Bolsonaro mantém até R$ 305 bi em privilégios tributários ao não ‘fazer nada’

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dizer que não pode reajustar a tabela do Imposto de Renda porque o país estaria quebrado, mudanças nas atuais regras de benefícios tributários poderiam mais do que compensar a medida.

O ministro Paulo Guedes (Economia) calcula que seriam necessários R$ 36 bilhões para corrigir a tabela do Imposto de Renda e ainda ampliar a isenção para quem recebe até R$ 3.000 por mês (hoje, o limite é de R$ 2.379,97).

Em comparação, o país concederá em 2021 mais de oito vezes o valor citado por Guedes por meio de benefícios tributários a pessoas e empresas em programas vistos por representantes de auditores-fiscais como não justificados.

Levantamento atualizado da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) encaminhado à Folha aponta que os privilégios tributários serão de R$ 305 bilhões neste ano.

A entidade considera como privilégios os gastos tributários concedidos a um grupo de contribuintes, sem que haja uma contrapartida clara (ou comprovada por estudos técnicos) para estimular o desenvolvimento econômico sustentável sem elevar a concentração de renda ou diminuir as desigualdades.

Entre os maiores privilégios elencados pela entidade estão os lucros e dividendos, que não são tributados no Brasil. Uma cobrança de até 27,5% sobre a distribuição dos resultados de empresas a seus acionistas poderia gerar quase R$ 60 bilhões em 2021, estima a Unafisco (já considerando uma sonegação de 27%, percentual geralmente usado nas estimativas).

Outra medida apontada é o imposto sobre grandes fortunas. Uma alíquota de 4,8% sobre patrimônios acima de R$ 53,47 milhões arrecadaria mais de R$ 50 bilhões em um ano, nas contas da entidade.

Também integram a lista de privilégios apontados pela Unafisco itens como programas de parcelamentos especiais, auxílio para exportação da produção rural, Zona Franca de Manaus e Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).

Outros pontos da lista são vistos como privilégios parciais, pois a Unafisco interpreta que eles atendem justificadamente uma parcela da população, mas demandam ajustes para serem mais direcionados a quem realmente precisa. Enquadram-se nesse caso o Simples Nacional, a desoneração da cesta básica e os benefícios tributários para medicamentos.

Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional, diz que praticamente todas as mudanças nos benefícios listados demandariam aval do Legislativo. Mas que, mesmo assim, o presidente da República erra ao dizer que não pode fazer nada.

“É um discurso que fica esvaziado. É claro que ele pode fazer alguma coisa”, afirma Silva.

Ele lembra que o presidente poderia, por exemplo, enviar um projeto de lei ao Congresso ou editar uma MP (medida provisória), que entra em vigor imediatamente e demandaria aval dos parlamentares em até quatro meses.

O presidente não tem liderado debates sobre a revisão dos benefícios. Para Silva, Bolsonaro na verdade tem ido na direção contrária e ampliado os gastos tributários com medidas a setores específicos.

Exemplos recentes disso foram o corte do imposto de importação sobre armas e sobre videogames.

“Na questão das armas, ele não pensou que o país estava quebrado. Então a determinação do presidente em alguns assuntos ideológicos não é a mesma para cumprir esse compromisso de campanha [no Imposto de Renda]”, diz.

Na equipe econômica, a revisão dos gastos tributários continua como uma das metas de Guedes. Há alguns meses, ele solicitou a sua equipe um estudo aprofundado sobre o impacto gerado por um programa de redução dos benefícios em impostos concedidos pela União.

O time atualmente estuda diferentes dimensões de impacto dos gastos tributários, principalmente no nível de atividade econômica, no nível de emprego e na arrecadação. Para isso, são analisados dados de arrecadação e gasto por setores, regiões e tipo de programa.

Há pouco menos de um mês, Guedes prometera apresentar uma proposta ao mencionar que haveria um “forte sinal” ainda em 2020 para a redução de subsídios e gastos tributários.

“Acho que, antes do fim do ano, vamos dar um forte sinal de que estamos promovendo a agenda fiscal. Estamos enviando um forte sinal para reduzir subsídios e gastos tributários”, afirmou em vídeo divulgado em 9 de dezembro. Mas nenhuma iniciativa foi divulgada depois.

Antes disso, o governo havia enviado um projeto de lei ao Congresso para fundir PIS e Cofins na nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o que eliminaria diferentes regimes especiais de tributação. Mas, em meio a uma série de divergências com o Legislativo, a proposta continua parada.

A revisão dos benefícios é recomendada por analistas e entidades como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que afirma haver muito espaço para rever incentivos tributários e defende uma reestruturação do sistema de impostos do país.

FOLHA DE S. PAULO

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