Candidato da aberração tributária (Editorial)
O ministro da Economia, Paulo Guedes, aposta no deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato bolsonariano à presidência da Câmara, para encaminhar e apoiar um projeto de recriação da CPMF, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Esse é mais um excelente motivo – além da biografia política do deputado – para evitar sua vitória nessa disputa. O ministro deu sinais, nas últimas duas semanas, da intenção de reapresentar a proposta depois de eleitos os presidentes das duas Casas do Congresso, informou o Estado. Para defender seu projeto, o ministro insistirá, segundo fontes mencionadas na reportagem, na arenga da criação de empregos. Recriada a CPMF, haverá espaço, nas contas públicas, para redução de encargos trabalhistas e, portanto, maior estímulo à contratação de trabalhadores. Há nesse argumento uma enorme confusão. Diminuição de encargos pode contribuir para a manutenção de empregos. Pode até facilitar a contratação, se as empresas precisarem de pessoal. Mas empresas normais só procuram pessoal quando precisam ou quando preveem a necessidade de mão de obra. Essa é a primeira condição. Em outros tempos, empresários podiam aproveitar o custo baixo e atraente para fazer estoque de braços, mesmo sem necessidade imediata. Mas isso foi antes da Lei Áurea, passo muito importante para o surgimento, no Brasil, de um capitalismo compatível com a modernidade. Removida essa confusão, restam argumentos mais sérios a favor da redução de encargos trabalhistas. Se isso for possível sem expor os trabalhadores a uma insegurança maior e a uma posição muito mais desvantajosa na relação de mercado, a diminuição dos custos trabalhistas será muito bem-vinda. Mas a criação de empregos dependerá, em primeiro lugar, do ritmo da atividade econômica e das expectativas. O governo continua devendo um claro roteiro para 2021. De toda forma, diminuição de custos tem ocorrido com sucesso, em outros países, sem a implantação de aberrações tributárias. Sem monstrinhos como a CPMF, condições de produção mais eficientes e menos entravadas por tributos disfuncionais e injustos são encontráveis na Europa, na América do Norte e nas economias mais competitivas da área do Pacífico. As alegadas vantagens de arrecadação, como simplicidade, cobertura ampla e dificuldade de sonegação, de nenhum modo compensam as desvantagens de um imposto como a CPMF. É um tributo indisfarçavelmente cumulativo. Incide sobre si mesmo e sobre outros impostos e contribuições. Além disso, atinge sem distinção todos os níveis de renda, onerando proporcionalmente mais as pessoas mais pobres. Enfim, é um imposto especialmente aberrante por incidir sobre qualquer movimentação de dinheiro, sem diferença entre a compra de um colar de diamantes e a remessa de um trabalhador para a mãe pobre, viúva e dependente de ajuda. A indigência, no entanto, aparece com formas variadas no Brasil. Pode manifestar-se, por exemplo, como a pobreza associada às desigualdades econômicas e sociais. Pode ocorrer também como característica de um governo incapaz de diagnosticar os problemas e de formular planos, programas e projetos para modernizar o País, torná-lo mais eficiente e aumentar seu potencial de produção e de crescimento. Nenhuma dessas deficiências será curada ou atenuada com a volta da CPMF, a pior parte de uma proposta de reforma tributária indigente e escandalosamente inferior a qualquer projeto já em tramitação no Congresso. Além de ser visto como um possível defensor da CPMF, se eleito presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira já se mostrou, em outra ocasião, favorável a esse tributo, se implantado com uma alíquota menor que a pretendida pelo ministro. Se a aprovação desse monstrinho for uma de suas missões, os deputados comprometidos com alguma seriedade têm aí mais um excelente motivo para rejeitar esse candidato. Mas nem pensariam em apoiá-lo se apenas considerassem sua biografia, rica de questões penais, como acusações de rachadinhas e de lavagem de dinheiro, como já se divulgou fartamente. O ESTUDO DE S. PAULO
Estados e prefeituras burlam regra para reajustar salário de funcionalismo
Na semana do Natal, enquanto Manaus já agonizava com a piora da pandemia e a falta de oxigênio nos hospitais, a Câmara de Vereadores da capital do Amazonas se reuniu em sessão extraordinária no dia 21 para aprovar dois projetos que aumentaram os salários de vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários e subsecretários. A partir de 1.º de janeiro de 2022, o salário do prefeito de Manaus subirá de R$ 18 mil para R$ 27 mil, e o dos vereadores, de R$ 15 mil para R$ 18,9 mil. A Câmara de Vereadores de São Paulo seguiu os colegas de Manaus e dias depois, em 23 de dezembro, aprovou em segundo turno um aumento médio de 46,6% para os salários do prefeito, Bruno Covas (PSDB), do vice e dos secretários da capital. A promulgação da lei foi publicada no dia 24, com o reajuste no salário de Covas de R$ 24.175,55 para R$ 35.462,00, também a partir de 2022. Embora estejam proibidos reajustes para servidores até o fim deste ano, municípios e Estados estão burlando a regra para dar aumento ao funcionalismo . Além das duas capitais que já contrataram os aumentos para 2022, pelo menos sete Estados deram reajustes ou abriram caminho para aumentos ao funcionalismo neste ano apesar da restrição legal, segundo levantamento feito pelo Estadão. A Lei Complementar 173, que garantiu socorro aos Estados e municípios durante a pandemia, congelou salários de servidores federais, estaduais e municipais e vetou aumento de gastos de pessoal até dezembro de 2021. Sem congelamentoO congelamento dos salários foi um movimento capitaneado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para evitar que o dinheiro repassado ao combate à covid-19 se transformasse em aumento de salários em ano de eleições e de pandemia, quando milhões de trabalhadores da iniciativa privada perderam emprego e tiveram salários cortados. Em suas aparições públicas, o ministro costuma destacar a economia de até R$ 132 bilhões obtida com a medida. Mas, com o “jeitinho” brasileiro, a regra tem sido desfigurada para abrir caminho a aumentos de gastos obrigatórios e permanentes. Na época da votação, parlamentares contrários ao congelamento alegaram que nenhum prefeito ou governador daria aumento em plena pandemia. O crescimento dos gastos com pessoal é um dos principais gargalos que comprometem as finanças dos governos regionais. Porém, os arranjos políticos mostram uma disposição diferente. Embora os casos se concentrem em Estados e municípios, nem mesmo a União escapa das brechas: o Executivo federal já abriu edital para 3 mil vagas na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal. Procurados pela reportagem, alguns órgãos silenciaram, e os que responderam rejeitaram qualquer afronta à proibição da lei que concedeu o socorro a Estados e municípios. As justificativas variam: as medidas já estavam previstas ou são cargos que estão vagos (para os quais não haveria vedação à reposição), ou ainda as autorizações não são impositivas. O Ministério da Economia, que brigou pela manutenção da regra quando o próprio Congresso Nacional ameaçou derrubar a proibição, diz que a fiscalização cabe aos Tribunais de Contas estaduais e municipais. E sobre o próprio concurso autorizado pela União, a pasta informou que eles se enquadram na exceção da lei, que permite contratações para repor vagas em aberto. O ESTADO DE S. PAULO
Estados em crise usam brechas para contratar
Governadores e prefeitos têm se aproveitado de brechas da Lei Complementar 173, que proibiu reajustes e ampliações de gastos com pessoal como condição para um socorro bilionário durante a pandemia da covid-19, para mesmo assim conceder aumentos ou fazer contratações. O grupo inclui Estados em péssimas condições financeiras e que estão na fila por um socorro da União. No Rio de Janeiro, a Assembleia do Estado incluiu no Orçamento a previsão de um plano para a revisão dos salários – na prática, uma brecha para concessão de reajustes. Em estado de calamidade financeira desde 2016 e sob o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desde 2017, o Estado ainda pagará salários 11% maiores para o governador e integrantes do primeiro e segundo escalão do Executivo, após a revogação de uma lei que cortava essas remunerações. O rombo nas contas públicas previsto para este ano está na casa dos R$ 20 bilhões. A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do Rio informou que a emenda do Orçamento “não é impositiva”: “Pode haver ou não um plano de revisão anual dos servidores, o que não implica em um aumento salarial ou contratações. Não há previsão de reajustes.” Em Goiás, a Assembleia aprovou um reajuste de até 64,61% para professores com contratos temporários que ainda não recebiam o piso nacional da categoria. A secretária de Economia do Estado, Cristiane Alkmin, disse ao Estadão que o aumento não conflita com a lei do socorro porque o piso dos professores é determinado por uma legislação federal, anterior à pandemia, e a lei trata esse tipo de aumento de gastos como uma exceção à proibição. No Pará, o governo concedeu reajuste de 3% para delegados da Polícia Civil e ainda determinou um pagamento retroativo de abono salarial a servidores da segurança pública, referente ao período de 2014 a 2017. O anúncio foi feito pelo governador Helder Barbalho (MDB) e pela agência oficial de notícias. O governo do Estado, porém, não respondeu ao pedido do Estadão para detalhar o impacto financeiro da medida e se há violação das restrições impostas pela lei 173. Em Mato Grosso do Sul, o governo discute uma proposta para incorporar o adicional de produtividade ao salário de fiscais tributários e auditores do Estado. Na prática, isso eleva a remuneração porque outros benefícios incidiram sobre o salário mais gordo – além de não haver impedimentos no futuro para a criação de novos adicionais. O governo estadual também não respondeu à reportagem. Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) adota o discurso contra privilégios, mas sancionou uma lei que amplia possibilidade de novas gratificações para o Judiciário estadual e aumenta o número de vagas para desembargadores. O governo mineiro não respondeu ao pedido de entrevistas. Já o Rio Grande do Sul anunciou concursos públicos para preencher 3,4 mil vagas, a maior parte de professores e profissionais da Secretaria de Saúde. Tanto a Procuradoria-Geral do Estado quanto o governador, Eduardo Leite (PSDB), afirmaram em recente entrevista coletiva que as contratações não violam a lei porque preenchem cargos que já estavam vagos. Nas prefeituras de São Paulo e Manaus, os reajustes ficaram para 2022, mas já foram contratados e, no caso da capital do Amazonas, pode ser implementado ainda este ano, caso a proibição na lei federal seja revogada. Além disso, a remuneração dos prefeitos funciona como teto da remuneração dos servidores municipais. Em São Paulo, categorias vinham pressionando os vereadores a conceder o reajuste para driblar o que vinha então funcionando como trava, impedindo mais aumentos para a elite do funcionalismo. A Prefeitura disse ao Estadão que a lei do reajuste é “autorizativa” e que o teto salarial só será alterado se a pandemia estiver superada em 2022. Segundo a assessoria de Covas, a mudança é importante porque o teto do funcionalismo não é corrigido desde 2012, e a defasagem favorece a evasão de profissionais de carreiras com salários elevados, geralmente posições com alta qualificação, como auditores fiscais. Em Manaus, nem a Câmara de Vereadores, nem a Prefeitura responderam aos pedidos de informações da reportagem. Em abaixo-assinado, entidades, instituições, pastorais e movimentos sociais pediram a rejeição dos projetos. O ESTADO DE S. PAULO
‘O establishment não quer as privatizações’, diz Salim Mattar
O empresário Salim Mattar, que deixou o cargo de secretário responsável pela condução das privatizações no Ministério da Economia, diz que a saída de Wilson Ferreira Júnior da Eletrobrás é mais uma amostra de que o establishment (Executivo, Legislativo e Judiciário) trabalha contra a redução do “gigantismo” do Estado. Na visão dele, a sociedade está “consternada” com a não privatização da Eletrobrás, o que vai obrigar que o tema seja discutido no Congresso, independentemente de quem vencer as eleições para os comandos do Senado e da Câmara. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. O Wilson (Ferreira Júnior) é um profissional muito competente e tinha como objetivo em sua carreira profissional conduzir o processo de capitalização da Eletrobrás que seria a sua respectiva privatização. Ele trabalhou duro durante todo esse tempo. E existia, sim, no passado, uma perspectiva. Da mesma forma, quando eu vi que o processo de privatização estava fora do radar do governo, Legislativo e Judiciário, eu preferi deixar o governo. O que aconteceu com o Wilson é a mesma coisa. Ele pressentiu tendo em vista a declaração do Pacheco (candidato apoiado pelo Palácio do Planalto ao comando do Senado, Rodrigo Pacheco disse ao Estadão/Broadcast que a privatização da Eletrobrás não é prioridade caso seja eleito) que não acontecerá a privatização da Eletrobrás. Mas não pode culpar o Executivo pela não privatização. A privatização está nas mãos e depende da caneta do Congresso. Por que depende só do Congresso já que há autoridades no Executivo que não querem apoiar a privatização?Tem um projeto de lei caminhando no Congresso. Se ele caminhar e privatizar, o Executivo não pode fazer nada. Está na mão do Congresso. A responsabilidade de privatização da Eletrobrás é única e exclusiva do Congresso. De que forma a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado prejudica a privatização da Eletrobrás?Neste momento em que está acontecendo eleições, objetivando maioria de votos, buscaram o apoio da esquerda. E falando em política, claro que há uma contrapartida. Dizem que uma das contrapartidas seria a não realização de privatizações. Comenta-se muito no mercado, mas não posso afirmar que seja verdade. A responsabilidade de privatizar ou não é única e exclusiva do Congresso. O presidente Bolsonaro que está apoiando o Pacheco não tem responsabilidade também sobre a decisão?Aí, não sei o que eles combinaram. É uma coisa que não posso afirmar. Mas reafirmo que a responsabilidade de privatizar ou não é do Congresso. O establishment não quer privatizações. Tudo é motivo para não privatizar. E establishment , vamos deixar bem claro, que é o Executivo, Legislativo e Judiciário, mais os oportunistas de momento. Podem ser sindicatos, pode ser imprensa, falsos empresários atrás de CNPJ. O modus pensante de 35 anos de social democracia é manter o Estado grande, gigantesco. Onde já se viu o Estado entrar em meios de produção, fornecendo energia elétrica, produzir pólvora. É um atraso total. A pauta liberal do governo fica enfraquecida já que as privatizações são ponto central nessa agenda?O establishment se assustou com a pauta liberal. Lenta e gradualmente foram se opondo à pauta liberal. Essa pauta acabou no governo Bolsonaro?Não, ela ainda existe na cabeça do ministro Paulo Guedes. Existe, sim, a possibilidade (de avançar). Existem congressistas que são mais cuidadosos com a causa pública e entendem que alguns projetos têm que passar para resolver os problemas do País. A pauta liberal como um todo, não morreu. Muitos congressistas sabem da importância, por exemplo, da reforma administrativa (propõe reformular o RH do Estado, com novas regras para contratação, promoção e demissão de servidores públicos). O establishment trabalhou muito bem e ficou uma reforma muito fraca porque muitas coisas como estabilidade de emprego e redução de remuneração só daqui a 35 anos que vai funcionar. O establishment conseguiu se salvar e a sociedade brasileira precisa saber disso. O ministro Paulo Guedes não conseguiu passar o espírito liberal para o resto do governo e o Congresso?Na hora que ele vai passar o espírito disso, como a privatização da Eletrobrás, quantas vezes o ministro Guedes foi ao Congresso falar da privatização da empresa? Quantas vezes? Não adiantou. Muitas vezes não querem ouvir. Os interesses ideológicos e partidários pessoais são superiores ao projeto Brasil. Qual a recomendação que o sr. daria para o ministro Guedes?Ele está prestando um favor ao Brasil enquanto está lá. Pode estar certo que a gente não sabe o quanto de coisas erradas que ele não permitiu que fizessem. Às vezes ele está sendo julgado por algumas coisas, é difícil fazer esse julgamento. Eu quero lembrar do Mario Henrique Simonsen (ministro da Fazenda durante o governo de Ernesto Geisel, na ditadura, entre 1974 e 1979), quando perguntaram: ‘você abriu a tal Brás, Brás, Brás’ e ele falou: ‘não me julguem pelo que eu fiz, mas também pelo que eu não deixei que fizessem’. Talvez o Paulo Guedes está nesse momento fazendo um trabalho para não deixar acontecer outras coisas que nós não temos conhecimento. Sem privatização, qual é o destino da Eletrobrás?Eu acredito ainda que o Congresso, passando as eleições, haverá uma sensatez e a sociedade civil está consternada com essa não privatização da Eletrobrás. Se os congressistas representam de fato a sociedade, eles devem privatizar a Eletrobrás. Fiquei muito preocupado com a saída do Wilson. Ele era resiliente , obstinado, determinado em relação à privatização. Privatizar a Eletrobrás é bom para o Brasil, reduzir o gigantismo do Estado. Mas onde você vê a sociedade preocupada com a privatização da Eletrobrás? A população não está preocupada com a vacina contra a covid-19?Neste momento, a vacina muito nebulosa tampou muito assunto, tampou corrupção, privatização da Eletrobrás. Graças à mídia brasileira temos hoje a manchete diária do sobre vacinas. Nenhum país do mundo tem a vacina tão bem explicitada nas primeiras páginas nos primeiros jornais. O Brasil é campeão mundial de exposição sobre vacinas. Nós politizamos a vacina. E isso foi politizado para prejudicar alguns grupos e favorecer outros. Não é porque o Brasil ficou para trás na busca pelas vacinas?Não, tudo é
Guedes diz que governo vai agir se mortes continuarem superando mil por dia
Pressionado a relançar o auxílio emergencial para dar assistência a famílias vulneráveis, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse nesta segunda-feira, 26, que o governo pode retomar os programas de socorro, caso haja o entendimento de que o número de mortes por covid-19 continuará acima de mil por dia e a vacinação pode atrasar. Nessa situação, o ministro disse que será declarado novamente “estado de guerra”. Mas ele alertou que essas medidas precisarão vir acompanhadas de ações para conter gastos e ajudar a “pagar a conta” dessa batalha, como o congelamento de salário dos servidores por dois anos. “Se a pandemia se agrava e continua 1,5 mil mortes por dia, a vacina não chega e falhamos miseravelmente, mas não acredito nisso… Mas caso o pior aconteça, temos protocolo da crise, aperfeiçoado agora”, afirmou Guedes em evento online do banco Credit Suisse. “Se disser que pandemia está realmente assolando o Brasil de novo, você vai declarar estado de guerra, como a gente declarou no ano passado.” O ministro citou diferentes referências, em termos de número de mortes diárias por covid-19, para deflagrar o estado de guerra. Os números ditos pelo ministro ficaram entre 1 mil e 1,5 mil óbitos por dia. “Se a pandemia faz a segunda onda, com mais de 1,5 mil, 1,6 mil, 1,3 mil mortes, saberemos agir com o mesmo tom decisivo, mas temos que observar se é o caso ou não”, disse Guedes em outro momento. No Brasil, o recorde de número de mortes por covid-19 foi registrado em 4 de agosto de 2020, com 1.394 óbitos. O segundo maior número foi em 8 de janeiro deste ano, com 1.379 mortes. Na segunda-feira, 25, de acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa, a média móvel de mortes – que registra as oscilações dos últimos sete dias e elimina distorções entre um número alto de meio de semana e baixo de fim de semana – ficou em 1.055. Há cinco dias, o patamar está acima de mil mortes. Segundo Guedes, o estado de guerra inclui medidas de ajuda, mas contempla também uma série de iniciativas para conter despesas. “Estado de guerra é não ter reajuste pro funcionalismo por dois anos, (ter) pisos bloqueados, acabou essa coisa de subir automaticamente”, disse ele, sem especificar a quais mínimos se referia. Na PEC do pacto federativo, o governo já chegou a propor a desvinculação de pisos de gastos em saúde e educação. “Tem que fazer o 3D (desindexação, desvinculação, desobrigação)”, acrescentou. O ministro ponderou que, apesar da possibilidade de retomar as ajudas, é preciso haver contrapartida para equilibrar as contas, uma vez que o País já elevou drasticamente sua dívida no ano passado para bancar as despesas de combate à pandemia. Na projeção do ministro, a dívida terminou 2020 em 90% do PIB. “A classe política tem que assumir responsabilidade pelo orçamento. Se classe política apertar botão vermelho da emergência, não é pegar dinheiro e sair correndo. Tem que pagar o custo da guerra (adotando medidas)”, afirmou. Guedes comparou o excesso de gastos, sem contrapartidas de ajuste, a uma bomba atômica. “Vai ter tragédia para todo lado”, disse. “Se apertar o botão ali (da emergência), vai ter que travar o resto todo”, resumiu o ministro. Apesar de admitir a possibilidade de um novo estado de guerra, Guedes disse “esperar o melhor”, com vacinação em massa e queda no número de mortes. Ele chamou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de “especialista em logística” e citou o exemplo de Israel, que vacinou os idosos e vê agora uma queda significativa no número de óbitos por covid-19. “Se focalizarmos nos próximos 2 meses vacinação nos idosos, a coisa desce. Se não for o caso, porque vacinação não anda ou mortes estão acima de 1 mil, já existe protocolo”, disse Guedes. Ele citou ainda a “cláusula de calamidade pública” na PEC do pacto federativo, para um caso mais agudo do que o de uma emergência. “O presidente Bolsonaro vai deixar um legado para esse tipo de crise. Agora, é um botão nuclear. Quando está em guerra, não é só receber armamento, tem que pagar pelo armamento”, afirmou, após lembrar do auxílio emergencial concedido pelo governo em 2020. Como mostrou o Estadão, a partir da experiência da pandemia, Guedes tem defendido a criação de uma “cláusula de calamidade” a ser incluída na PEC do pacto federativo. O Conselho Fiscal da República, a ser criado, poderia nesse caso suspender as limitações das atuais regras fiscais ao aumento de gastos, com o objetivo de combater os efeitos negativos da calamidade na economia. O conselho está previsto na PEC e seria formado pelos presidentes da República, Senado, Câmara, Supremo, entre outros. O ministro manifestou, contudo, uma visão positiva sobre a vacinação – citando a capacidade do Brasil de produzir 300 milhões de doses de imunizantes por ano – e seu potencial de trazer a economia de volta à normalidade para o País priorizar a agenda de reformas que, conforme observou, são “fundamentais” para recuperar a dinâmica de crescimento perdida nas últimas décadas. O ESTADO DE S. PAULO
Com fim do auxílio, fintechs miram microcrédito para competir com a Caixa
Enquanto os principais bancos privados do País resistem a embarcar de vez no microcrédito, fintechs se mexem para entrar com força na modalidade em 2021 e competir com um dos gigantes do setor público, a Caixa Econômica Federal, que prepara para este ano um ambicioso programa de pequenos empréstimos. É um esforço da instituição para compensar em parte o fim do auxílio emergencial, encerrado em dezembro, e que lhe deu uma preciosa capilaridade nesse público. O benefício, que pagou R$ 292,9 bilhões ao longo de nove meses, permitiu que 67,9 milhões de brasileiros contassem com alguma renda ou um recurso adicional durante a crise, em especial aqueles que perderam o emprego e os autônomos que foram impedidos de trabalhar por causa do isolamento social. Agora, não há mais auxílio, mas a crise continua, com o desemprego chegando a 14,3%. Responsável pela distribuição do auxílio por meio do aplicativo Caixa Tem, criado durante a pandemia, a Caixa acredita que parte desse público tem potencial para tomar pequenos empréstimos, seja para começar a empreender ou para reerguer negócios prejudicados pela pandemia. O perfil dos brasileiros que receberam o benefício, contudo, é guardado a sete chaves. O banco não revela quantos poderiam receber esses empréstimos sem dar calote. Limita-se a dizer, por enquanto, que o programa tem potencial mínimo para chegar a 10 milhões de pessoas, com R$ 10 bilhões guardados inicialmente para tal. O segredo é estratégico: a Caixa não é a única que quer apostar no microcrédito. A modalidade também é trabalhada com carinho por fintechs, como a SuperSim, especializada no segmento e que mira ex-beneficiários do auxílio. “O auxílio emergencial expôs quanto valores relativamente baixos podem ser relevantes na vida de uma pessoa que faz parte das classes C e D”, afirma Antônio Brito, CEO da fintech, que empresta, em média, R$ 597 a cada cliente, valor bem próximo aos R$ 600 mensais pagos pelo governo nos primeiros cinco meses. Uma vantagem da SuperSim é que, antes da crise, sua atuação já era focada em situações emergenciais, e não em microcrédito produtivo. “Mesmo antes da pandemia enxergávamos o microcrédito como um instrumento de reinserção do cliente no sistema formal de crédito. Trata-se de um cliente que não tem um risco compatível a produtos de crédito mais sofisticados”, diz o executivo, que ressalta que 20% a 25% de seus clientes receberam o auxílio, de uma base que tem de 40% a 45% de profissionais autônomos. Em 2020, o microcrédito teve desempenho tímido. De janeiro a novembro, foram R$ 12 bilhões em concessões, alta de 2% em relação a igual intervalo do ano anterior, segundo o Banco Central (BC). É uma participação pequena, de apenas 0,3%, nas concessões totais feitas no período. A falta de protagonismo não se deve apenas ao fato de a modalidade envolver valores mais baixos, mas também porque os bancos não veem atratividade na operação, pelo alto custo envolvido para chegar ao cliente, em geral excluído do sistema, e também para dar sequência à concessão. De olho nesse vácuo, a Conta Zap, fintech que surgiu como uma conta digital no WhatsApp, se prepara para lançar em 2021 um marketplace de microcrédito, onde as instituições financeiras poderão oferecer seus produtos e deixar com ela o trabalho de distribuir, arrecadar e cobrar os recursos. Diferentemente da SuperSim, a fintech vai se concentrar no microcrédito produtivo, voltado para microempreendedores. “O desbancarizado que procura um microcrédito produtivo, em geral, não tem histórico como tomador, não tem nem nome limpo. O banco tradicional não quer ter esse cara como cliente, porque o custo de aquisição do cliente e o de operação do crédito são altos”, afirma o fundador e CEO da Conta Zap, Roberto Marinho Filho. Para ele, só o Banco do Nordeste tem conseguido fazer operações de microcrédito de forma eficiente, porque conta com agentes que visitam os clientes e conhecem a realidade deles, criando um relacionamento capaz de oferecer uma oferta compatível e que resulta em baixas taxas de inadimplência. “Os grandes bancos não fazem parte do dia a dia dessas pessoas (que podem pedir um microcrédito), então há um desinteresse geral”, disse. Vantagem na largadaA Caixa, reconhece Marinho, está bem posicionada para atuar nesse mercado, em razão do trabalho feito por meio do Caixa Tem no pagamento do auxílio. Contudo, o executivo destaca que não haverá uma substituição completa dos pagamentos pelo programa de microfinanças pensado pelo banco público. “Um público que está apto para receber uma doação não necessariamente está apto para tomar um empréstimo”, afirma. O programa da Caixa deve ser lançado no fim de março e será mais um passo para turbinar o Caixa Tem, dentro de um esforço para torna-lo uma ferramenta de uso recorrente dos clientes. A ideia é que o aplicativo vire um banco digital, com licença aprovada pelo Banco Central, e depois abra capital. Hoje, o aplicativo conta com 105 milhões de usuários, o equivalente a metade da população brasileira. “Ninguém tem uma capilaridade como a nossa”, disse ao Estadão/Broadcast o presidente do banco, Pedro Guimarães. Entre as fintechs, ainda há dúvida sobre quantos dos ex-beneficiários do auxílio podem virar tomadores. Contudo, sabe-se que o aplicativo da Caixa, que trouxe milhões de pessoas para o sistema financeiro, tornou mais fácil o trabalho de analisar e atrair clientes. “Nos últimos três meses, quase dobramos o volume mensal de propostas para empréstimos, que chegou a 140 mil por mês”, afirma Antônio Brito, da SuperSim. Ele não soube dizer com precisão se o aumento da demanda é reflexo da diminuição do valor do auxílio, que caiu a R$ 300 nos últimos quatro meses do ano passado. Para ele, o número de potenciais clientes certamente estará na casa das dezenas de milhões de pessoas. “O programa da Caixa gera alarmes, é uma demonstração de que é viável, de que há interesse pelo produto por parte do cliente”, diz o executivo, que acredita que as fintechs têm espaço para entrar nesse mercado, mesmo com o diferencial competitivo do banco público. O ESTADO DE S. PAULO
Inadimplência nos condomínios de SP fecha 2020 no menor nível em 16 anos
Em meio à pandemia, o índice de inadimplência no pagamento da cota condominial fechou o ano de 2020 em 2,17%, o menor patamar registrado em toda a série histórica do levantamento, que começou a ser tabulado em janeiro de 2004. O indicador foi medido pela Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC). Passado negativo. O Índice Periódico de Mora e Inadimplência Condominial (IPEMIC) bateu recorde em abril de 2005, quando o porcentual chegou a 7,36%. A AABIC considera devedor inadimplente para o cálculo do IPEMIC os condôminos que atrasam o pagamento da cota condominial por 90 dias após a data do vencimento. O ESTADO DE S PAULO
Prévia da inflação fica em 0,78% em janeiro, no maior resultado para o mês desde 2016
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), a prévia da inflação oficial, ficou em 0,78% em janeiro, após registrar 1,06% em dezembro de 2020, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira, 26. Esse é o maior resultado para um mês de janeiro desde 2016, quando o índice foi de 0,92%. Em 12 meses, o IPCA-15 acumula alta de 4,30%, acima dos 4,23% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em janeiro de 2020, a taxa foi de 0,71%. O resultado ficou abaixo da mediana de 0,81% das estimativas dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, cujo intervalo ia de 0,63% a 1,08%. A energia elétrica, que passou de uma alta de 4,08% em dezembro para 3,14% em janeiro, foi o item que, individualmente, mais pesou no IPCA-15 deste mês, respondendo por 0,14 ponto porcentual. Com isso, o grupo habitação subiu 1,44% e foi o segundo maior impacto entre os grupos. Em janeiro, passou a vigorar a bandeira tarifária amarela, em que há acréscimo de R$ 1,34 na conta de luz a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Em dezembro, estava em vigência a bandeira vermelha patamar 2, com custo de R$ 6,24 para cada 100 kWh consumidos. Ainda no grupo habitação, o segundo maior impacto veio do gás de botijão (2,42%), que teve alta pelo oitavo mês consecutivo. A desaceleração do índice do mês também é explicada pela queda no preço das passagens aéreas (-20,49%) e pelas altas menos intensas de alguns itens alimentícios, como as carnes (1,18%), o arroz (2%) e a batata inglesa (12,34%). Com isso, o grupo alimentação e bebidas passou de uma alta de 2% em dezembro para 1,53% neste mês – ainda assim, foi o principal impacto entre os nove grupos que compõem o IPCA-15. No grupo transportes houve desaceleração de 1,43% em dezembro para 0,14% em janeiro, sob impacto da queda nos preços das passagens aéreas e da alta menos intensa da gasolina, que passou de 2,19% em dezembro para 0,95%. O ESTDO DE S. PAULO
Puxado por pandemia, resultado da arrecadação é o pior desde 2010
Com o efeito pandemia de covid-19 sobre a economia, a arrecadação de impostos registrou uma queda real de 6,91% no ano passado, somando R$ 1,479 trilhão. Esse é o patamar mais baixo para o período desde 2010. Seguindo uma tendência de alta iniciada em agosto, a receita em dezembro subiu 3,18%, em termos reais, para R$ 159,065 bilhões – resultado que é o melhor para o mês desde 2013. A expectativa da equipe econômica é que em 2021 o processo de recuperação das receitas continue. Mesmo com uma variação negativa em 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse, citando o recuo nominal de 3,75%, que a queda da arrecadação foi “relativamente branda” diante do efeito do coronavírus na economia. Para ele, o resultado é “excelente” e a retomada em “V” pode ser intensificada com a vacinação em massa. Guedes participou da abertura da coletiva de apresentação dos dados. O secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, acrescentou que as perspectivas para o Produto Interno Bruto (PIB) para este ano são positivas e, por isso, a arrecadação também deve apresentar alta em relação ao ano passado. Mas ele pontuou que as análises ainda são preliminares. O resultado das receitas em 2020 é positivo quando considerado o cenário e as projeções que estavam sendo feitas no início da crise, afirmou o secretário. A economia está se recuperando desde agosto, frisou, e as perspectivas para janeiro são positivas. Guedes destacou que, no ano passado, o governo anunciou uma série de medidas, como o diferimento (adiamento) no pagamento de tributos federais e redução de alíquotas, que impactaram a arrecadação, mesmo com uma recuperação mais forte das receitas a partir de agosto. Mas a retomada da economia permitiu que as empresas acertassem suas contas com a Receita, acrescentou ele. Segundo dados apresentados pelo fisco, a estimativa era de que medidas de postergação de tributos representariam R$ 85,154 bilhões em 2020, que seriam devolvidos no segundo semestre. Porém, retornaram, de fato, R$ 64,397 bilhões, uma diferença de R$ 20,758 bilhões. Pelas contas do ministro, no entanto, apenas R$ 8 bilhões do imposto diferido não retornou aos cofres públicos, se considerados, por exemplo, os pagamentos feitos por compensação tributária e a possibilidade de erro na estimativa inicial de impacto apresentada pela Receita. “Recuperamos mais de R$ 60 bilhões em diferimentos, as empresas se recuperaram e pagaram os impostos diferidos”, frisou o ministro. No ano passado, a compensação tributária disparou e somou R$ 167,679 bilhões, um aumento de 58,86% ante 2019, sendo que R$ 9,937 bilhões foram utilizados para acerto de conta devido ao diferimento de tributo. Os créditos oriundos de ação judicial foram responsáveis por 38% do valor total. Foram 63,620 bilhões ao longo do ano, o que representa alta de 174% sobre o ano anterior. Apesar do forte crescimento no ano, o subsecretário de arrecadação, cadastros e atendimento da Receita Federal, Frederico Faber, afirmou que a perspectiva é de uma redução relevante nos montantes compensados em 2021. No caso das desonerações, o governo deixou de arrecadar R$ 119,418 bilhões em 2020 ante R$ 96,568 bilhões um ano antes. Apenas em dezembro, elas somaram R$ 11,716 bilhões. No ano, o destaque foi a desoneração do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) Crédito, medida tomada para fazer frente à crise, que somou R$ 19,689 bilhões. Também presente na divulgação, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, afirmou que a arrecadação dos Estados cresceu 2,14%, em termos nominais, em 2020 na comparação com o ano anterior. Os números consideram receitas líquidas com ICMS e IPVA. “A arrecadação dos entes subnacionais apresentou recuperação em 2020”, afirmou o secretário, acrescentando que o “fundo do poço” para entes em termos de receita foi em junho e, depois disso, foi observada uma trajetória contínua de recuperação. Ele afirmou que faltam dados de nove Estados relativos ao mês de dezembro. Segundo ele, o auxílio recebido pelos Estados, por meio da lei complementar 173, foi mais do que suficiente para compensar as perdas de arrecadação sofridas em 2020. Isso vale para todos os Estados e Distrito Federal. A “suficiência” foi de 115,7%, segundo a secretaria. O chefe do Centro de Estudos Tributários na Receita Federal, Claudemir Malaquias, reforçou que o desempenho a partir de agosto foi “extremamente vigoroso”. “Iniciamos a recuperação e foi melhorando gradualmente até dezembro”, disse ele, acrescentando que, em termos reais, os números também estão em trajetória positiva. VALOR ECONÔMICO
A indústria e as tetas do governo (Celso Ming)
Como relata matéria do Estadão do domingo 17 de janeiro, nada menos que 36,6 mil fábricas foram fechadas no Brasil desde 2014. São 17 por dia. (Veja os gráficos.) Os números foram levantados pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). É um ritmo avassalador. A desidratação da indústria de transformação é fenômeno global, consequência de múltiplos fatores, como o processo de globalização e a revolução tecnológica. Mas, no Brasil, vem acontecendo mais rapidamente do que no resto do mundo. Desde que começou no Brasil a política de substituição das importações, que se caracteriza pelo esforço de produção no mercado interno dos industrializados que antes se importavam, vem-se discutindo a fragilidade do capital e a falta de competitividade do setor fabril. Por isso, a chamada política industrial tem-se pautado tanto pelo fortalecimento da participação do poder público nas empresas (estatização) quanto pela atração de capitais estrangeiros no setor produtivo. A ideia era que, por um período relativamente curto, a indústria devesse ser protegida com benefícios fiscais e tarifas alfandegárias elevadas, barrando a entrada de importados, de maneira que pudesse adquirir musculatura e, assim, garantir o desenvolvimento do País. No entanto, os mecanismos de proteção não só se perpetuaram, mas se reforçaram indefinidamente. E isso trouxe consequências. Longe de fortalecer a indústria, a superproteção produziu efeito contrário. Com as exceções de praxe, a indústria brasileira continua descapitalizada e pouco competitiva. Em fóruns e conferências, repete-se que, apesar de tudo, o Brasil é um mercado enorme e que os capitais de porte não podem ficar de fora. No entanto, até mesmo as multinacionais sofrem dessa anemia. Não conseguem exportar nem para países vizinhos. A saída da Ford é eloquente demonstração disso. O que se pode acrescentar ao que tem sido dito é que o empresário, por atuação pessoal e por meio de seus organismos de classe, deve ser responsabilizado por grande parte do processo de desindustrialização no Brasil. Em nome da criação de empregos e do desenvolvimento, ele não faz outra coisa senão passar o pires para favores do governo. São subsídios, créditos a juros favorecidos (como até recentemente os do BNDES), presentes em terrenos, obras de infraestrutura e facilidades burocráticas. Os regimes especiais, como Sudene, Sudam e Zona Franca de Manaus, se multiplicaram nos últimos 70 anos. O empresário quer reservas de mercado, tarifas alfandegárias altíssimas e proteção cambial. Virou folclore na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a máxima de que, seja qual for a cotação do dólar, o câmbio está sempre “defasado em pelo menos 30%”. O empresário quer vista grossa no atraso no recolhimento de impostos e sempre pressiona por anistias tributárias. Um Refis (redução e facilidade para pagamentos de impostos devidos) sempre emenda no anterior. É como o viciado em tabaco, que acende o cigarro seguinte na brasa do anterior. Essa relação simbiótica mantém a empresa refém do setor público e dissemina o raquitismo – até que a situação exasperante das finanças públicas não consiga mais garantir a dosagem anterior de vitaminas e estimulantes. A indústria tem jeito? É claro que tem. Está equivocado o presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, que chegou a sugerir que o Brasil desista da indústria e foque no desenvolvimento da agropecuária e da mineração de commodities, esses, sim, setores competitivos. Mas, para que passe a ter jeito, a indústria tem de se livrar das tetas do governo e assumir sua maioridade. O ESTADO DE S. PAULO