como critério de mensuração da vulnerabilidade do cidadão. Decisões judiciais já vinham determinando ao governo descontar da renda considerada na concessão os gastos com compra de remédios, por exemplo. A avaliação entre técnicos é que o texto do projeto padroniza as regras e incorpora decisões já “pacificadas” na Justiça. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o gasto adicional a partir de 2022 será compensado com uma medida provisória (MP) que mira na redução de gastos previdenciários, ainda não editada pelo governo. O decreto do Executivo regulamentando as novas regras do BPC só poderá ser publicado depois dessa MP. O projeto aprovado também permite, até o fim de 2021, a revisão cadastral dos beneficiários do BPC. InclusãoA nova lei também cria o auxílio-inclusão para os beneficiários do BPC que ingressam no mercado de trabalho formal e ganham até dois salários mínimos (R$ 2,2 mil). Em vez de receber a ajuda do governo de um salário mínimo, eles recebem metade desse valor. No diagnóstico do governo, parte das vagas destinadas às pessoas com deficiência não são preenchidas porque candidatos que recebem o BPC têm medo de trocar um auxílio tido como certo por uma vaga de emprego cuja manutenção está sujeita a uma série de fatores. Além disso, há situações de ilegalidade em que o beneficiário do BPC opta pelo emprego informal, sem carteira assinada, para escapar da fiscalização e acumular os ganhos com o auxílio de um salário mínimo. Com o auxílio-inclusão, a pessoa deixa de ser beneficiária do BPC, mas passa a receber metade do valor, desde que continue preenchendo os critérios de renda. Para isso, o novo salário da atividade formal não será considerado na base de cálculo. O auxílio não poderá ser acumulado com aposentadoria, pensão, outro benefício por incapacidade ou seguro-desemprego. Em seu parecer na Câmara, o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), apresentou estimativas de formalização e concessão desse tipo de auxílio. O cenário mais otimista, com forte adesão, 76 mil pessoas com deficiência seriam formalizadas até junho de 2022. Nesse caso, o gasto com o auxílio ficaria em R$ 18 milhões neste ano, R$ 396,2 milhões em 2022, R$ 548,1 milhões em 2023 e R$ 565,9 milhões em 2024. Há ainda cenários com formalização de 59 mil ou 43 mil pessoas até dezembro de 2022. Nesses casos, a despesa é menor, chegando a R$ 442,3 milhões ou R$ 318,6 milhões em 2024, respectivamente. Técnicos do governo explicam, porém, que essa despesa não significará um aumento propriamente dito, uma vez que o beneficiário do auxílio-inclusão deixa de receber o BPC. Na prática, será uma economia para os cofres públicos. O ESTADO DE S. PAULO

Senado aprova MP que aumenta tributação sobre bancos até o fim do ano

Senadores aprovaram nesta terça-feira (22) a medida provisória que aumenta a taxação sobre bancos. A proposta enviada pelo governo pretende compensar a decisão de cortar tributos sobre diesel —demanda de caminhoneiros— e gás de cozinha. O texto sofreu alterações e volta para a Câmara dos Deputados, onde precisa ser aprovado até a próxima segunda-feira (28) para não perder a validade. O projeto eleva de 20% para 25%, durante o segundo semestre de 2021, a alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) cobrada de bancos. A partir de 1º de janeiro de 2022, elas retornam ao patamar atual. Para as cooperativas, empresas de seguros privados, de capitalização, corretoras de câmbio, sociedades de crédito imobiliário e administradoras de cartões de crédito, a alíquota passa de 15% para 20% até o fim do ano, voltando a 15% em 2022. Por meio de uma emenda, os senadores decidiram que bancos de desenvolvimento e agências de fomento controladas pelos estados continuarão com alíquota em 20%. “Os grandes bancos não têm interesse em emprestar, em fazer empréstimos às micro e pequenas empresas. E essas agências de fomento têm esse interesse”, argumentou Zenaide Maia (Pros-RN), autora da modificação. Sem essa mudança, o governo estimava uma arrecadação de R$ 2,2 bilhões. Outra emenda aprovada no Senado retira o trecho do projeto que limitava em R$ 140 mil o valor do veículo a ser adquirido por pessoas com deficiência com a isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O benefício terá validade até 31 de dezembro de 2026. Segundo a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) o teto dificultaria a compra de automóveis por essa parcela da população. “Essas pessoas já não foram devidamente priorizadas na pandemia, e a gente vai tirar o pouco que elas têm. Esse argumento de que vão comprar carro de luxo não procede –isso é uma falácia–, porque essas famílias se sacrificam para comprar um veículo para o seu ir e vir. E, com a inflação atual, infelizmente, com um teto, esse limite vai inviabilizar completamente o direito”, disse. Inicialmente, o texto original enviado pelo governo definia o valor de R$ 70 mil. Na Câmara, o relator Moses Rodrigues (MDB-CE) alterou o limite sob o argumento de que seria “praticamente impossível” encontrar um veículo nessa faixa de preço que atendesse as necessidades dos beneficiários. Pelo novo texto, as pessoas com deficiência auditiva também poderão ser beneficiadas pelas novas regras. A MP altera também vantagens do setor petroquímico. A proposta do governo extinguia, a partir de 1º de julho deste ano, os benefícios fiscais do chamado Reiq (Regime Especial da Indústria Química). Porém, após as empresas alegarem perda de competitividade com o fim imediato do regime, o texto final da Câmara passou a prever a extinção gradual dos benefícios a essas companhias ao longo de três anos e meio. No Senado, esse prazo foi ampliado para 8 anos. “Se a proposta do governo fosse aprovada, a indústria química perderia mais de R$ 2,2 bilhões anuais e teríamos mais de 80 mil postos de trabalho ameaçados”, defendeu Jean Paul Prates (PT-RN). Outro dispositivo que gerou controvérsia quando foi acrescentado pelos deputados foi o que barra benefícios fiscais usados por empresas da Zona Franca de Manaus na compra de combustíveis. A versão final altera as regras que equiparam as vendas realizadas para Zona Franca de Manaus à exportação. Segundo Rodrigues, isso foi feito pois empresas instaladas na região importam combustíveis, sobretudo diesel, com desconto tributário, o que dá a essas companhias vantagem competitiva. No entanto, o líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), adiantou que o item será vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “É uma matéria de lei complementar, ela não poderia ser tratada por meio de medida provisória”, afirmou. A MP também ajustou os percentuais de arrecadação de sites em que as apostas envolvem resultado de eventos esportivos, como jogos de futebol. É o caso de loterias que buscam acertar o placar da disputa, o número de cartões aplicados ou quem fará o primeiro gol da partida. Segundo o texto, os percentuais de distribuição (exceto o relativo à Contribuição Social sobre a Receita de Concursos e Prognósticos) passarão a ter como base o valor apurado depois do desconto dos tributos e dos prêmios. FOLHA DE S. PAULO

A pedido de Bolsonaro, equipe econômica estuda ampliar isenção do IR para R$ 2,5 mil

calculator, calculation, insurance

Na reta final de definição dos últimos detalhes do projeto do Imposto de Renda, a equipe econômica está tendo que fazer novas simulações para subir de R$ 2,4 mil para R$ 2,5 mil por mês a proposta de correção da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, quem ganha até R$ 1,9 mil mensais está isento do imposto. Vários cenários estão sendo considerados, com arranjos distintos, para atender a demanda do presidente Jair Bolsonaro. Segundo técnicos da Receita Federal envolvidos na elaboração das simulações, uma das propostas é não dar o mesmo porcentual de correção para todas as faixas da tabela do IRPF. Hoje, elas são de 7,5% (para ganhos entre R$ 1,9 mil e R$ 2,8 mil), 15% (de R$ 2,8 mil a R$ 3,7 mil), 22,5% (de R$ 3,7 mil a R$ 4,6 mil) e 27,5% (acima de R$ 4,6 mil). A medida diminuiria o tamanho da perda de arrecadação e impediria que contribuintes com maior renda no final da tabela (alíquota de 27,5%), por exemplo, fossem muito beneficiados pela medida. Isso porque as alíquotas não são cobradas integralmente sobre os rendimentos. Quem ganha R$ 4 mil por mês, por exemplo, não paga 22,5% sobre toda a parte tributável do salário. Os “primeiros” R$ 1.903,98 são isentos. O que passar desse valor, e não superar os R$ 2.826,65, é tributado em 7,5%. E assim sucessivamente. Uma das críticas de uma correção da tabela geral na mesma proporção é a perda de arrecadação grande num cenário de restrição fiscal. Além disso, a medida não aumenta a chamada progressividade (o que faria com que quem ganha mais pagasse proporcionalmente mais) do sistema tributário brasileiro. Por outro, um dos riscos é não atender inteiramente à promessa do presidente de agradar a classe média. Fontes informaram que está próxima a decisão que será incluída na projeto, mas é provável que o texto não seja finalizado nesta quarta-feira, 23, para atender ao pedido do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). O projeto deve manter a isenção dada hoje sobre o ganho das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA). A equipe econômica defende o fim da isenção, mas a pressão política e do mercado tem sido grande para mantê-la. Até o momento, prevalece a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de taxar a tributação de lucros e dividendos com 20% e uma faixa de isenção de R$ 20 mil por mês e o fim do chamado Juros sobre Capital Próprio (JCP). Esse instrumento é uma forma de as empresas remuneram seus investidores que pode ser abatida como despesa fazendo a empresa pagar menos IR. A proposta prevê uma redução da alíquota do IR das empresas de 25% para 22,5% em 2022. Em 2023, a alíquota cai mais, para 20%. Também haverá tributação dos fundos fechados exclusivos usados para investimentos dos super ricos. O que muda no Imposto de RendaPessoa físicaO governo deve aumentar a faixa de isenção de R$ 1,9 mil para cerca de R$ 2,4 mil. Todos os contribuintes, até quem ganha mais de R$ 2,4 mil, são beneficiados. As alíquotas não são cobradas integralmente sobre os rendimentos. Quem ganha R$ 4 mil por mês, por exemplo, não paga 22,5% sobre toda a parte tributável do salário. Hoje, os ‘primeiros’ R$ 1.903,98 são isentos. É esse valor que deve subir para R$ 2,4 mil. EmpresasA alíquota do IRPJ vai cair de 25% para 20%. Haverá um escalonamento de dois anos: 2,5 pontos no primeiro e a outra metade no segundo ano. A alíquota da CSLL, que também incide sobre o lucro, de 9%, não será alterada. Lucros e dividendosA distribuição de lucros e dividendos, remuneração que os acionistas recebem pelo capital investido na empresa, não é tributada desde 1995. A proposta fixa uma alíquota de 20% e define uma faixa de isenção de R$ 20 mil por mês (ou seja, até esse valor, o investidor não pagará imposto). Hoje, as companhias de capital aberto (com ações na Bolsa), são obrigadas a distribuir pelo menos 25% do seu lucro líquido. Juros sobre Capital PróprioÉ uma forma de as empresas remunerarem seus investidores que pode ser abatida como despesa fazendo a empresa pagar menos IR. A ideia é acabar com esse mecanismo. Assim como os dividendos, os juros sobre capital próprio nada mais são que a distribuição dos lucros de uma empresa de capital aberto (que tem ações na Bolsa) aos seus acionistas. No entanto, neste caso existe a cobrança de 15% de Imposto de Renda sobre esse valor. Esse imposto é retido na fonte, ou seja, recolhido à Receita Federal antes de ser distribuído. OESTADO DE S. PAULO

Com lobby da indústria, Câmara avalia retomar barreira a produtos importados

Uma articulação na Câmara tenta aprovar a possibilidade de recriação de barreiras comerciais para a entrada de produtos estrangeiros no País. A iniciativa contraria posição do Ministério da Economia, que conseguiu acabar com a prática em janeiro e editou uma medida provisória (MP) para que o chamado “preço de referência” fosse proibido. É essa MP que o Congresso quer usar para impor novamente esse modelo, que vigorou no País há mais de 70 anos e é considerado ilegal pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo identificou mais de 10 emendas ao texto da MP que trata de ações para a melhoria do ambiente de negócio que invertem o teor original. Uma delas substitui o “fica vedado” do texto original por “fica autorizado” o “preço de referência”. Críticos do mecanismo que define um preço mínimo para os produtos importados dizem que trata-se de um atalho da indústria para conseguir barrar concorrentes de forma rápida, por meio de procedimentos pouco transparentes e fazendo uso de sua influência sobre a burocracia estatal. Sem previsão legal, o “preço de referência” é praticado no Brasil desde os anos de 1950. A decisão para qual produto haverá esse tipo de barreira é política. Representantes da indústria apresentam para o governo suas queixas sobre preços não competitivos e tentam convencer o Ministério da Economia, particularmente a área de Comércio Exterior, a impor a barreira. Entre os exemplos de produtos que já tiveram “preço de referência” para entrar no Brasil estão cobertor, óculos, escovas para cabelo, pneus, camisas, tecidos, produtos siderúrgicos, máquinas e equipamentos. “É uma forma disfarçada de protecionismo”, diz ao Estadão o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz. Ele chama atenção para o risco de abertura de um processo na OMC contra o Brasil se essa prática for mantida. Em 1999 os EUA e a União Europeia abriram consulta na OMC argumentando que o mecanismo brasileiro para proteger a indústria nacional era desleal, desrespeitando acordos internacionais. Na fase de consultas prévias à abertura do painel da OMC, o Brasil recuou e deixou de aplicá-lo às importações provenientes dos EUA e da União Europeia. Mas passou a concentrar o uso do preço de referência nas importações vindas da Ásia, o que foi mantido até janeiro deste ano. “O importador é obrigado muitas vezes a aumentar o preço para conseguir passar por esse mecanismo e tudo isso acaba onerando tanto o consumidor brasileiro”, diz Ferraz. A indústria alega que esse mecanismo é para combater a prática desleal de comércio porque o produto importado chega muito barato no Brasil por ser subfaturado e por fraudes. Já o Ministério da Economia argumenta que a Receita já faz esse controle com as melhores práticas internacionais, como, por exemplo, seguindo o acordo de valoração aduaneira da OMC. E a área de defesa comercial atuando no combate com ações como medidas antidumpings (prática comercial que consiste em vender produtos a preços menores que os custos para eliminar concorrentes). O Brasil é o quarto País no mundo que mais aplica medidas antidumping como proteção na sua indústria, mas não está nem mesmo na lista dos 27 maiores importadores. ProtecionismoO embasamento legal para a equipe econômica extinguir a prática foi o artigo da lei de liberdade econômica, que trata do abuso de poder econômico. Foi feito um acordo com a indústria para extinguir de forma faseada, em 3 meses, o que ocorreu entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. O relator da MP, Marco Bertaiolli (PSD-SP), antecipou que vai retirar o artigo proibindo a prática no seu relatório. “Estão proibindo algo que não é permitido”, pondera. Segundo ele, o acordo que está sendo construído é para excluir esse trecho para não comprometer toda a MP e a discussão deve ser feita adiante. “As indústrias brasileiras não querem que essa prática seja proibida”, admitiu. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), Fernando Pimentel, defende a retirada do artigo e cobra mecanismos efetivos de controle das irregularidades. Pimentel refuta a ideia de protecionismo: “É legítimo que as coisas sejam debatidas visando o combate à fraude. Fizemos propostas para melhorar o nosso ponto de vista. Esse artigo não precisa existir”. Segundo ele, o que está sendo discutido são mecanismos que possam de forma legal enfrentar importações com indícios de irregularidades. Para o economista do Insper Marcos Mendes, a indústria nacional usa sempre do mesmo “modus operandi”. “Quase sempre são os mesmos segmentos, têxtil, máquinas, equipamentos, automobilística, química, pneumáticos ”, diz. Mendes lembra que o setor já tem a proteção prevista no Mercosul. “As regras do bloco já são uma barreira enorme para a entrada de produtos estrangeiros ”, critica. O ESTADO DE S. PAULO

O recente debate fiscal (Gilberto Borça Jr)

Após a divulgação do PIB do 1º trimestre, acirrou-se o debate fiscal no Brasil em função da alta do PIB nominal. A “inflação do PIB”, isto é, a variação do deflator do PIB, foi bem superior à do crescimento real. Um PIB nominal maior leva a uma melhoria pontual dos principais indicadores de política fiscal no Brasil: a dívida (líquida ou bruta) e o resultado primário como proporção do PIB. Mas qual é, afinal de contas, a polêmica em torno do assunto? Há três linhas de argumentação. Um primeiro grupo defende que a melhoria fiscal aconteceu meramente em função da aceleração da inflação. Esse fato seria responsável não apenas por reduzir o valor real do estoque da dívida, mas por elevar a arrecadação tributária. Advertem que o governo voltou a ser “sócio da inflação”, expediente utilizado no período de alta inflação no Brasil. Entendem que os efeitos serão transitórios e que nada mudou de maneira estrutural no processo de consolidação fiscal brasileiro. Dessa forma, apesar da menor relação dívida/PIB a curto prazo, sua trajetória de longo prazo não foi alterada, pois o governo não recuperou a capacidade de geração de superávits primários. A alta da inflação vai ensejar aumentos dos juros cobrados sob o estoque da dívida, o que tende a piorar sua perspectiva de trajetória futura. Existe um segundo grupo que ressalta que há um aumento importante do espaço fiscal de curto prazo, pois o maior PIB nominal – mesmo via aumento da inflação – reduziu o ponto de partida da relação dívida/PIB. Há pouco tempo, por exemplo, as projeções de dívida bruta para o final de 2021 situavam-se entre 95% e 100% do PIB. Atualmente estão em 82-83%. Essas condições iniciais são importantes. A alta da inflação não teria relação com as políticas do governo, mas sim com o cenário global, em que há forte retomada das maiores economias do planeta, com impacto altista nos preços das commodities. Esse fato beneficiou o Brasil via elevação dos termos de troca e, em última instância, elevou o deflator do PIB. Isso não seria necessariamente um problema, até porque o BC já vem elevando a Selic visando combater a alta de preços. Assim, a melhoria de curto prazo do cenário fiscal teria decorrido de “ventos favoráveis” do cenário externo. No terceiro grupo predomina a visão de que o maior espaço fiscal de 2021 não se reduz apenas à aceleração da inflação, mas sim a uma combinação entre maior inflação, maior crescimento real do PIB e às reformas institucionais implementada nos últimos anos. Embora a inflação seja importante nesse processo, as expectativas de crescimento no curto prazo estão acelerando, e os marcos institucionais implementados nos últimos anos ensejam uma trajetória mais parcimoniosa das despesas frente ao aumento da arrecadação. Dentre esses marcos legais estariam a reforma do crédito direcionado, o teto de gastos, a reforma da previdência, dentre outras. Essa é a visão defendida pelos “governistas”. Tentando lançar luz nesse debate, recorremos aos fatores condicionantes da variação da razão entre dívida líquida do setor público e o PIB (DLSP/PIB) ao longo do tempo. Primeiro, salta aos olhos que a despesa líquida de juros nominais foi sempre positiva ao longo de todo período. Isso significa que o pagamento de juros do governo brasileiro em decorrência de seus passivos é estruturalmente superior ao recebimento de juros advindo de seus ativos. Já o resultado primário contribuiu para reduzir o endividamento público entre 2002 e 2013. A partir do final de 2014, o cenário se inverte. Nem a introdução do novo regime fiscal em 2016 garantiu a volta dos superávits primários. A pandemia da covid-19, e toda expansão fiscal dela decorrente, levou a um amplo déficit primário em 2020. Outro fator que chama atenção é o PIB nominal. Enquanto o deflator do PIB contribuiu para redução da relação DLSP/PIB durante todo o período 2002-2021, o PIB real, a partir da desaceleração de 2014, da recessão de 2015-16 e do baixo crescimento desde 2017, passou a ter contribuição bem menor frente ao período 2002-2013. Já o ajuste cambial representa os ganhos e/ou perdas patrimoniais advindos da variação da taxa de câmbio sob os ativos e passivos do governo em moeda estrangeira. A partir de 2006, quando o país se tornou credor externo líquido, movimentos de depreciação cambial passaram a contribuir para redução da razão DLSP/PIB, ao passo apreciações cambiais atuaram no sentido contrário. Chama atenção a diferença dos efeitos da depreciação cambial na DLSP quando se compara o ano de 2002 com os de 2015, 2018 e 2020. Acumular reservas internacionais elimina um importante canal de transmissão entre crises cambiais e fiscais. Os demais fatores condicionantes classificados como ‘Outros’ (reconhecimentos de passivos contingentes, privatizações, ajuste de paridade e de caixa e competência), tiveram pouca influência na determinação da dinâmica dívida líquida. Até abr/2021, houve queda de 2,9 p.p. da relação DLSP/PIB frente ao final de 2020 (de 62,7% para 59,8%), com as seguintes contribuições: i) deflator do PIB: -2,0 p.p.; ii) primário: -1,0 p.p.; iii) ajuste cambial: -0,7 p.p.; iv) PIB real: -0,6 p.p.; v) outros ajustes e termo cruzado: 0,0 p.p. e vi) juros líquidos: +1,5 p.p.. Embora o deflator do PIB tenha sido o principal fator a contribuir para a redução da razão dívida/PIB em 2021, e certamente será relevante até o final do ano, não se trata de algo tão fora dos padrões históricos brasileiros. A recuperação da economia reduzirá o déficit primário e a alta do PIB real também será importante nesse processo. A elevação da Selic tende a contribuir para o crescimento da dívida via aumento da despesa com juros, e os movimentos do câmbio levam a posições parcialmente compensatórias entre fluxos (resultado dos swaps cambiais) e estoques (ganho e/ou perda patrimonial). Portanto, o maior espaço fiscal de curto prazo advindo dos “ventos favoráveis” do cenário externo pode, por um lado, dar mais margem de manobra para o governo atenuar os efeitos da pandemia, mas, por outro lado, não reduz a necessidade de consolidação fiscal de médio/longo prazo. Gilberto Borça Jr.

Melhora das projeções para relação dívida/PIB é um indicador da consolidação fiscal (Adolfo Sachsida)

calculator, calculation, insurance

Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que a inflação é um processo deletério para o bem-estar de toda a sociedade, pois torna o ambiente de negócios menos previsível, aumenta os custos informacionais, eleva o risco país, piora a qualidade do investimento ao dificultar o correto cálculo econômico de projetos e agrava a desigualdade de renda e a pobreza. Em segundo lugar, ressalta-se que o Brasil é, talvez, o único país que aprovou medidas legislativas e constitucionais visando a controlar o gasto público durante o processo pandêmico. Por óbvio, recursos à saúde e à compra de vacinas sempre foram plenamente disponibilizados. Em terceiro lugar, a política econômica do governo tem se norteado pelo binômio consolidação fiscal e reformas para aumento da produtividade, que são pilares para o crescimento econômico sustentável de longo prazo. No momento atual, inclui-se, também, a necessidade de vacinação em massa da população como norte de política econômica. Um dos principais indicadores da consolidação fiscal é a recente melhora das projeções para a relação dívida/PIB, que pode ficar abaixo de 84% ao fim deste ano. O papel da inflação sobre essa melhora tem sido motivo de debate entre os analistas. Está correto que, no curtíssimo prazo, a inflação mantém inalterada parcela expressiva da despesa nominal, mas eleva a receita nominal do governo. Isso melhora o resultado primário. Além disso, a inflação eleva também o PIB nominal. Por outro lado, a indexação decorrente da inflação e a pressão por aumento de gastos públicos rapidamente corroem qualquer efeito positivo da inflação sobre o processo de consolidação fiscal. Efeitos inflacionários em curto espaço de tempo afetam negativamente o PIB e os custos de rolagem da dívida, piorando assim a própria relação dívida/PIB. De todo modo, é preciso destacar que as diversas medidas de consolidação fiscal postas em prática pelo governo desde 2019 desempenham papel fundamental na redução do endividamento do País. A reforma da Previdência foi apenas a mais visível delas. A manutenção do teto de gastos, num cenário de forte pressão fiscal, representa uma vitória tão grande ou até maior do que a sua aprovação. Além disso, mesmo durante a pandemia, um novo marco fiscal foi aprovado com um conjunto de leis complementares. A LC 173 impediu o aumento de salário para funcionários públicos em 2020 e 2021; a 176 resolveu o passivo da Lei Kandir; a 178 estabeleceu gatilhos para estados e municípios e melhorias na LRF; a emenda constitucional 109 – a PEC Emergencial – desvinculou recursos de fundos, que puderam assim aumentar a reserva de liquidez para o pagamento da dívida, e trouxe mecanismos de controle de gastos para a União, Estados e municípios, entre outros avanços. No conjunto, essas medidas refletem a preocupação com a estabilização da relação dívida/PIB e a consequente consolidação fiscal. Pelo lado monetário, resoluções do Conselho Monetário Nacional reduziram consistentemente a meta de inflação para 2022 e 2023, e políticas monetária e fiscal coerentes com esse ajuste foram implementadas. Como resultado, a inflação, ainda que esteja momentaneamente acima da meta, deve convergir para ela. A expectativa de inflação está ancorada, o que rechaça qualquer possibilidade de processo inflacionário e reafirma que a estratégia de obter equilíbrio fiscal por meio de ajustes nos gastos estruturais é crível. As expectativas de inflação ancoradas mesmo em cenário adverso, o risco país em patamares mais baixos do que em períodos similares de crise e as taxas de juros aquém da média histórica refletem um amplo esforço do governo para aprimorar e manter sólidos os fundamentos econômicos. Em resumo, a trajetória sustentável da relação dívida/PIB reflete muito mais uma orientação de política econômica do que uma transitória alta inflacionária. Ou será que precisamos recorrer a um passado não tão distante para nos lembrarmos de que inflação alta não embute consolidação fiscal? *SECRETÁRIO DE POLÍTICA ECONÔMICA DA SECRETARIA ESPECIAL DE FAZENDA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA O ESTADO DE S. PAULO

Vacinação e a proteção de dados sensíveis (Marcela Gambardella)

syringe, shot, medicine

Frente ao avanço da pandemia da covid-19 e seus danos extremos, muito vem sendo discutido sobre as adaptações necessárias para assegurar uma nova realidade. À proporção que países têm sido bem-sucedidos na imunização da população, medidas circunstanciais vêm sendo propostas. Grande parte dessas medidas envolvem direitos fundamentais conflitantes e exigem um esforço comum dos Estados para estabelecerem limites éticos ao apreciar a implementação de modelos disruptivos na retomada da livre circulação. No contexto da vacinação, há diversas tendências a serem analisadas. Recentemente, o debate sobre a implementação de programas de certificados de vacinação como pré-requisito para circulação de pessoas está em evidência. Apesar de ser frequentemente chamada de “passaporte de vacinação”, vale destacar que a medida não está relacionada a viagens internacionais exclusivamente. Os certificados podem ser solicitados em ambientes públicos ou privados, seja em uma casa de shows ou em uma estação de trem, afirmam especialistas. O tratamento de dados sensíveis deve ser visto como um risco e, para que seja mitigado, há que se tomar decisões prudentes Nesse sentido, o exemplo mais efetivo é o de Israel. O país lançou um passaporte de vacinação como forma de se reerguer dos efeitos de um longo lockdown. Foi liberado um aplicativo para que a pessoa já vacinada disponibilize alguns dados que servem como prova de que ela não é um potencial risco para ambientes comuns. É possível demonstrar se a pessoa já foi vacinada, se já se recuperou do vírus e, ainda, apresentar testes negativos recentemente feitos pela pessoa. Apesar de seu potencial promissor, a medida adotada apresenta muitos obstáculos e ainda não é possível prever suas implicações em um cenário global, motivo pelo qual vem sendo bastante criticada. Alguns apontam que os passaportes de vacinação fundam-se em preceitos discriminatórios, visto que fatores sociais são substanciais para se ter acesso à vacina. A crítica se fortalece, ainda, na discussão sobre privacidade e proteção de dados. Os passaportes de vacinação têm a capacidade de revelar dados sensíveis. Os certificados podem revelar informações que atingem a privacidade do titular e que podem estar desatualizados, estando mais vulneráveis a vazamentos. Cumulativamente, pelo fato do aplicativo não ser desenvolvido por código aberto, terceiros especialistas não podem verificar o nível de exposição e segurança das informações. Alguns já argumentam que o uso sem precedentes desses instrumentos de controle pode ser uma nova catástrofe. A União Europeia também já aprovou um modelo de passaporte de vacinação, nomeado como “certificado verde digital”. De acordo com a Comissão Europeia, o sistema coleta apenas “informações essenciais”, com a finalidade de facilitar o trânsito livre e seguro de pessoas entre países europeus, sem o intuito de limitar o exercício da liberdade de circulação. As informações contidas no certificado terão sua autenticidade verificada através de um QR Code e serão disponibilizadas no idioma oficial do Estado-membro emissor e em inglês. Nessa direção, há indícios de que, desde o início da pandemia, a Apple e o Google estejam colaborando em criar padrões para rastrear a exposição ao vírus por meio de smartphones. A IBM recentemente lançou um passe digital de saúde, a princípio para colaborar com o Estado de Nova Iorque, que usa a https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg de blockchain para verificar as credenciais de vacinação e testes. No Brasil, ainda é cedo para fazer uma análise mais factível da implementação das medidas em questão. Entretanto, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), pontuou que não há vedação para a adoção de medidas restritivas indiretas, como o “impedimento ao exercício de certas atividades ou a proibição de frequentar determinados lugares para quem optar por não se vacinar”. Conjuntamente, foi ressaltada a possibilidade de que, no âmbito municipal, medidas sejam estabelecidas em shopping centers e restaurantes, por exemplo. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também abrange a categoria designada como dados pessoais sensíveis, que são informações que podem se relacionar a situações de vulnerabilidade e discriminação. Dados referentes à saúde estão incluídos nesse rol e, portanto, merecem uma atenção especial. O vazamento de tais dados são capazes de ocasionar danos ainda maiores para os titulares desses dados e para os responsáveis por esse vazamento. Assim, o tratamento de dados sensíveis deve ser visto como um risco e, para que seja mitigado, há que se tomar decisões prudentes e coordenadas. Por fim, ainda que existam desafios éticos e legais, a aposta de especialistas é de que essas exigências serão práticas comuns ao redor do mundo e, sobretudo, essenciais para o restabelecimento de uma realidade favorável em um mundo pós-pandemia. Faz-se necessário observar as ações dos setores públicos e privados, para garantir que exista uma regulamentação dessas medidas, se preciso for, e que o princípio da equidade seja respeitado. Marcela Gomes Gambardella é advogada das áreas de direito digital e proteção de dados da Roncato Advogados VALOR ECONÔMICO