Doria cancela corte de benefício para insumo agrícola de alimentos e genéricos

Devido ao acirramento da pandemia e em meio a pressões, o governo de São Paulo cancelou alguns dos cortes de 20% de benefícios de seu pacote de ajuste fiscal aprovado em outubro. Ficam fora do veto à renúncia total ou parcial de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) insumos agropecuários para a produção de alimentos e medicamentos genéricos. Com isso, três dos setores em que houve maiores queixas são atendidos. Segundo disse em reunião com secretários na noite desta quarta (6) o governador João Doria (PSDB), a realidade no momento em que o projeto de lei sobre o tema foi enviado à Assembleia Legislativa era outra: a curva de mortes e infecções pelo novo coronavírus era descendente. O texto do projeto de lei 529 havia sido apresentado em 13 de agosto, sendo votado em 16 de outubro. Ele previa 20% de corte de todos os benefícios fiscais, visando uma economia de R$ 7 bilhões este ano. As contas agora estão sendo refeitas, e não se sabe se haverá medidas compensatórias adicionais. A partir do fim do mês de sua aprovação, a pandemia voltou a recrudescer no país, São Paulo inclusive, levando ao estágio de crise atual. Além disso, o corte provocou uma grita enorme dos setores afetados, que vem sendo usada por adversários políticos do tucano, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ambos deverão se enfrentar na disputa de 2022. A principal redução de benefícios incidia sobre produtos ou serviços com isenção ou alíquotas baixas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o principal tributo estadual. Para críticos, era um aumento de carga tributária disfarçado. Inicialmente, as queixas foram concentradas na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), adversária política de Doria, que previa um repasse de preços ao consumidor em janeiro que foi classificado como exagerado pela Secretaria de Fazenda. Só que as reclamaçõe se espraiaram, com ações judiciais ora em curso contra a medida, promovidas por entidades como o sindicato das farmacêuticas, o Sindusfarma. Os genéricos, que pagavam 12% de ICMS, passariam a pagar 13,3%. No geral, o sindicato estimou em quase 22% o aumento médio do preço de medicamentos neste ano. Hospitais privados também protestaram. Politicamente, a pressão veio também de grupos bolsonaristas aliados de produtores rurais, que promovem uma campanha virtual contra Doria e marcaram um tratoraço em dezenas de cidades do interior paulista nesta quinta (7). Boa parte dos insumos do setor, como fertilizantes, não pagava ICMS antes do corte. Com toda a pressão, o governo havia criado uma força-tarefa com secretários para analisar a redução linear dos 20% de benefícios. A decisão pelo congelamento, contudo, foi de Doria. O governo se ampara na Lei de Responsabilidade Fiscal, que considera alíquotas abaixo daquela padrão do ICMS, 18%, benefícios fiscais. Nas contas da Fiesp, contestadas pelo governo, teriam aumentos diversos produtos, como couro e calçados (de 3% a 7,4%), eletrônicos (4,4%) comunicação (4%), entre outros. Com a medida, o Palácio dos Bandeirantes estimava arrecadar cerca de R$ 7 bilhões a mais neste ano, mitigando o rombo de R$ 10,4 bilhões causados pela perda de arrecadação com a pandemia em 2020. O governo conta com a vacina para retomar a economia, além de planos de estímulos já anunciados. Doria já anunciou a primeira fase do plano estadual de imunização com a vacina Coronavac, contra a Covid-19, que deverá atingir 9 milhões de pessoas —profissionais de saúde, pessoas com mais de 60 anos e grupos vulneráveis. A eficácia do fármaco será divulgada nesta quinta (7) e o plano, se tudo correr como o planejado pelo governo e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovar a Coronavac rapidamente para esse uso emergencial, começa no dia 25. A lei do ajuste fiscal já deu outras dores de cabeça a Doria. Um dispositivo permitindo a apropriação do superávit de fundações estaduais para fins de composição do resultado primário do governo foi apontado como um ataque à ciência. Isso porque uma das entidades afetadas era a Fapesp, que fomenta pesquisas e trabalha no azul. As críticas na comunidade científica foram enormes e Doria, cioso de sua imagem de contraposição ao negacionismo de Bolsonaro, cedeu e assinou um decreto garantindo os recursos da Fapesp. FOLHA DE S. PAULO

Bolsonaro mantém até R$ 305 bi em privilégios tributários ao não ‘fazer nada’

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dizer que não pode reajustar a tabela do Imposto de Renda porque o país estaria quebrado, mudanças nas atuais regras de benefícios tributários poderiam mais do que compensar a medida. O ministro Paulo Guedes (Economia) calcula que seriam necessários R$ 36 bilhões para corrigir a tabela do Imposto de Renda e ainda ampliar a isenção para quem recebe até R$ 3.000 por mês (hoje, o limite é de R$ 2.379,97). Em comparação, o país concederá em 2021 mais de oito vezes o valor citado por Guedes por meio de benefícios tributários a pessoas e empresas em programas vistos por representantes de auditores-fiscais como não justificados. Levantamento atualizado da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) encaminhado à Folha aponta que os privilégios tributários serão de R$ 305 bilhões neste ano. A entidade considera como privilégios os gastos tributários concedidos a um grupo de contribuintes, sem que haja uma contrapartida clara (ou comprovada por estudos técnicos) para estimular o desenvolvimento econômico sustentável sem elevar a concentração de renda ou diminuir as desigualdades. Entre os maiores privilégios elencados pela entidade estão os lucros e dividendos, que não são tributados no Brasil. Uma cobrança de até 27,5% sobre a distribuição dos resultados de empresas a seus acionistas poderia gerar quase R$ 60 bilhões em 2021, estima a Unafisco (já considerando uma sonegação de 27%, percentual geralmente usado nas estimativas). Outra medida apontada é o imposto sobre grandes fortunas. Uma alíquota de 4,8% sobre patrimônios acima de R$ 53,47 milhões arrecadaria mais de R$ 50 bilhões em um ano, nas contas da entidade. Também integram a lista de privilégios apontados pela Unafisco itens como programas de parcelamentos especiais, auxílio para exportação da produção rural, Zona Franca de Manaus e Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Outros pontos da lista são vistos como privilégios parciais, pois a Unafisco interpreta que eles atendem justificadamente uma parcela da população, mas demandam ajustes para serem mais direcionados a quem realmente precisa. Enquadram-se nesse caso o Simples Nacional, a desoneração da cesta básica e os benefícios tributários para medicamentos. Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional, diz que praticamente todas as mudanças nos benefícios listados demandariam aval do Legislativo. Mas que, mesmo assim, o presidente da República erra ao dizer que não pode fazer nada. “É um discurso que fica esvaziado. É claro que ele pode fazer alguma coisa”, afirma Silva. Ele lembra que o presidente poderia, por exemplo, enviar um projeto de lei ao Congresso ou editar uma MP (medida provisória), que entra em vigor imediatamente e demandaria aval dos parlamentares em até quatro meses. O presidente não tem liderado debates sobre a revisão dos benefícios. Para Silva, Bolsonaro na verdade tem ido na direção contrária e ampliado os gastos tributários com medidas a setores específicos. Exemplos recentes disso foram o corte do imposto de importação sobre armas e sobre videogames. “Na questão das armas, ele não pensou que o país estava quebrado. Então a determinação do presidente em alguns assuntos ideológicos não é a mesma para cumprir esse compromisso de campanha [no Imposto de Renda]”, diz. Na equipe econômica, a revisão dos gastos tributários continua como uma das metas de Guedes. Há alguns meses, ele solicitou a sua equipe um estudo aprofundado sobre o impacto gerado por um programa de redução dos benefícios em impostos concedidos pela União. O time atualmente estuda diferentes dimensões de impacto dos gastos tributários, principalmente no nível de atividade econômica, no nível de emprego e na arrecadação. Para isso, são analisados dados de arrecadação e gasto por setores, regiões e tipo de programa. Há pouco menos de um mês, Guedes prometera apresentar uma proposta ao mencionar que haveria um “forte sinal” ainda em 2020 para a redução de subsídios e gastos tributários. “Acho que, antes do fim do ano, vamos dar um forte sinal de que estamos promovendo a agenda fiscal. Estamos enviando um forte sinal para reduzir subsídios e gastos tributários”, afirmou em vídeo divulgado em 9 de dezembro. Mas nenhuma iniciativa foi divulgada depois. Antes disso, o governo havia enviado um projeto de lei ao Congresso para fundir PIS e Cofins na nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o que eliminaria diferentes regimes especiais de tributação. Mas, em meio a uma série de divergências com o Legislativo, a proposta continua parada. A revisão dos benefícios é recomendada por analistas e entidades como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que afirma haver muito espaço para rever incentivos tributários e defende uma reestruturação do sistema de impostos do país. FOLHA DE S. PAULO

Narrativas tributárias (Everardo Maciel)

Desde os primórdios, a humanidade se valeu de narrativas como forma de disseminação do conhecimento e preservação das tradições e valores. Nem sempre, entretanto, elas traduziam a verdade, por ato consciente ou não do narrador. Como ensina o jurista Ives Gandra, tributo é norma de rejeição social, o que, combinado com a exigência de conhecimentos especializados sobre a matéria, converte a tributação num território pródigo para construção de narrativas, que podem tão somente traduzir vieses ideológicos ou interesses específicos, legítimos ou não, subsistentes ou não. No Brasil, o debate tributário contemporâneo tem conferido muita atenção às denominadas renúncias fiscais. Renúncia, no campo jurídico, corresponde ao “abandono ou desistência voluntária de um direito pelo seu não exercício, pelo não cumprimento de exigências para sua conservação ou por declaração expressa” (Dicionário da Língua Portuguesa, Academia de Ciências de Lisboa). Não há, pois, renúncia diante de uma obrigação. Renúncias fiscais se inscrevem no âmbito da extrafiscalidade, que é tão universal e atemporal quanto a própria história dos tributos. O propósito é utilizar tributos para estimular iniciativas ou robustecer condutas, coexistindo com a função arrecadatória. Esse exercício demanda parcimônia, sujeição ao interesse público e aferição de resultados. No domínio das desonerações tributárias, o direito pátrio reserva a denominação de imunidade para as desonerações que se deduzem do texto constitucional. Imunidades, pois, encerram a ideia de obrigatoriedade, o que afasta de pronto a possibilidade de renúncia. Há imunidades que são irrestritas, como a desoneração do ICMS e do IPI nas exportações para o exterior; outras podem ser disciplinadas por legislação infraconstitucional, como o limite de faturamento para a concessão de tratamento privilegiado e simplificado para as micro e pequenas empresas, o universo dos produtos desonerados na Zona Franca de Manaus, os requisitos para fruição da imunidade das entidades de assistência social. Em ambos os casos, todavia, inexiste a possibilidade de deixar de dar curso ao mandamento constitucional. Caso o legislador não positivasse as imunidades sujeitas a restrições por lei complementar, daria pretexto ao ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão. Jamais se aventou a possibilidade de apurar a desoneração, nas exportações, do ICMS e do IPI como renúncia, mas, não raro, se pretende qualificar como renúncias as imunidades sujeitas a disciplinamento por legislação infraconstitucional, o que constitui erro palmar. Pode-se, por exemplo, discutir o limite de faturamento do Simples, mas jamais dispensar tratamento privilegiado e simplificado para as micro e pequenas empresas. Em outra perspectiva, é bom lembrar que a inexistência do Simples é a certeza de uma colossal informalidade, que pode recepcionar práticas perigosas, porquanto se converteria em atividade à margem da sociedade. É certo que renúncias fiscais – não imunidades – devem ser submetidas a avaliações. Quando ineficazes, devem ser revistas por lei, conforme prescrição constitucional, observada a limitação imposta pelo art. 178 do Código Tributário Nacional, quanto às isenções concedidas por prazo certo e sob condições. Eliminar uma renúncia fiscal não implica a constituição de equivalente montante de receitas. Pode, simplesmente, eliminar a atividade. Assim, alcança-se o pior dos mundos: não há renúncia nem receita. Cada situação, portanto, deve ser submetida à avaliação específica, sem a pretensão de generalizar. Renúncia fiscal pode, também, estar associada a políticas sociais, a exemplo da isenção de produtos da cesta básica. A supressão dessa desoneração, mediante adoção de alíquota única na tributação do consumo, como tem sido aventado, é uma hipótese extrema de regressividade, afrontando, como observou o tributarista Edvaldo Brito, o celebrado princípio constitucional da capacidade contributiva. CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002) O ESTADO DE S. PAULO

Analistas sugerem reforma tributária

Mudanças na política de isenção fiscal podem até atingir o objetivo de aumentar a arrecadação de um Estado no curto prazo, mas também podem fazer preços subirem. Com o passar do tempo, a medida pode levar à queda nas vendas e, consequentemente, na arrecadação. Para analistas, a saída mais eficiente para o problema fiscal enfrentado por vários Estados é uma reforma que simplifique a arrecadação de tributos. Na avaliação da pesquisadora da FGV Agro Talita Priscila Pinto, autora de estudo sobre a incidência do ICMS para a economia paulista, o efeito do fim da isenção do imposto para itens que são usados na cadeia do agronegócio não só será repassado ao consumidor como pode custar mais caro às pessoas do que vai arrecadar ao Estado. Na noite de ontem, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), recuou e suspendeu o corte de benefícios fiscais do ICMS para alimentos e medicamentos genéricos. “Para cada R$ 1 que o contribuinte pagar em imposto, ele vai ter que abrir mão de consumir R$ 2,75”, disse Talita ao Estadão antes do anúncio da suspensão em mudanças no ICMS. Segundo a pesquisadora, seu estudo projeta uma retração no PIB de São Paulo de até R$ 4 bilhões em 2021 e 2022. Para ela, famílias mais pobres podem sofrer com a eventual alta de preços nos produtos agropecuários, pois tendem a gastar uma parcela maior de seus rendimentos com alimentos. Talita lembrou que uma saída mais sustentável a médio prazo seria a aprovação de uma reforma tributária. Por outro lado, segundo a pesquisadora, outros Estados e mesmo o governo federal já promoveram cortes em benefícios setoriais, como os adotados por São Paulo, para lidar com queda na arrecadação. O economista Heron do Carmo, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), também acredita que a tendência é a de que os empresários do agronegócio repassem o custo ao consumidor final. Em entrevista pouco antes do recuo de Doria, o secretário estadual de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo, defendeu que, em vez de repassar o custo ao consumidor, produtores rurais reduzam a margem de lucro para absorver o valor do imposto. Equilíbrio. “Esse tipo de solução não é a ideal. Já vimos isso com a Cide (tributo da gasolina) do combustível e com a CPMF. A solução ideal é uma reforma tributária que repactue tudo isso e mantenha uma situação de equilíbrio (fiscal), já que há um problema de arrecadação do Estado. Mas é difícil”, disse o professor da FEA-USP. A proposta, segundo o economista, deveria ser debatida levando em conta, inclusive, a desproporção dos impostos pagos por um trabalhador formal ou por um microempresário. “Em momentos de crise, na história econômica do Brasil recente, esse processo de retirada de subsídios ou de criação de novos impostos e novas taxas, já vem acontecendo nesse quadro de restrição orçamentária”, disse Carmo. “Uma solução é tentar reduzir gasto – há muita dificuldade para isso – e o outro é aumentar tributo ou reduzir benefício tributário.” Talita concordou com a necessidade de reforma: “Nosso sistema é extremamente complexo e reforma é necessária”. ‘Subsídio’ “Esse processo de retirada de subsídios ou de criação de novos impostos já vem acontecendo.” Heron do Carmo PROFESSOR DA USP O ESTADO DE S. PAULO

‘País precisa aproveitar onda de liquidez e aprovar reformas’

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Até o fim do primeiro trimestre de 2021 a onda de liquidez global na qual os mercados brasileiros surfam deve chegar ao fim. Congresso e Executivo deveriam aproveitar o período para encaminhar medidas estruturais de redução de despesas e garantir a cobertura do teto de gastos, afirma Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas e economista-chefe da gestora RPS Capital. A partir do segundo trimestre, com o avanço da vacinação no mundo, os investidores devem tornar-se mais seletivos com os emergentes, diz ele. Para ele, a maioria dos democratas no Senado americano, devido à vitória do partido nas eleições para duas vagas no Estado da Geórgia, “deve implicar uma política fiscal mais expansionista, e isso fomenta um mundo com disposição maior para o risco, beneficiando os mercados emergentes”. O processo de alta dos juros nos EUA deve ocorrer na esteira desse movimento, diz Barros, mas isso se daria apenas depois de uma aceleração mais forte da inflação. É preciso ver o global nos ajudando e a janela de oportunidade. Se perdermos isso, será um erro gigante”. O Brasil não fez nenhuma reforma estrutural recente, e desde o fim de novembro está sendo carregado pelo resto do mundo, observa ele. “Há uma liquidez cavalar e uma corrida por emergentes. Dá para ter essa conjuntura até o primeiro trimestre e sobreviver assim até lá. Mas o avanço da vacinação vai separar o joio do trigo. Os investidores vão separar os emergentes com fundamentos macro bons dos ruins. A euforia vai acabar”. Ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Barros defende como prioridade uma discussão em separado dos gatilhos do teto de gastos. Em segundo lugar viria a reforma tributária. “Com uma boa PEC dos gatilhos, teríamos horizonte fiscal até 2022. O teto não ruiria”. E uma boa reforma tributária, diz, daria resultados num prazo curto, de quatro anos, em termos de investimento e crescimento da economia. A reforma administrativa e a do Pacto Federativo viriam depois. A seguir, os principais trechos da entrevista. Estudo mostra que a partir do quarto ano reforma tributária já faz diferença em investimentos e crescimento ” Valor: Como a eleição para a presidência da Câmara e do Senado deve influenciar a agenda econômica em 2021? Gabriel Leal de Barros: A retomada da agenda de reformas em 2021 depende da presidência das Casas, que têm o poder de pautar. Se o foco for em agenda de costumes, perderemos uma baita oportunidade. O mercado tem estado otimista porque os estímulos do Federal Reserve, do Banco do Japão, do Banco Central Europeu são gigantescos. Há liquidez cavalar e uma corrida pelos emergentes. Não fizemos nenhuma reforma estrutural e estamos desde novembro pegando carona no resto do mundo. Teremos essa conjuntura até o fim do primeiro trimestre, mais ou menos, e podemos sobreviver assim até lá. Valor: Por que só até o primeiro trimestre? Barros: A partir de 2021, boa parte dos países terá algum avanço da vacinação, incluindo emergentes. Será o momento de separar o joio do trigo. Os investidores vão separar emergentes com fundamentos macro bons dos que têm fundamentos ruins. E, neste momento, qual o potencial do Brasil? Essa euforia [no mercado brasileiro] tem uma hora para acabar. Valor: E qual deve ser o impacto da maioria do Partido Democrata no Senado americano sobre o mercado global? Pode levar a um período menos prolongado de juros globais mais baixos, pela perspectiva de maiores estímulos fiscais? Barros: A vitória democrata pode até reforçar a tese de dólar fraco e maior fluxo e liquidez para os emergentes. Ela deve implicar uma política fiscal mais expansionista, e isso fomenta um mundo com maior disposição para o risco, beneficiando os mercados emergentes. O início do processo e normalização da política monetária deve ocorrer na esteira desse movimento, mas entendo que somente depois da inflação ter acelerado para um patamar acima da meta do Fed [de 2%] ou seja, ocorreria apenas mais para frente. Valor: Há o risco de se achar que está tudo bem e as reformas não caminharem? Barros: No governo Lula I e metade do Lula II, até 2008, houve como benefício um cenário global favorável, com os termos de troca em patamar muito positivo em razão da fortíssima demanda por commodities. Pegamos carona no cenário global benigno, apesar de termos feito algumas, porém tímidas e insuficientes reformas estruturais. A partir de 2009, revisitado em 2012, a estratégia mudou e apostamos em novo arranjo de política econômica, com substancial crescimento das renúncias fiscais, excesso de microgerenciamento, custos irrecuperáveis em alguns setores como o elétrico e naval e houver a perda da âncora fiscal. Tentamos ir por um caminho que sempre deu errado. E deu errado de novo. É preciso olhar para fora e enxergar quando o global está nos ajudando e o tamanho da janela de oportunidade. Se perdermos isso, será um erro gigante. Neste momento, não precisamos nem fazer uma reforma “first best”. Se fizermos uma “second best”, subótima, seria bom. Valor: O que é uma reforma subótima? Barros: Pega o pacote DDD [desvincular, desindexar, desobrigar] do Paulo Guedes. É forte. Congela benefícios até um salário mínimo, acima dele, congela e agrega gastos de saúde e educação, o que tecnicamente faz sentido. Mas politicamente não passa. Tem redução de salário de servidor. O [presidente da Câmara] Rodrigo Maia tinha sinalizado que [congelar benefícios] acima de um salário mínimo ele topava. Só isso são R$ 19 bilhões. Por que é tanto dinheiro? Porque o INPC, que corrige os benefícios acima do salário mínimo, será em torno de 5,2% em 2020. E há um problema de descasamento com o teto de gastos corrigido por 2,13% [o IPCA até junho de 2020 em 12 meses]. Cerca de 55% dos gastos dentro do teto serão corrigidos pelo INPC: toda a Previdência, o Benefício de Prestação Continuada, o abono salarial, o seguro-desemprego. O piso está subindo e estrangulando as despesas discricionárias. Calculo que o buraco é de R$ 26 bilhões, um problema enorme para 2021. Em 2022, isso se reverte. A inflação será

Mais lojistas abrem ações contra shoppings

Nas últimas semanas, o Valor levantou o teor de quase 400 processos na Justiça de São Paulo e Rio de Janeiro, em 2019 e 2020, envolvendo redes de varejo e os cinco principais grupos de shopping centers do país. Os números mostram piora do quadro de judicialização de contratos no segundo semestre, mesmo com a reabertura dos empreendimentos pelo país. Há lojas e franquias de grandes cadeias de varejo e de restaurantes acionando os shoppings judicialmente, algo que não se via nos primeiros meses de pandemia. A projeção é que, com a cobrança do 13º aluguel, que sempre ocorre em janeiro, a pressão por novos acordos cresça nas próximas semanas. Houve alta de 73,3% no volume de ações de lojas contra shoppings no estado de São Paulo e de 27,6% no Rio em 2020 versus o ano anterior. Na via oposta, a quantidade de ações de shoppings contra lojistas recuou quase 59% em São Paulo e 77% no Rio. Os dados consideram o período de pandemia (março a dezembro de 2020) versus o ano anterior. Entre junho e agosto, lojistas como Hering, Bob’s, Spoleto, Papel Magia, Brasil Cacau acionaram a Iguatemi na Justiça, por meio de lojas próprias ou franqueadas. De setembro a dezembro, lojista da Adidas, a rede Ammo Varejo (M.Martan, Artex) e drogarias da Profarma abriram ações contra a Multiplan. Entre os shoppings, a Multiplan pediu no fim do ano despejo de unidade da rede japonesa Miniso e das cadeias de moda Forever 21 (em crise em vários países) e da Maria Filó (grupo Soma), no Rio. A Aliansce Sonae solicitou despejo por falta de pagamentos de um restaurante do Giraffas, em maio, e da Piticas Moda, em agosto, ambas no Rio. A Iguatemi pediu em dezembro para executar de forma extrajudicial título da rede Amaro. Além de Aliansce Sonae, Iguatemi e Multiplan, o levantamento incluiu a BR Malls, maior empresa do setor de shoppings no país, e a JHSF Malls. Estas duas têm o menor número de ações: 15 e 6, respectivamente, em São Paulo e Rio (considerando autora e ré). Na Aliansce Sonae, foram 26 ações nos dois Estados desde março, na Iguatemi, 51, e na Multiplan, 60 casos – o maior número – como autoras e rés. Em todas os casos, as ações pedem revisão de aluguel ou renovação de contrato condicionada à negociação dos valores de locação. O Valor desconsiderou ações duplicadas e não relativas a negociações de despesas. Entre abril e maio, boa parte dos empreendimentos isentou ou reduziu as cobranças (locação, condomínio e fundo de promoção), por conta do fechamento das lojas no começo da pandemia. A Abrasce, entidade dos shoppings, fala numa isenção de R$ 5 bilhões em despesas aos lojistas na primeira metade do ano. Mas a reabertura gradual dos pontos, após maio, e o retorno das cobranças, sem que as vendas reagissem mais rapidamente (especialmente no Sudeste e no Sul) aumentou os desentendimentos e fez varejistas recorrerem à Justiça, dizem as lojas. No Natal, as vendas nos shoppings caíram 12%. No varejo em geral a queda foi menor, de 1,8%, segundo pesquisa da Cielo. Nessa negociação, os shoppings entendem que já deram a sua cota de sacrifício e citam dados melhores de vendas. “Havia um ambiente favorável ao diálogo no começo da crise. Depois disso, após junho, julho, o funcionamento das lojas voltou ao normal em muitas praças, chegando atingir 90% das vendas de um ano atrás. Não há porque manter os shoppings pagando essa conta por mais tempo”, diz o vice-presidente de uma operadora de centros comerciais. Os shoppings passaram a informar as lojas, em junho, que as negociações no resto do ano seriam individuais, e não mais coletivas, como no começo da crise. Shoppings ouvidos pelo Valor entendem que as ações na Justiça não são relevantes. Uma dessas fontes diz que, se considerar o universo de cerca de 100 mil lojas em 577 shoppings no país, 80% a 90% delas têm boa relação com os empreendimentos, diz essa fonte. Na visão da Ablos, que representa lojistas satélites, a questão é que a boa relação não tem impedido o aumento no número de processos. “Há um crescimento das ações, inclusive promovida pelos franqueados, que tem receio de entrar com ações porque muitos têm poucos pontos ainda. E a tendência é de aumento maior por causa da disparada do IGP-M [que reajusta os contratos, e atingiu 23% em 2020] e do 13º aluguel, cujos boletos já chegam nesta semana”, diz Tito Bessa Jr, presidente da Ablos. Nos processos, há decisões afavoráveis aos lojistas e também aos shoppings. Em uma delas, de pedido de revisão de aluguel, de uma loja Brasil Cacau contra a Iguatemi, em julho, a Justiça indeferiu a liminar de suspensão dos vencimentos por se tratar de “um pedido de moratória”. Na ação de uma rede de moda, que pedia troca de índice de inflação, a liminar contra a Iguatemi foi negada. Mas em outro caso, da rede Spicy, poucos dias atrás foi concedida liminar para definir o valor de aluguel com base no reajuste do IPC (inferior a 5% no ano). Em julho, uma franquia do Bob’s obteve o direito de pagar uma espécie de “aluguel provisório”, de 70% do valor da locação, até a normalização das atividades. Procurada, a Aliansce Sonae diz que mantém diálogo com os lojistas. “Desta forma, a judicialização dos casos, com redução expressiva em 2020, só ocorre em último caso”. Sua vacância segue baixa, “a menor entre as empresas de capital aberto”. A Multiplan diz que “cumpre rigorosamente os seus contratos”. A JHSF diz que tem adotado postura de transparência e de parceria, o que evitou questionamentos de lojistas. E que as disputas em curso não têm relação com a pandemia. BR Malls e Iguatemi não comentaram. Hering, Spoleto, Ammo, Profarma, Adidas, Miniso, Giraffas, Piticas e Maria Filó não comentaram. A Amaro diz que não foi notificada da ação e segue em negociação com o shopping. O Bob’s afirma que se trata de uma ação isolada de um franqueado, sem

Bolsa Família pode incluir mais 200 mil famílias

Medida provisória em estudo prevê a unificação de benefícios já existentes no programa, o reajuste de valores e ainda a criação de novas bolsas – por mérito escolar, esportivo e científico; fila de espera para receber a ajuda oficial reúne hoje 1,3 milhão de famílias Sem um substituto para o auxílio emergencial, o governo prepara uma medida provisória para reestruturar o Bolsa Família dentro do orçamento de R$ 34,8 bilhões já reservado para 2021. Segundo apurou o Estadão/broadcast ,a ideia é unificar benefícios já existentes no programa, reajustar os valores e criar novas bolsas: por mérito escolar, esportivo e científico. Nesse desenho, 14,5 milhões de famílias seriam contempladas, pouco mais de 200 mil acima do número atual (14,3 milhões). O texto ainda está sendo trabalhado pelos ministérios e precisa ser validado pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso isso não ocorra e a proposta seja engavetada, o governo tem espaço para incluir cerca de 700 mil famílias no formato atual do programa – e com os mesmos recursos. A concessão mais significativa dos benefícios, porém, só ocorreria após a aprovação do Orçamento de 2021, ainda pendente porque o Congresso está focado na eleição para as presidências da Câmara e do Senado, prevista para 1.º de fevereiro. Em qualquer um dos cenários, fontes que participam das discussões admitem que não será possível contemplar todos os que estariam habilitados a ingressar no Bolsa Família. Isso seria viável apenas se o Congresso destinasse mais recursos para o programa durante a votação do Orçamento. A fila para entrar hoje no programa é estimada em cerca de 1,3 milhão de famílias, segundo apurou a reportagem. Especialistas veem risco de esse número aumentar, diante da crise econômica, do fim do auxílio emergencial e do aumento do desemprego no País. Auxílio emergencial. A proposta de reestruturação do Bolsa Família vem num momento em que o governo sofre pressão para fortalecer as políticas sociais, após o fim do auxílio emergencial no dia 31 de dezembro. Criado para ajudar famílias atingidas pela pandemia de covid-19, o benefício chegou a custar mais de R$ 50 bilhões ao mês e sua manutenção é considerada inviável pela equipe econômica. O governo discutiu uma reformulação dos programas sociais, com injeção de recursos no chamado Renda Brasil, mas as resistências do próprio presidente à revisão ou extinção de políticas como o abono salarial (espécie de 14.º salário pago a trabalhadores com carteira assinada e que ganham até dois salários mínimos) dificultaram essa alternativa. Agora, boa parte dos eixos que faziam parte do desenho original do Renda Brasil está sendo incluída na medida provisória de reestruturação do Bolsa Família, ainda que com um alcance limitado pelo orçamento disponível. A ideia é bater o martelo sobre a reestruturação ainda este mês. Os valores e o número de famílias contempladas podem ser calibrados, caso o Congresso decida destinar mais verbas ao programa. Segundo apurou o Estadão/broadcast, o valor médio do benefício – hoje em torno de R$ 190 – deve passar a aproximadamente R$ 200. As faixas de renda que servem de linha de corte para o ingresso no programa também serão reajustadas. A situação de extrema pobreza, atualmente reconhecida quando a renda é de até R$ 89 por pessoa, subirá a cerca de R$ 92 por pessoa, de acordo com a proposta que está em elaboração dentro do governo. A situação de pobreza, quando a renda é de até R$ 178 por pessoa, será alterada para aproximadamente R$ 192 por pessoa. As faixas que servem de critério para a concessão do Bolsa Família estão sendo calculadas para alcançar o máximo possível de famílias com o orçamento disponível. Técnicos ressaltam que esse valor pode ser alterado por meio de decreto, independentemente de medida provisória, caso o presidente decida nesse sentido e haja recursos disponíveis. Bolsas. O governo também quer criar três bolsas por mérito: escolar, esportivo e científico. A ideia é premiar estudantes de famílias do Bolsa por seus desempenhos nessas áreas. Os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia participam dessas negociações. A ideia é que, no primeiro ano, cerca de 10 mil estudantes sejam contemplados com bolsas por mérito esportivo (para alunos que se destacarem em jogos escolares, por exemplo) e outros 10 mil na categoria iniciação científica. O aluno receberá R$ 100 mensais e a família recebe uma parcela única de R$ 1 mil, somando R$ 2,2 mil no período de um ano. As bolsas devem custar, juntas, aproximadamente R$ 50 milhões. A bolsa por mérito escolar só será implementada em 2022 porque dependerá das notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), avaliação aplicada em larga escala a estudantes da educação básica e que busca medir a qualidade do aprendizado. A partir deste ano, os testes do Saeb serão anuais e obrigatórios para todos os estudantes, o que vai permitir a utilização dos resultados como referência para o pagamento do benefício. A reformulação do Bolsa Família ainda prevê o pagamento de um auxílio-creche, para incentivar mães a deixarem os filhos pequenos na escola e, assim, poderem trabalhar ou buscar emprego. Também há a previsão de unificação e simplificação dos seis tipos de benefício que hoje compõem o programa, para facilitar o entendimento das famílias. O ESTADO DE S. PAULO

Em outubro, pobreza extrema atingia 14 milhões

Em meio à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, o número de famílias em situação de extrema pobreza registrado no Cadastro Único de programas sociais chegou a 14,058 milhões em outubro de 2020, o maior contingente desde dezembro de 2014, segundo o Ministério da Cidadania. O aumento ocorreu a despeito do auxílio emergencial, pago a pessoas afetadas pela covid19, e é um indício de que mais brasileiros precisam de ajuda sustentada do governo para sobreviver. A pobreza extrema hoje é caracterizada pelo governo quando a renda familiar é de até R$ 89 por pessoa. Boa parte das famílias registradas no Cadúnico nessa faixa de renda recebe o Bolsa Família. Em janeiro de 2020, antes da pandemia, o cadastro de programas sociais tinha 13,574 milhões de famílias em de extrema pobreza. Segundo os dados do Ministério da Cidadania, metade das famílias extremamente pobres estão na Região Nordeste (mais de 7 milhões). Especialistas têm apontado para o risco de aumento na pobreza extrema com o fim do auxílio emergencial. Inicialmente pago em parcelas de R$ 600 mensais, o benefício foi reduzido em setembro a R$ 300 até ser extinto no último 31 de dezembro. O ESTADO DE S. PAULO

Endividamento das famílias é o maior desde 2010

A parcela de famílias endividadas registrou em 2020 o maior patamar anual desde 2010 devido à pandemia, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada ontem, a fatia de famílias com dívidas na média anual ficou em 66,5% em 2020, acima de 2019 (64,6%). Foi a maior taxa anual para esse tópico, no levantamento, desde o início da série histórica em 2010, segundo a economista da confederação e responsável pela pesquisa, Izis Ferreira. As famílias, afirmou ela, buscaram crédito para compor renda em um cenário de recursos reduzidos devido à crise econômica causada pela covid-19, com aumento de desemprego e menor renda do trabalho. E além disso, inflação mais forte. Izis não descartou possibilidade de continuidade de alta na parcela de endividados no começo de 2021. Na margem, a fatia de endividados também encerrou em alta, no ano passado. Após três meses em queda, a fatia dos que se declararam com débitos ficou em 66,3% no último mês de 2020. Esse porcentual ficou acima de novembro de 2020 (66%) e de dezembro de 2019 (65,6%). No caso dos indicadores de inadimplência, não houve piora na margem. Mas os resultados de dezembro de 2020 ainda se mostram piores ante 2019. A parcela de endividados que declarou atraso no pagamento de contas ficou em 25,2%, menor que a de novembro de 2020 (25,7%), mas maior que a de dezembro de 2019 (24,5%). Já a parcela dos inadimplentes sem condição de quitar dívida ficou em 11,2%, também inferior a novembro de 2020 (11,5%) mas superior a dezembro de 2019 (10%). Essa busca maior por empréstimos levou a um crescimento da fatia do orçamento das famílias para pagar dívidas. Na pesquisa da CNC, a parcela de renda familiar mensal comprometida com dívidas, em dezembro do ano passado, ficou em 30,2%, a maior desde julho de 2020 (30,3%). Na média, em 2020, a taxa anual dessa parcela ficou em 30% – ligeiramente acima do registrado em 2019 (29,5%) e a maior desde 2017 (30,1%). Foi um ano atípico para as famílias em endividamento, disse a economista. Ao ser questionada sobre continuidade de alta em parcela de endividados em 2021, Izis Ferreira foi cautelosa. Afirmou ser possível devido à continuidade de necessidade de compor orçamento. Ela lembra que, em 2021, não há mais auxílio emergencial, pago pelo governo desde meados do ano passado – no auge do impacto negativo na economia causado pela pandemia – e que supriu, em parte, o consumo interno em meio à crise. Além disso, o emprego no país não mostra sinais de retomada robusta. Porém, outro aspecto tem que ser levado em conta nessa mesma questão, no entendimento da especialista. Muitas dívidas contraídas em 2020 contavam com prazo de carência que se encerraria em 2021. Assim, com as incertezas no mercado de trabalho associada às incertezas sobre a evolução da pandemia no país, é possível que as famílias se mostrem mais cautelosas e menos dispostas a tomar novas dívidas, observou Izis. VALOR ECONÔMICO

O País não está quebrado. O País está sem rumo e sem liderança. (Celso Ming)

Se o presidente Bolsonaro não pode fazer nada, como disse, “porque o País está quebrado”, então, para começar a fazer alguma coisa, ele tem de consertar o País. Ele aponta duas causas da quebra: o novo coronavírus, que paralisou a atividade econômica e derrubou a arrecadação em 2020; e a “mídia sem caráter, que potencializou a covid-19”. Sobre o diagnóstico de que o País está quebrado, não há o que acrescentar ao que seu próprio ministro da Economia e economistas independentes já disseram. A percepção manifestada pelo presidente não está sendo compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível a cair ao primeiro curto-circuito produzido por situações de inadimplência. Não há corrida ao dólar; o índice de risco Brasil medido pelo Credit Default Swap de 5 anos (CDS5) está em queda, como mostra o gráfico; e a Bolsa vive seu momento de pico. Além dos US$ 356 bilhões em reservas externas, a balança comercial apresentou superávit de US$ 50 bilhões em todo o ano de 2020. Portanto, as contas externas não preocupam. Há, sim, um rombo de R$ 651 bilhões contabilizado nas contas públicas em 2020, que pode comprometer o futuro. A dívida pública deve ter terminado o ano passado nos 93,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e avança rumo aos 100% do PIB (veja o gráfico). Esse rombo poderia ser coberto ou reduzido com três providências: com uma estratégia confiável de retomada da economia; com o encaminhamento das reformas administrativa e tributária; e com mais competência na administração dos recursos do setor público. Mas o governo não se move nessa direção. É verdade que a pandemia de covid19 produziu enorme estrago no mundo e também por aqui. Foi ela a causa da queda do PIB do Brasil, próxima dos 4,5% em 2020. Mas a depressão foi menor do que o projetado em abril e maio, o tal recuo de 9,5%. Se o novo coronavírus foi a causa principal da quebra apontada por Bolsonaro, então seria de esperar que seu governo montasse um aparato destinado a combatê-lo. Não foi o que se viu. Até agora, Bolsonaro insistiu em negar a gravidade da pandemia e chegou a tratá-la como “gripezinha”. Para ele, não havia o que fazer para enfrentar a pandemia além de levar a população a tomar cloroquina. Era deixar que as leis de Darwin e as reações espontâneas do sistema imunológico dos brasileiros começassem a funcionar, supostamente até alcançar a polêmica imunização de rebanho. Foi essa postura negacionista que deixou o País despreparado para as vacinas que vêm vindo aí. Quando, finalmente, o Ministério da Saúde, comandado por um “especialista em logística”, entendeu que seria preciso correr atrás dos suprimentos, ficou tarde demais. Na atual marcha das estatísticas, até fevereiro, o Brasil terá contabilizado pelo menos 200 mil mortes. Os países avançados já haviam se adiantado para garantir seus suprimentos de vacina e de tudo o que a acompanha: pessoal, equipamentos de conservação, seringas e tudo o mais. Até mesmo países mais pobres do que o Brasil começaram a vacinar sua população, como é o caso da Argentina, da Índia, do México e do Chile. Se Bolsonaro estivesse correto e se a principal causa da suposta quebra do Brasil fosse mesmo a pandemia, pela mesma lógica, seria preciso admitir que a omissão do governo em combatê-la terá sido causa equivalente. Se se recusam a combater um incêndio, os bombeiros também são causa e têm de ser responsabilizados por ele. A alegação de que a “mídia sem caráter” ajudou a afundar o País não merece consideração. Bastam as contradições do presidente para mostrar como o País está sem rumo e sem liderança. O ESTDO DE S. PAULO