Mercado de trabalho fraco aprofunda a desigualdade

Indicadores sociais recentemente divulgados mostram novas facetas dos efeitos negativos da covid-19 e das graves falhas do governo no enfrentamento da pandemia. Em comum, eles têm a deterioração do mercado de trabalho, que resulta no aumento do desemprego, do desalento e da desigualdade, na piora da perspectiva de vida e na queda de renda, agravada agora pela elevação da inflação.

Um desses indicadores é o índice de miséria, que atingiu em maio o maior nível em nove anos, pico da série estimada pelo economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Calculado pela soma da taxa de inflação com a de desemprego, o indicador ficou em 23,4 pontos percentuais em maio, que pode superado neste mês. O cálculo leva em consideração que a inflação em 12 meses, medida pelo IPCA, chegou a 8,1% no mês passado, e o desemprego estimado atingiu 15,3%. O dado mais recente de desemprego divulgado pelo IBGE é de março, quando estava em 14,7%.

Outra pesquisa, esta feita pelo Centro de Estudos FGV Social, constatou que a renda média individual do trabalho despencou 11,3% do primeiro trimestre de 2020 para R$ 995, menos de um salário-mínimo, o menor nível da série histórica. O cálculo é feito pela média móvel de quatro trimestres. Sem levar em conta a média móvel, a queda da renda individual do trabalho foi 10,89% no primeiro trimestre de 2021. Entre os mais pobres, a redução foi ainda maior, de 20,81%.

Desse modo, a recuperação do PIB registrada no início deste ano não ocorreu de modo uniforme, mas ficou concentrada em um segmento limitado, ampliando a desigualdade. O levantamento do Centro de Estudos FGV Social constatou que o impacto da pandemia no mercado de trabalho levou a nível recorde a desigualdade da renda, medida pelo índice de Gini. No primeiro trimestre de 2020, o índice estava em 0,642. Já no primeiro trimestre deste ano, o indicador alcançou a marca de 0,674, a maior da série analisada. Quanto mais perto de 1 estiver o índice de Gini, maior é a desigualdade.

Em desdobramento da pesquisa, o Centro de Estudos FGV Social registrou as repercussões psicológicas, como maior insatisfação com a vida e aumento dos sentimentos de raiva, estresse, preocupação e tristeza, com maior frequência do que em outros países igualmente atingidos pela pandemia, em comparação feita com dados do Gallup World Poll. O principal determinante desses resultados é o mercado de trabalho. Desde a recessão de 2015 e 2016, o mercado de trabalho vem se deteriorando. A pandemia agravou o quadro, especialmente com a dizimação da ocupação informal e do emprego na área de serviços. A situação foi pior para os trabalhadores menos instruídos, que geralmente atuam nessas áreas.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que o número de horas trabalhadas pelos profissionais com ensino fundamental incompleto despencou 12,9% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, enquanto as pessoas com ensino superior completo trabalharam 11,7% mais. O levantamento mostra perda no número de horas trabalhadas também para quem tinha o ensino fundamental completo (6%) e ensino médio completo (4,1%).

A reversão desse quadro passa pela recuperação do mercado de trabalho, o que deve demorar. Espera-se que o desemprego até aumente à medida que o avanço da vacinação anime a busca por emprego pelos que conseguiram se isolar. Além disso, a recuperação que começa a dar sinais na economia é desigual e ainda não atinge setores que empregam mais mão de obra, inclusive não especializada, como o de serviços, construção civil e transporte.

A própria Secretaria de Política Econômica, do Ministério da Economia, projeta para este ano queda de 0,45% na população ocupada com carteira assinada e de 2,4% na renda real dos trabalhadores. Apesar disso, o governo parece despreparado ou sem disposição para lidar com esses problemas. Foi o que demonstrou ao demorar tanto para definir a extensão do auxílio emergencial no início do ano, ao acreditar que com a mudança do calendário a pandemia iria embora; e, agora, ao hesitar em reformular o Bolsa Família. Negligenciando o reforço das redes de proteção social, o governo é responsável pela volta do país ao mapa da fome, depois de ter ficado 17 anos fora dele.

VALOR ECONÔMICO

Compartilhe