Enquanto a crise se intensifica, Brasil reproduz práticas de um país sem rumo
Enquanto, em seu macabro curso, a crise sanitária se intensifica, o Brasil reproduz velhas práticas de um país sem rumo, que abomina o planejamento, trava batalhas verbais, extremadas e inconsequentes, e se encanta com chavões, especialmente os importados. É notória a grande volatilidade nos preços do petróleo, com repercussões sobre os combustíveis e, por consequência, toda a economia. É preciso, primeiramente, estabelecer um debate público sobre a formação dos preços dos combustíveis para, em seguida, tomar iniciativas, como talvez a ampliação do refino no País, e estabelecer mecanismos compensatórios à flutuação de preços, especialmente no campo tributário porquanto aqueles produtos são submetidos a um elevado ônus. Quando, no final da década de 1990, o Brasil decidiu eliminar o monopólio da Petrobrás na importação de combustíveis, configurou-se uma situação que encerrava dois problemas: a extinção da Parcela de Preço Específica (PPE), uma espécie inominada de tributo que a Petrobrás recolhia ao Tesouro, em virtude do exercício daquele monopólio, e um desequilíbrio tributário entre a produção doméstica e a importação de combustíveis, em desfavor daquela, porque sobre ela incidia o PIS/Cofins ao passo que, à época, essas contribuições não incidiam sobre as importações, configurando o que se denomina discriminação territorial inversa. Para corrigir o desequilíbrio e repor as relevantes perdas decorrentes da extinção da PPE, é que se apresentou proposta que resultou na Emenda Constitucional (EC) n.º 33, de 2001, facultando a instituição de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) nas atividades de importação e comercialização de petróleo, gás natural e seus derivados, e álcool combustível. A alíquota da Cide poderia ser diferenciada por produto ou uso e reduzida ou restabelecida, a qualquer tempo, por ato do Poder Executivo. O produto de sua arrecadação seria destinado a subsidiar preços ou transporte de combustíveis ou, então, a financiar projetos ambientais ou de infraestrutura de transportes. Na mesma EC n.º 33, previu-se a possibilidade de os Estados fixarem, mediante convênio, alíquotas aplicáveis àqueles produtos, uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto e específicas por unidade de medida adotada, o que as tornaria menos vulneráveis às variações nos preços do petróleo. Já a Cide poderia ser utilizada como uma câmara de compensação para os preços daqueles produtos, aumentando a alíquota quando o preço do petróleo caísse e diminuindo quando ocorresse o contrário. Afora isso, poderia subsidiar diretamente o preço ou o transporte de combustíveis. Como é recorrente neste país, a marcha da insensatez se fez presente. A faculdade conferida aos Estados jamais se efetivou. A EC n.º 42, de 2003, ao dar nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 150 da Constituição, eliminou a flexibilidade para ajustes na Cide. A EC n.º 44, de 2004, por sua vez, estabeleceu a partilha da arrecadação da Cide com os Estados e municípios, desconsiderando sua natureza estritamente regulatória. Por fim, a Cide foi reduzida a zero. Hoje, quando ocorre uma perversa combinação de elevação do dólar e dos preços do petróleo e não tendo a Petrobrás recorrido à insensata política de controle de preços, constata-se que foram suprimidos meios para promover ao menos a mitigação da alta nos preços dos combustíveis. Em contrapartida, para minorar a alta nos preços, sem perda de arrecadação, optou-se por reduzir a zero o PIS/Cofins incidente sobre o diesel, por dois meses, e, por prazo indeterminado, sobre o gás de cozinha. Em 2020, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota única, e extingue em 6 meses, a contar da sanção da lei, o PIS/Cofins. Já escrevi sobre as impropriedades desse projeto, mas como ficaria o agora proposto tratamento diferenciado para o diesel e o gás de cozinha? Parece que há algo de errado em tudo isso. *CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002) O ESTADO DE S. PAULO
Senado aprova, em primeiro turno, PEC que retoma auxílio com contrapartidas fiscais
A equipe econômica conseguiu driblar a ameaça de desfiguração do teto de gastos, a principal âncora fiscal do País, e obteve no Senado Federal a aprovação em primeiro turno do texto-base da PEC emergencial, que vai recriar o auxílio a trabalhadores vulneráveis na pandemia limitado ao custo total de R$ 44 bilhões. Se de um lado o ministro Paulo Guedes saiu vitorioso por manter no texto os gatilhos para contenção de despesas no futuro, de outro o governo precisou se conformar com a retirada de pontos como o fim da obrigação de gastos mínimos em saúde e educação. A aprovação do texto-base teve apoio de 62 senadores, ante 16 contrários, no primeiro turno. Os chamados destaques (sugestões de alterações ao texto) foram rejeitados. Os senadores ainda vão analisar o texto no segundo turno, marcado para esta quinta-feira, 04. Em cada votação, é necessário o apoio de, no mínimo, três quintos do Senado, o correspondente a 49 de 81 senadores. Depois, a PEC segue para a Câmara dos Deputados, onde vai direto para votação em plenário. O resultado veio no fim de um dia de grande tensão dentro do governo diante da ameaça de fatiar a PEC e votar apenas a autorização para o auxílio (o que foi rejeitado pelos senadores) e manobras para furar o teto (regra que limita o avanço das despesas à inflação) para além dos gastos com a pandemia. A equipe de Guedes precisou agir para evitar uma desfiguração do texto. Lideranças do Senado queriam retirar R$ 34,9 bilhões em despesas com o programa Bolsa Família do alcance do teto, o que abriria espaço na regra para mais gastos com emendas indicadas por parlamentares e investimentos em obras às vésperas de ano eleitoral. A tentativa fez derreter os principais indicadores do mercado financeiro, o dólar chegou a bater R$ 5,76 e criou-se um clima de desconfiança em relação aos rumos da votação. Nos bastidores, o time de Guedes precisou agir e travou uma verdadeira batalha com a ala política em torno da questão. A revolta foi tão grande que houve ameaça de novas baixas na equipe. Autoridades passaram a temer uma “destruição estrutural” das regras fiscais. O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, alertou que o “truque contábil” poderia ampliar a desconfiança com a sustentabilidade do País, levando o Banco Central a acelerar o passo no aumento dos juros. “Uma PEC que deveria aumentar a confiança do arcabouço de ajuste fiscal do país corre o risco de ser percebida apenas como um instrumento para flexibilizar o teto dos gastos”, disse. O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, que também já integrou a equipe de Guedes, avaliou que o cenário para a votação se deteriorava rapidamente e alertou que, com o Bolsa Família fora do teto, o “céu é o limite”. “Esse valor pode ser qualquer coisa”, afirmou. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, Guedes esteve com o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas nesta quarta-feira, 3, para discutir o impasse. No encontro, foi discutida a possibilidade de edição de uma Medida Provisória para o pagamento do auxílio sem aprovação da PEC. O próprio ministro do TCU sinalizou essa possibilidade em postagem no Twitter, numa tentativa de alertar para os prejuízos de fragilizar o teto. Uma das linhas de negociação agora é usar a economia de recursos do Orçamento do Bolsa Família nos quatro meses de concessão do auxílio para reforçar o programa no segundo semestre. No fim do dia, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tratou que pôr fim aos rumores de manobra extrateto. “Não há a intenção nem a vontade, nem eu acredito que aconteça nenhuma votação de PEC no Senado e na Câmara que ameace o teto de gastos”, disse. Crise de confiançaApesar de a equipe econômica ter conseguido desmontar a articulação para tirar o Bolsa Família do teto de gastos, no mercado financeiro a sensação é de que o País está na porta de uma crise de confiança, mesmo que a âncora fiscal resulte intacta ao fim da votação. Os episódios envolvendo a desoneração do diesel, a demissão do presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, a lentidão na compra de vacinas reforçam essa percepção negativa. A necessidade de atuação mais frequente do Banco Central para conter a volatilidade do câmbio é apontada como uma evidência do momento crítico. No Congresso, não se descarta a possibilidade de algum destaque alterar o texto de última hora para ampliar o rol de despesas livres do alcance do teto. Na última semana, foram quatro pareceres oficiais, sem contar as inúmeras minutas elaboradas para “testar” alterações mais polêmicas, o que dá uma dimensão do vaivém em torno da proposta. O próprio relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), indicou que não teria problema em incluir novas permissões, embora tenha mantido até agora o desejo da equipe econômica de preservar a âncora fiscal. “Se o programa social Bolsa Família tivesse que ficar fora do teto, eu não teria dificuldade de relatar e defender”, disse no plenário. “Mas fazemos uma PEC que não extrapola os limites que a Economia neste momento acha que são fundamentais”, ponderou. O parecer de Bittar autoriza o governo a conceder uma nova rodada do auxílio emergencial e cria dois novos marcos fiscais: a emergência fiscal, quando a despesa elevada pressiona as finanças de União, Estados e municípios, e a calamidade nacional, quando há situações como a pandemia de covid-19. Em ambas, são acionados automaticamente gatilhos para contenção de gastos com salários de servidores, criação de cargos e subsídios. Pela emergência fiscal, porém, os gatilhos só devem ser acionados entre 2024 e 2025, segundo previsão do secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal. Isso coloca o ajuste em um cenário ainda longínquo para o governo do presidente Jair Bolsonaro. Ele poderia, por exemplo, conceder reajustes salariais em 2022, ano de eleição. Mansueto foi um dos que criticaram a ausência de medidas mais duras de ajuste no curto prazo, embora tenha ressaltado que a aprovação da PEC é uma “excelente
Auxílio emergencial deve variar entre R$ 150 e R$ 375 e ser pago por família
A nova rodada do auxílio emergencial deve beneficiar 45 milhões de brasileiros, mas ao mesmo tempo deve restringir os valores e o número de contemplados por família, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A versão mais recente da minuta de medida provisória que recria o programa prevê quatro parcelas mensais, em valores que vão de R$ 150 a R$ 375. Além da cota de R$ 250 mensais, que será paga à maior parte dos vulneráveis alcançados pelo programa, o governo prevê outras duas cotas: de R$ 150 para famílias compostas por apenas uma pessoa e de R$ 375 para mulheres que são as únicas provedoras de suas famílias. O governo ainda pretende restringir o pagamento do auxílio a uma pessoa por família, ao contrário da rodada de 2020, quando até dois integrantes da mesma família podiam ser contemplados. A MP está sendo preparada para publicação logo após a aprovação da PEC emergencial pelo Congresso Nacional. A mudança constitucional é colocada como precondição pela equipe econômica para poder destravar a nova rodada do benefício. A PEC livra o auxílio de amarras fiscais e autoriza a abertura de um crédito extraordinário para bancar o custo extra com o programa, sem esbarrar no teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Brasileiros que eram elegíveis ao auxílio em dezembro de 2020 estão no público-alvo da nova rodada, a não ser que tenham conseguido emprego formal ou estejam recebendo outro tipo de benefício previdenciário, assistencial ou trabalhista. Custo total da nova rodada pode chegar a R$ 40 bilhõesO custo extra com a nova rodada do auxílio emergencial deve ficar entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões, segundo estimativa do governo apurada pelo Estadão/Broadcast. Se confirmado, o valor será maior que os R$ 30 bilhões adicionais previstos inicialmente para bancar a retomada do programa. Os recursos adicionais ficam fora do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação. Relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) prevê limite de até R$ 44 bilhões para o auxílio fora do teto, mas, segundo uma fonte ouvida pela reportagem, o governo trabalha para limitar o custo extra a R$ 40 bilhões. O ESTADO DE S. PAULO
Itaú demite 50 funcionários que pediram auxílio-emergencial indevidamente
O Itaú Unibanco emitiu um comunicado interno nesta quarta-feira, no qual informa ter demitido funcionários que, mesmo empregados, pediram o auxílio emergencial criado pelo governo durante a pandemia. Cerca de 50 profissionais foram desligados. Não pode. O banco alegou desvio de conduta, motivo que entra como justa causa. “Satisfazer interesses particulares em detrimento do bem comum é inaceitável”, afirma o banco, no comunicado. “Não nos restou outra alternativa senão o desligamentos desses colaboradores.” O ESTADO DE S. PAULO
Fatia de mulheres em liderança cai no Brasil, e elas ganham 77,7% do salário dos homens
A fatia de mulheres em cargos de liderança no país caiu. Apesar de mais anos de estudo e frequentarem mais a escola, elas ocupavam 37,4% dos cargos gerenciais e recebiam apenas 77,7% do rendimento dos homens em 2019, segundo a pesquisa “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgada hoje pelo IBGE. Na última edição da pesquisa, publicada em 2018 com dados de 2016, elas ocupavam 39,1% desses postos de trabalho, enquanto os homens preenchiam 60,9% das vagas. O rendimento se manteve praticamente inalterado no período. Naquele ano, elas ganhavam 77,5% do salário dos homens. A pesquisa traz dados sobre trabalho, renda, educação, saúde e diretos humanos. Cargos de nível gerencial exigem mais responsabilidade e, por isso, são mais bem remunerados. Como ocupam vagas mais baixas na hierarquia, as mulheres acabam ganhando menos que os homens, uma situação que, avaliam especiaistas, deve ter se agravado na pandemia. Em 2020, o saldo entre abertura e fechamentos de vagas com carteira ficou negativo para mulheres, mas positivo para os homens, segundo dados do Cadastro Geral de Empregos (Caged). Mais mulheres chegam à universidadeA barreira no acesso a degraus mais altos na hierarquia ocorre apesar da maior frequência escolar e nas universidades entre as mulheres. Segundo o IBGE, uma jovem de 18 a 24 anos tinha, em 2019, cerca de 38% mais chances de frequentar ou já ter terminado o ensino superior do que um homem da mesma faixa etária. A diferença entre a presença feminina e a masculina nas universidades só aumenta. Naquele ano, 19,4% das mulheres tinham ensino superior, ao passo que, entre os homens, apenas 15,1% tinham diploma. Em 2016, 15,3% das mulheres eram graduadas contra 13,5% dos homens. O IBGE ressalta, porém, que sob a ótica de mais longo prazo, há uma melhora no rendimento feminino. Em 2012, ele correspondia a 73,6% da renda dos homens — ou quato pontos percentuais a menos que o registrado em 2019 Pouca representação na políticaA baixa representação feminina se repete na vida pública. Um indicador que mede o percentual de parlamentares mulheres em exercício mostra que a participação delas no país passou de 10,5%, em dezembro de 2017, para 14,8%, em setembro de 2020. No entanto, o Brasil é o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres exercendo mandato parlamentar na Câmara dos Deputados e está na 142ª posição de um ranking com dados para 190 países. Como as mulheres são maioria na população brasileira, a sub-representação é expressiva. E continua nos governos locais: em 2020, somente 16% dos vereadores eleitos eram mulheres. O mesmo desequilíbrio é observado na vida acadêmica. O percentual de mulheres entre docentes do ensino superior passou de 43,2% em 2003 para 46,8% em 2019 – um avanço de menos de 3% em 16 anos. O GLOBO
Renda média do brasileiro regride a 2009, escreve Vinicius Torres Freire
A renda do brasileiro regrediu ao nível de 2009. Quer dizer, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de 2020 foi similar ao daquele ano da década passada. PIB per capita: o valor da produção ou da renda dividido pela população. Na verdade, a situação socioeconômica é pior: há mais desemprego e pobreza. No ano passado, o PIB per capita diminuiu 4,8%. Baixas piores do que essa haviam ocorrido apenas em 1983 (recessão final da ditadura militar) e 1990 (recessão do Plano Collor). Vai demorar para que a renda média volte pelo menos ao nível registrado no ano de 2014 (anterior ao do início da grande recessão, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff). Se o Brasil crescer 3,5% neste 2021 e 2,5% nos anos seguintes, o PIB (renda) per capita volta ao valor de 2014 apenas em 2026. Mais do que uma década perdida em termos de PIB, sem contar os desastres sociais e a degradação da capacidade produtiva (crescimento mínimo da infraestrutura, desqualificação dos trabalhadores, atraso tecnológico etc.) Por que apenas 2,5% de crescimento ao ano, no futuro visível? Seria mais ou menos a capacidade atual de a economia brasileira crescer. Para ser mais, teria de haver aumentos de eficiência e/ou capacidade de investimento. É um chute informado, digamos. Pode ser que a capacidade básica ou média de crescimento tenha diminuído nestes anos. FOLHA DE S. PAULO
Organização e recuperação, desorganização e recessão (Werther Vervloet e Ricardo Denadai)
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou crescimento de 3,2% no quarto trimestre de 2020 em relação ao anterior (feito o ajuste sazonal), totalizando uma queda de 4,1% no ano fechado. Pelo lado da oferta, houve expansão de 1,9% da indústria, que termina o ano em nível 1,2% acima do registrado no quarto trimestre de 2019, antes da pandemia. O setor de serviços também apresentou bom crescimento, de 2,7%. Mas ainda 2,3% abaixo do nível observado pré-pandemia. Apesar da contração do PIB em 2020, este resultado pode ser considerado como positivo se compararmos com as previsões feitas no pior momento da crise, quando chegou-se a projetar contrações próximas a dois dígitos. Os programas de combate aos efeitos da pandemia, apesar de magnitudes questionáveis, funcionaram como potentes anabolizantes e foram eficazes em impedir que as projeções mais pessimistas se concretizassem. Entretanto, apesar do fim de ano auspicioso para atividade em 2020, o início de 2021 não se mostra tão promissor, e a principal razão é a nossa incapacidade de nos organizar. Além do efeito contracionista da queda da renda disponível das famílias em razão do fim do auxílio emergencial, houve piora significativa nos indicadores relacionados à pandemia, com forte aumento do número de novos casos, óbitos e de utilização hospitalar. Portanto, há uma piora dos indicadores de mobilidade no início deste ano. Soma-se a isso um processo de vacinação ainda muito confuso e lento. Adicionalmente, vivemos um momento de elevada incerteza política e fiscal, promovendo uma desorganização relevante do ambiente econômico e das variáveis financeiras, com evidentes efeitos contracionistas. Pela conjunção desses fatores, acreditamos em uma contração de pelo menos 0,5% do PIB no primeiro trimestre deste ano ante o último do ano passado, com risco de observarmos uma queda ainda maior. E aumentaram as chances de vermos um segundo trimestre com nova contração do PIB. Para 2021, a expectativa é de um crescimento na casa de 3,5%, que é praticamente carregamento estatístico que o ano passado deixou para este ano, de 3,6%. Diante deste início de ano com ventos contrários, quais as perspectivas para o crescimento para os próximos trimestres? O país ainda possui, estruturalmente, condições de apresentar bom crescimento em 2021 e 2022. A crise vivida no ano passado não gerou dano permanente no balanço das empresas e das famílias. O nível de estímulo monetário é muito elevado e deve permanecer assim por um bom tempo, mesmo considerando o ciclo de normalização da política monetária que deve se iniciar em março. Além disso, o crescimento global será muito forte, o que, somado à nossa taxa de câmbio depreciada, deve ajudar nosso setor exportador. E o mundo vive um novo boom de commodities, o que também é favorável ao Brasil. Mas para que esses fatores positivos possam se manifestar, porém, é preciso nos organizarmos, com direcionamentos mais claros do presidente e comportamento responsável do Congresso. Primeiro, é absolutamente fundamental que o regime fiscal seja mantido, com a aprovação de uma PEC que garanta um mínimo de racionalidade econômica no pagamento da nova rodada do auxílio emergencial e que dê os instrumentos mínimos (gatilhos) para garantir o cumprimento do teto dos gastos nos próximos anos. O segundo ponto é relativo à pandemia. É crucial que a população com mais de 65 anos seja vacinada o mais rapidamente possível. Esse grupo é responsável por em torno de 70% dos óbitos por coronavírus e a experiência mundial nos mostra que, conforme a vacinação avança nessa parcela da população, os indicadores de internações e óbitos mostram melhora acentuada. O Brasil possui infraestrutura para realizar vacinação em massa e, caso o governo consiga garantir estoque suficiente de vacinas, a situação pode se reverter rapidamente. Com organização, poderemos ver um início de retomada mais robusto ao longo do segundo trimestre, atingindo seu ápice na segunda metade do ano. Por outro lado, caso o país falhe em resolver esses pontos, o início da recuperação será adiado. A desorganização do governo com relação à pandemia e ao processo de reformas, caso continue, só nos levará a mais recessão. Werther Vervloet e Ricardo Denadai são sócios-fundadores e economistas da ACE Capital VALOR ECONÔMICO
PIB mostra queda recorde de 4,5% do setor de serviços e retração de 3,5% da indústria
A pandemia do novo coronavírus teve efeitos desiguais em 2020 sobre os três grandes setores que compõem o PIB (Produto Interno Bruto), com retração em serviços e indústria e avanço na agropecuária. Principal motor da atividade econômica brasileira e maior empregador do país, o setor de serviços amargou queda de 4,5% em 2020. Foi o maior recuo da série histórica, iniciada em 1996, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O pior resultado anterior da série foi em 2015 (-2,7%). O setor é responsável por 75% do cálculo do PIB e seu desempenho é fundamental para a recuperação da crise. Também responde por quase 50% do emprego no país. O impacto foi maior nos segmentos que mais necessitam de atendimento presencial, como alimentação, hospedagem e lazer. O subsetor Outras atividades de serviços, onde elas se encaixam, teve queda de 12,1% –a maior do setor. De acordo com o IBGE, os serviços prestados às famílias foram os mais afetados negativamente pelas restrições de funcionamento. A segunda maior queda ocorreu nos transportes, armazenagem e correio (queda de 9,2%), principalmente o transporte de passageiros, atividade econômica também muito afetada pela pandemia. A retomada desses segmentos tem como obstáculos as restrições ao funcionamento de parte dos estabelecimentos —restaurantes com capacidade reduzida e cinemas e teatros fechados, por exemplo—, o elevado desemprego, que reduz o poder de compra da população, e o próprio temor de contaminação, que leva muitas pessoas a evitarem o risco de aglomeração. Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, afirma que a queda de serviços é atípica para momentos de crise, o que reforça a particularidade da retração de 2020. “Não é comum os serviços caírem [em recessões], foi algo bem característico dessa crise”, disse. Tiveram queda também no setor de serviços as atividades de administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (-4,7%) e comércio (-3,1%), além de informação e comunicação (-0,2%). Por outro lado, algumas atividades do setor cresceram e figuraram nas posições de maior avanço na economia. É o caso dos serviços financeiros (avanço de 4% contra 2019, um movimento justificado pelas maiores operações de crédito) e das atividades mobiliárias (crescimento de 2,5%). Já a indústria registrou recuou 3,5% ante 2019. Dentro do grupo, houve queda nos segmentos de construção (-7%), puxada por menor atividade em obras de infraestrutura, indústria de transformação (-4,3%), além de produção e distribuição de eletricidade, gás e água (-0,4%). Esta última é afetada pelo desempenho da própria economia. Na indústria da transformação, que tem o maior peso na indústria, houve menor atividade no segmento automotivo, bem como em outros equipamentos de transporte, metalurgia, vestuário e acessórios, e máquinas e equipamentos. Já os destaques positivos foram indústria de alimentos, industria farmacêutica, papel e celulose, produtos de fumo e material de limpeza. Palis afirma que os movimentos estão ligados ao comportamento da economia durante a crise, com menos transporte de passageiros, maior consumo de alimentos (impulsionado pelo auxílio emergencial) e maior despesa com medicamentos e materiais de limpeza decorrente das preocupações com a Covid-19. “Teve menos transporte de passageiros, e isso acaba afetando a indústria do setor. Obviamente as coisas estão relacionadas”, disse. “Na indústria farmacêutica, muita gente consumiu mais medicamentos, tanto de prevenção como efetivos”, afirmou. Já o agronegócio mostrou crescimento de 2% no ano, impulsionado pelas safras de soja, café e milho. Com isso, a agropecuária aumentou sua participação no PIB de 5,1% em 2019 para 6,8% em 2020. Indústria diminuiu sua fatia de 21,4% para 20,4% e serviços, de 73,5% para 72,8%. No quarto trimestre, na comparação com os três meses anteriores, os resultados dos três grandes setores foram de altas de 2,7% nos serviços e de 1,9% na indústria, e recuo de 0,5% na agropecuária. A indústria mostra sinais mistos no quarto trimestre. A construção caiu 0,4% em relação ao trimestre imediatamente anterior, por exemplo, mas a indústria de transformação mostrou avanço significativo de 4,9%. “A indústria de transformação já teve um crescimento bastante expressivo no quarto trimestre. O que ainda não está crescendo é a construção e essa parte de eletricidade e a extrativa mineral, porque teve paradas para manutenção de plataformas bastante concentradas no quarto trimestre”, disse Palis. São entraves para a indústria, por outro lado, a demora na entrega de insumos e a alta de preços de materiais. Isso vem obrigando empresas de diversos setores a colocar o pé no freio e conter o ritmo de produção, como mostrou a Folha, sendo que em alguns casos a estratégia visa aguardar um reequilíbrio da cadeia produtiva. O cálculo do PIB, sob a ótica da produção, considera o valor adicionado à economia por esses três setores mais os impostos sobre produtos. FOLHA DE S. PAULO
Em fase vermelha, lojistas de shoppings falam em demissão e pedem pausa em aluguel
A determinação do fechamento do comércio com a migração do Estado de São Paulo para a fase vermelha de restrições para conter o contágio pela covid-19 preocupa associações de lojistas, que temem uma nova onda de demissões daqui para frente. A perda de faturamento também deve reabrir discussões com os donos dos pontos comerciais para flexibilizar as cobranças de aluguéis enquanto as portas dos estabelecimentos estiverem fechadas – assim como ocorreu no ano passado, com a chegada da pandemia. A fase vermelha em São Paulo afeta em cheio o setor de shoppings centers, já que o Estado concentra 182 unidades, o equivalente a um terço do mercado nacional. “É muito dolorido para as empresas. Não sei como vamos superar. Agora vão vir mais demissões”, comenta o presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos) e dono da rede de moda TNG, Tito Bessa Júnior. Ele afirma que a nova quarentena deixou o setor perplexo, pois os lojistas não esperavam que o governo adotasse novamente medidas tão duras. “Ninguém esperava mais um lockdown nessa proporção. Não acredito que seja a medida mais efetiva.” Em vez disso, a expectativa era de que fossem adotadas outras iniciativas discutidas desde o começo da pandemia, como a criação de novos leitos em hospitais de campanha, o avanço nas testagens em massa para a doença e a aceleração da vacinação, relata. Bessa Júnior acrescenta que as empresas tendem a ficar inadimplentes, especialmente aquelas cujas vendas ainda não haviam se recuperado plenamente, casos dos setores de roupas, acessórios, cosméticos, entre outros. Frente a isso, ele argumenta que não restam opções a não ser deixar de pagar certas despesas, como aluguéis. “Se mal dava para pagar o aluguel antes, agora que não dá mesmo. Isso vai ter que ser isentado. É mais um sacrifício que todos teremos que fazer.” DesesperoA Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) publicou um comunicado à imprensa afirmando que vê com “grande pesar” a migração do Estado de São Paulo para a fase vermelha. Além disso, cobrou o governo de João Doria (PSDB) a adotar outras medidas para combater a disseminação do coronavírus. “O poder público deveria, desde o começo, voltar sua atenção em manter hospitais de campanha, aumentar a testagem, reforçar a oferta de transporte público, entre outras medidas, e o que estamos vendo é justamente o contrário”, afirma o presidente da Alshop, Nabil Sahyoun. Ele ainda classifica as próximas duas semanas de comércio fechado como “um desespero a mais para os lojistas, que estão vivendo dia após dia nesta incerteza”. O temor, segundo ele, é de aceleração do desemprego, principalmente por parte de pequenos lojistas, que representam 70% do total dentro de um shopping. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) informou, por meio de nota, que está discutindo os impactos que os fechamentos trarão aos donos dos centros de compras e também aos lojistas para, juntos, os dois lados pensarem nos próximos passos e medidas que podem ser adotadas. A entidade reforçou ainda que o setor irá cumprir todas as determinações do governo. O Governo de São Paulo determinou, na última quarta-feira, 3, a volta de todo o Estado para a fase vermelha a partir do sábado, 6. Serão 14 dias de restrição, e somente os serviços essenciais como saúde, alimentação e segurança poderão funcionar. As lojas de shoppings poderão funcionar somente de forma ‘drive thru’, para compras feitas em apps e lojas online, mediante horários agendados e a organização de cada empreendimento. Supermercados dentro dos centros de compras também poderão funcionar. O ESTADO DE S. PAULO
Covid avança e indica colapso generalizado pelo Brasil
O país caminha para um colapso generalizado do sistema de saúde e a perspectiva é que, em muito pouco tempo, se chegue à marca de 2 mil mortos por dia por covid-19, avaliam especialistas ouvidos pelo Valor. Essa escalada só seria evitada, defendem eles, se o governo federal assumisse de imediato a coordenação nacional do combate à crise sanitária, recomendando à população o isolamento social, o uso de máscaras e a adesão à vacinação em massa. Embora afirmem que o ideal seria que o Executivo federal decretasse já uma medida muito próxima a um lockdown nacional, médicos e sanitaristas já não acreditam mais numa mudança de postura por parte do governo Jair Bolsonaro. E dizem que os próximos capítulos da pandemia no Brasil serão marcados por semanas muito difíceis. Ontem, o Brasil bateu um novo e trágico recorde: 1.840 mortes por covid-19 em 24 horas, segundo dados compilados pelo consórcio de veículos de imprensa. (leia Casos e mortes aceleram e batem novo recorde) Uma amostra do que pode vir a ser um colapso generalizado na rede de saúde já é sentido em hospitais — públicos e privados — pelo país onde a ocupação de leitos de terapia intensiva se aproxima do limite. Em menos de duas semanas, passou de 13 para 19 o número de unidades da federação com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados por pacientes com covid-19, segundo boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com base no dia 2 de março. Sete Estados estão na zona de alerta intermediária, com 60% a 80% dos leitos ocupados. Apenas Sergipe, com 59% está fora da zona de alerta. Os Estados com piores índices são Santa Catarina, com 99% dos leitos ocupados, Rondônia (97%), Goiás (95%), Pernambuco e Ceará (93%). Em São Paulo, a ocupação chegou a 74%. Nas capitais, 20 das 27 estão em situação crítica diante da disparada de casos da doença. Porto Velho (100%), Curitiba e Goiânia (95%), Natal e Teresina (94%), Rio Branco e Campo Grande (93%), Manaus e Fortaleza (92%) e Brasília (91%) registram a pior situação. São Paulo tem 76% dos leitos de UTI ocupados. “A sobrecarga nos sistemas de saúde é uma preocupação desde o início da pandemia e agora os dados são muito preocupantes”, diz o boletim da Fiocruz, que alerta que os números relativos às UTIs são apenas a “ponta do iceberg”. Para abrandar as curvas de transmissão e dos óbitos, uma saída seria algo muito próximo de um lockdown nacional. “O lockdown foi o que funcionou no mundo inteiro na primeira onda, desde o exemplo chinês, até o modelo alemão. E experiências na Europa também mostraram que relaxar de maneira desorganizada é perigoso. Vimos os exemplos de Portugal e da Alemanha. Assim como esses países evidenciaram que retomar o isolamento mais restritivo funciona. Então, já não havia dúvidas sobre a eficiência desse recurso do ponto de vista técnico”, diz Claudio Maierovitch, epidemiologista e médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz. Secretários de saúde defendem um toque de recolher a partir das 20h, que precisaria sera dotado pelo governo federal. A avaliação é que em mesmo medidas restritivas locais como as adotadas ontem pelo governo de São Paulo serão suficientes para produzir efeito amplo de aplacar a pandemia no país. “Não existe mais uma área protegida no país, como vimos na primeira onda da pandemia. Para completar, tivemos o início da circulação das variantes do coronavírus, não só de Manaus, mas as de outras procedências. Nós completamos uma tempestade perfeita já faz duas semanas, quando vimos pequenas e médias cidades entrarem em colapso”, ressalta Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da USP. Para ele, a única solução seria um lockdown nacional acordado por lideranças de todas as esferas do poder. “Mas a verdade é que deveremos ter uma piora generalizada do quadro. E mesmo com as medidas adotadas agora, não sei se os efeitos virão rapidamente, dado ao ponto que chegamos”, afirma Waldman. “Estamos muito próximos de ver 2 mil mortos, talvez em menos de duas semanas.” VALOR ECONÔMICO