Risco de rompimento do teto cresce com novo valor do salário mínimo

Neste início de ano, uma das perguntas que estão na cabeça de todos é se o mercado já precificou, no valor dos ativos, o rompimento do teto de gastos. A bolsa de valores brasileira está muito perto de seu recorde histórico, depois de ter ido ao chão durante a pandemia. Dito de forma mais direta: a incrível recuperação dos preços dos ativos nos últimos meses já incorpora a possibilidade de que o governo não consiga manter, neste ano, as despesas da União dentro do teto? A questão foi colocada com maior clareza depois que o presidente Jair Bolsonaro elevou o salário mínimo do país para R$ 1.100, a partir de 1º de janeiro deste ano. Todos passaram a questionar se o impacto do aumento do piso salarial nas contas públicas não romperia o teto. Na verdade, as dúvidas sobre a preservação do teto de gastos, a única âncora fiscal brasileira, já vinham sendo colocadas desde que a inflação ganhou fôlego nos últimos meses. A razão para a desconfiança era muito simples. O valor do teto de gastos foi reajustado em apenas 2,13%, de acordo com a regra que consta da emenda constitucional 95/2016. Ou seja, o limite para as despesas da União em 2021 será o mesmo válido para 2020, corrigido pela inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 2,13%. O percentual corresponde ao IPCA acumulado no período de 12 meses terminado em junho do ano passado. O problema é que, a partir de julho, a inflação foi acelerando. A mediana do mercado para o IPCA de 2020 estava em 4,39% na semana passada, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. É provável que, hoje, o Focus traga uma taxa ainda mais alta. Mas o importante, para a estimativa da despesa pública é a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e não pelo IPCA. Pela legislação em vigor, o INPC corrige o salário mínimo, os benefícios assistenciais e todos os benefícios previdenciários, inclusive aqueles de valor acima do piso salarial. Na semana passada, o Ministério da Economia informou que sua expectativa, em linha com o mercado, é de um INPC em 2020 de 5,22%. O salário mínimo foi corrigido por esse índice, mais um arredondamento. Se a previsão se confirmar, as principais despesas da União serão corrigidas em 5,22%, enquanto o teto foi corrigido em apenas 2,13%. O descasamento entre os dois índices é o que explica as atuais agruras do governo. Como o teto subiu menos, o espaço para o gasto ficou ainda mais estreito. Para que o teto seja mantido, despesas não obrigatórias terão que ser cortadas. E o corte terá que ser muito grande. A estimativa mais recente do governo para a despesa primária total da União (não inclui o pagamento de juros das dívidas) em 2021 foi divulgada em 14 de dezembro, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ao Congresso Nacional ofício solicitando alterações na meta fiscal deste ano. Junto com o ofício, Guedes enviou um anexo de riscos fiscais, no qual consta que a estimativa oficial para as despesas discricionárias (investimentos e o custeio da máquina pública, exceto pessoal e encargos) é de R$ 83,9 bilhões – o menor nível da história. No total, estão incluídos R$ 4 bilhões para a capitalização de empresas estatais neste ano, segundo informou a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) ao Valor. A despesa da capitalização de estatais não entra no cálculo do teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas neste ano ficariam em R$ 79,9 bilhões. O problema é que a estimativa foi feita com base em um INPC de 4,11%. A situação ficará muito mais difícil com um INPC de 5,22%. Em seu relatório de riscos fiscais, divulgado em novembro, a Secretaria do Tesouro estimou que um aumento de 0,1 ponto percentual do INPC gera despesa adicional para a União de R$ 768,3 milhões. A diferença entre o INPC utilizado por Guedes em dezembro passado para a estimativa da despesa total da União em 2021 (de 4,11%) e a nova estimativa para o INPC (5,22%) é de 1,11 ponto percentual. Com base no relatório da STN, o 1,11 ponto percentual do INPC deverá gerar uma despesa adicional de R$ 7,760 bilhões, acima do que está previsto no ofício de Guedes. Como serão despesas obrigatórias, a quantia terá que ser compensada pelo corte em igual montante das despesas discricionárias, que, se essa previsão se confirmar, ficarão em torno de R$ 72 bilhões (sem incluir emendas parlamentares e capitalização de estatais). Para todos os especialistas consultados pelo Valor, um corte dessa magnitude deverá paralisar vários serviços públicos – o chamado “shutdown”. VALOR ECONÔMICO

Zeina Latif: Nunca estivemos tão perto e tão longe da reforma tributária

Reformas estruturais custam a se viabilizar no Brasil. Além do natural receio de mudanças em um país onde as regras do jogo são modificadas com frequência e sem critérios claros, há grande resistência de grupos organizados que buscam preservar benefícios nunca assumidos como privilégios. Muitas vezes, interditam o debate público ao se valerem de análises equivocadas, mas com apelo popular. Assistimos a esse filme, por décadas, no debate da reforma da Previdência. Foi necessário flertar com o colapso para o debate avançar. Estamos percorrendo o mesmo trajeto com a reforma tributária. Por um lado, nunca estivemos tão próximos dela. O setor produtivo agora reconhece que o crescimento sustentado virá da remoção de entraves estruturais, e não de Selic baixa e dólar alto. A heterodoxia tradicional não tem mais a mesma ressonância entre empresários e políticos. Já os fiscos estaduais, sempre temerosos de perder receita, agora veem a reforma como o caminho para recuperar a arrecadação perdida por benefícios tributários concedidos em meio a uma insustentável “guerra fiscal” e para ajustar os tributos às mudanças da estrutura produtiva. O ICMS está obsoleto diante do crescimento do setor de serviços. Por outro lado, a reforma parece ainda distante. Cada pedacinho da complexa legislação tributária tem dono. Enquanto isso, há uma indústria de contencioso tributário (de 73% do PIB, segundo pesquisadores do Insper), com um exército de advogados tributaristas, especializados em lidar com o cipoal de regras e a mão forte dos fiscos, para defender os interesses de seus clientes, legítimos ou não, e não para defender um sistema mais eficiente e justo. Todos perdem com o medíocre desempenho socioeconômico do País. O problema é que, no curto prazo, há ganhadores com a manutenção do status quo. Assim, avançar com uma reforma de maior envergadura, como a proposta que visa à isonomia entre os setores, depende muito da capacidade de enfrentamento do Executivo, algo pouco provável neste governo. Para alguns analistas, a crise atual demandaria, por um lado, aprovar uma reforma tributária para combater a desigualdade e, por outro, afastar as propostas de criação do IVA (imposto sobre valor adicionado, que consolida os tributos federais PIS, Cofins e IPI, o estadual ICMS e o municipal ISS, na proposta da Câmara) para impedir eventuais perdas ao setor produtivo. Há problemas nos dois argumentos. Começando com a questão distributiva, o tema é mais complexo do que parece. Não há fórmula mágica para uma tributação justa socialmente, ainda mais no Brasil, com estrutura cheia de distorções. Seguem alguns exemplos: elevar as alíquotas do imposto de renda para os mais ricos implica ampliar a diferença em relação ao tratamento privilegiado a profissionais liberais na pessoa jurídica, que pagam bem menos impostos; elevar a tributação sobre patrimônio pode estimular a fuga de recursos do País; e aumentar o peso de impostos diretos (como o IR), mais progressivos, poderá resultar em menor crescimento econômico. Um bom começo seria eliminar distorções tributárias, por exemplo, revendo as “pejotinhas”, as deduções no IR ou mesmo as polêmicas desoneração das cesta básica e isenção de livros, que acabam beneficiando também os mais ricos. Importante citar que a melhor forma de promover a igualdade de oportunidades é pela boa alocação de gastos públicos, e menos por tributação. Podemos, por exemplo, restringir a gratuidade da universidade pública e, como propõe o economista José Márcio Camargo, criar um sistema de bolsas para o ensino básico. Sobre o suposto momento inadequado para o IVA, o argumento tem falhas. Para começar, as propostas em tramitação no Congresso têm prazo dilatado para implementação. Mais importante, o IVA tributa todos os setores igualmente, o que implica distribuir melhor o peso atual da carga tributária. A indústria de transformação sofre com a carga de 45%, segundo estudo da Firjan, e tem participação de 10% no PIB, ante 23% e 52%, respectivamente, para os serviços. Deverá haver alívio relevante para a indústria e peso “diluído” para os serviços, em um sistema mais simplificado e previsível. O grosso das empresas de serviços não será afetada, pois recolhem pelo Simples ou são MEI (microempreendedores individuais), mas pesam muito pouco no PIB. Há ainda outras características importantes do IVA. Primeiro, não aumenta a regressividade tributária. Pelo contrário, pois taxar mais os serviços implica tributar os mais ricos, cujo consumo é proporcionalmente maior, como aponta o economista Bernard Appy. Segundo, o IVA poderá estimular a formalização da economia, porque, a cada etapa do processo produtivo, as empresas desejarão recuperar créditos tributários (imposto incidente nos elos anteriores na cadeia). Terceiro, o IVA não incide sobre o investimento das empresas e as exportações. Reforma perfeita não existe, até porque os princípios de um bom sistema tributário são, por vezes, conflitantes entre si. Cabe aos especialistas apontar a boa técnica, de forma isenta, e pavimentar o caminho para a classe política buscar soluções consensuais e mais compatíveis com os atuais valores e anseios da sociedade. *CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP O ESTADO DE S. PAULO

Retomada de escritórios está atrelada à vacina

Depois de um ano em que tanto se discutiu a possibilidade da devolução em massa de áreas de escritórios de alto padrão devido ao “home office”, o segmento chega a 2021 com expectativa de retomada do ciclo de crescimento atrelada à vacina contra a covid-19. No mercado paulistano de grandes lajes corporativas – o maior do país -, o ano começa com incertezas: há previsão de oferta de novos imóveis e potenciais locadores ainda mostram-se cautelosos para fechamento de contratos. Antes da pandemia, esse segmento do mercado imobiliário vinha de vento em popa, ante a perspectiva de escassez de áreas de qualidade. Mas a mudança que afetou o mundo todo fez com que a taxa de vacância crescesse na capital paulista. Considerando-se as entregas que estavam previstas para o quarto trimestre, a Newmark Knight Frank projeta vacância de 21% a 22%, para o fim de 2020, acima dos 16% do fim do ano passado. Nos cálculos da Colliers International Brasil, no mesmo período foi de 13% para 19%. As consultorias que acompanham o segmento mantêm a avaliação de que um modelo híbrido de trabalho será predominante a partir da vacinação. Os nove meses de 2020 com “home office” total, ou parcial, deixaram claro que os funcionários não precisam estar, fisicamente nas empresas para serem produtivos. Porém, constatou-se que a disseminação da cultura de cada uma e o desempenho de certas atividades se mostram mais eficiente com convivência física e maior intercâmbio de ideias. No segundo semestre, houve empresas que iniciaram o rodízio para o retorno de funcionários aos escritórios, mas a retomada efetiva da ocupação ainda depende da vacinação. “Todo mundo está ansioso para voltar aos escritórios. O modelo híbrido de trabalho vai acontecer, mas, sem vacina, tudo fica como está”, afirma a presidente da Cushman & Wakefield, Celina Antunes. Para o sócio-diretor da consultoria Binswanger Brasil, Nilton Molina Neto, o momento é de os inquilinos esperarem o que vai ocorrer. “Se eu fosse líder de um grupo empresarial, não tomaria, agora, a decisão de entregar áreas”, diz. Marcio Kawashima, também sócio-diretor da Binswanger, afirma que é preciso ter “cautela e paciência”, considerando que a taxa de vacância das regiões consolidadas – Faria Lima, Juscelino Kubitschek e Vila Olímpia (Zona Sul de São Paulo) – “está muito baixa”. “Em 2022, as empresas terão de alugar mais espaços para atrair talentos”, afirma a presidente da Cushman. No modelo híbrido esperado para o mercado de escritórios de alto padrão, haverá flexibilidade para que os funcionários cumpram parte da jornada de trabalho nas empresas e, outra parcela, em casa, por exemplo. Há tendência também de redução da densidade média de ocupação, que era de uma pessoa por sete m2 antes da pandemia. “As pessoas trabalhavam em latas de sardinha. Agora, o espaço será ampliado”, diz Celina. O ritmo de locação das novas áreas será influenciado também pelo nível de emprego – em novembro, o número de desempregados no país era de 14 milhões. “Aumentos na taxa de desemprego vão interferir na decisão de contratação de escritórios”, afirma o presidente da consultoria SiiLA , Giancarlo Nicastro. No entendimento do presidente da Colliers, Ricardo Betancourt, o mercado paulistano de escritórios de alto padrão tende a ficar estável no primeiro semestre e apresentar melhora do desempenho, na segunda metade do ano, como consequência da vacinação. A Colliers estima que, em 2020, a absorção bruta de escritórios dos padrões A e A+ tenha ficado negativa, ou seja, com devoluções superando contratações em 50 mil m2 na cidade de São Paulo. Para 2021, a projeção da consultoria é de absorção bruta positiva de 50 mil m2. “As maiores movimentações de devolução de escritórios já ocorreram em 2020”, diz Betancourt. Parte das devoluções se deveu ao teletrabalho, e outra parcela, às demissões ocorridas em função da crise econômica, segundo a presidente da consultoria Newmark, Marina Cury. A executiva cita que algumas reduções de áreas já faziam parte de “planejamento antigo” das empresas ocupantes, caso do Itaú Unibanco. Segundo a chefe de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Newmark, Mariana Hanania, no quarto trimestre, empresas informaram que devolveriam 84 mil m2, ante a notificação de 105 mil m2 no terceiro trimestre. Não necessariamente as devoluções foram feitas no próprio trimestre. A presidente da Newmark ressalta que “grandes empresas amarraram-se em contratos nos últimos três anos”. Para rompêlos, ocupantes precisam pagar multas e, em alguns casos, restituir o “cash allowance” (subsídio de proprietários a novos inquilinos) recebido. Por outro lado, a qualidade dos novos prédios que chegam ao mercado contribui para o puxar o preço pedido para cima. Exemplo disso é o B32, localizado na avenida Faria Lima e considerado o melhor prédio corporativo de São Paulo, que recebeu o “habite-se” em julho. Há expectativa de valor elevado também para o aluguel das três torres do condomínio Parque da Cidade, que estão para ser entregues. A Colliers projeta valor médio pedido por m2 de R$ 90, neste ano, ante R$ 87, em 2020, e R$ 82, em 2019, apesar de esperar que a vacância tenha nova alta, para 21%. Embora não tenha havido queda dos valores médios pedidos pelos proprietários de escritórios em São Paulo, as concessões aumentaram, como é praxe nos momentos em que a balança das negociações é mais favorável aos inquilinos. O prazo de carência para começar a pagar o aluguel cresceu, mas a prática de concessão de subsídios não foi retomada. VALOR ECONÔMICO

Um choque de tecnologia no trabalho

A pandemia acelerou a digitalização das rotinas dos profissionais e dos negócios. O home office e a diminuição dos escritórios são algumas das transformações causadas pela covid-19 que devem permanecer, mostra a segunda reportagem da série. No auge da crise, durante o período de quarentena, a nossa forma de trabalhar passou por transformações profundas, impulsionadas pelo uso intensivo da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg. Muitas dessas mudanças deverão moldar, em maior ou menor grau, o mundo do trabalho no póspandemia. Confira a seguir, na segunda reportagem do Guia de Sobrevivência no “novo normal”, sete grandes transformações trazidas ou aceleradas pela covid-19 e como elas vão afetar a sua vida profissional, os negócios e o País daqui para a frente. 1.Conversão ao empreendedorismo Com a transformação das relações de trabalho, impulsionada pela flexibilização da legislação trabalhista e pela crescente digitalização das empresas, muitos profissionais já vinham trilhando o caminho do empreendedorismo para garantir o seu sustento e o de suas famílias. Com a pandemia e a recessão brutal que a acompanhou, levando ao corte de milhões de empregos, essa tendência se acentuou de forma expressiva. Segundo o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), foram criados 1,9 milhão de MEIS (Microempreendedores Individuais) em 2020 – 13,8% a mais do que no mesmo período do ano passado e um recorde desde o surgimento da categoria em meados de 2009. Foram criadas também mais de 700 mil micro e pequenas empresas, de acordo com o Ministério da Economia, o equivalente a 10% do total existente no fim de 2019. “O desemprego está levando as pessoas a se tornarem empreendedoras. Não por vocação genuína, mas pela necessidade de sobrevivência”, afirma o presidente do Sebrae Nacional, Carlos Melles. “Boa parte dos trabalhadores com carteira assinada que ficaram desempregados não voltará a ter emprego e está virando trabalhador independente”, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP). Apesar de os sindicatos ainda defenderem uma legislação trabalhista mais rígida, um número crescente de trabalhadores parece preferir a liberdade de trabalhar por conta própria e dá de ombros para a CLT (Consolidação da Legislação do Trabalho). Uma pesquisa feita pelo Ibope com mil entregadores do ifood, Uber Eats e Rappi mostrou que 70% preferem o modelo de trabalho flexível dos aplicativos e a possibilidade de escolher os horários de trabalho e trabalhar com várias empresas do que ter carteira assinada, para receber benefícios como 13.º salário, férias remuneradas e FGTS. É como afirmou Tim Draper, investidor do Vale do Silício, em entrevista recente ao Estadão: “Nunca houve uma época tão boa para ser empreendedor, especialmente num país pobre. Hoje, quase todo mundo tem smartphone e eles servem como janelas para o mundo. Tudo é possível a partir daí”. 2.Consolidação do home office Se houve uma mudança que entrou para valer na vida dos profissionais e das empresas durante a pandemia, foi o home office. Embora já fosse adotado em alguma medida antes da crise, ainda havia muita desconfiança e resistência das empresas – e mesmo entre os trabalhadores – em relação ao sistema. Mas, com as medidas de isolamento social e o fechamento compulsório dos escritórios, não houve opção. As empresas tiveram de adotar o trabalho remoto, para continuar funcionando – e o resultado foi melhor do que se poderia imaginar. Segundo várias pesquisas sobre o tema, ao menos um terço das empresas pretende manter, integral ou parcialmente, o trabalho remoto depois da crise. Ao mesmo tempo, de acordo com as pesquisas, a maioria dos trabalhadores deseja continuar a trabalhar exclusivamente em home office ou ir só de vez em quando ao local de trabalho. “O home office foi benéfico para todo mundo”, diz o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). O sucesso do home office durante a pandemia, porém, não significa que o sistema vai seguir nos mesmos moldes. “O futuro do trabalho será híbrido, com algumas pessoas trabalhando nos escritórios e outras, remotamente”, afirma Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook. 3.Escritórios menores Durante décadas, os escritórios foram um símbolo de status para as empresas. Quanto maiores e mais luxuosos, modernos e bem localizados, mais demonstravam o poder de uma empresa. De repente, com a adoção compulsória do home office na quarentena, os escritórios ficaram desertos – e, para surpresa geral, as empresas continuaram a funcionar sem grandes dificuldades. Isso levou companhias de todos os portes, especialmente as mais robustas, a questionar se precisam de todo o espaço de que dispunham e a estudar medidas para gastar menos com aluguel ou reduzir a imobilização patrimonial. Algumas empresas conseguiram agir rapidamente e já devolveram a área que ocupavam antes da crise, mudando-se para locais menos valorizados – uma tendência que deverá se acentuar nos próximos meses e anos. Segundo Mônica Lee, diretora da Jones Lang Lasalle (JLL), empresa de consultoria na área de imóveis comerciais, esse movimento deverá ter um impacto no setor de construção civil, com mudanças no perfil dos escritórios de alto padrão, e nos preços dos aluguéis. “É bem provável que nos próximos trimestres as negociações aconteçam em condições mais flexíveis”, diz. Quando a pandemia estiver sob controle e os escritórios voltarem a ser uma alternativa segura, os ambientes de trabalho deverão ter outra configuração. Na visão de Mônica, as sedes das empresas serão menores e vão funcionar como hub, para integração e conexão de funcionários. Além disso, deverá haver uma descentralização dos escritórios, com a criação dos chamados squads, em bairros mais perto das residências dos funcionários, para evitar idas frequentes às sedes. 4. Videoconferências no dia a dia Durante a quarentena, com milhões de profissionais em home office, as reuniões por videoconferência se tornaram uma ferramenta indispensável para as empresas se manterem em atividade e seus funcionários e líderes se comunicarem e realizarem contatos com clientes e fornecedores. De repente, aplicativos que já estavam disponíveis antes da crise, mas eram usados de forma ocasional ou talvez nem isso, como Zoom,

Insegurança jurídica ainda assusta ‘donos do dinheiro’

A insegurança jurídica entrou no radar dos investidores – principalmente estrangeiros – como ponto de atenção para iniciar ou ampliar negócios no Brasil. O país acumula 5,9 milhões de normas editadas nas três esferas de governo (União, Estados e municípios) desde a Constituição de 1988. No ranking do Fórum Econômico Mundial, ocupa somente o 120º lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas. Para uma economia que deveria aplicar R$ 285 bilhões ao ano em infraestrutura para reduzir gargalos no desenvolvimento e hoje investe menos de metade disso, combater fatores de incerteza nos marcos regulatórios e na evolução dos contratos é fundamental, mas nem sempre o que realmente se verifica na prática. “Vivemos diariamente em um trem-fantasma. A cada esquina é um susto, em que decisões absolutamente monocráticas são tomadas ao arrepio da boa norma e dos procedimentos jurídicos”, diz o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini. Para ele, a insegurança jurídica no setor pode manifestar-se de duas formas: por marcos regulatórios inadequados ou quando a Justiça atua de modo contraditório. Na visão do executivo, havia um “alinhamento crescente e gradual” entre os principais atores do jogo – governos, agências reguladoras, tribunais superiores e órgãos de controle – para resolver pendências e dar mais previsibilidade aos investidores. “Com a pandemia, no entanto, houve um acúmulo de problemas que se somam às pendências anteriores e criam um novo tensionamento.” Em pesquisa recente com 142 gestores de investimentos e especialistas em estruturação de projetos de infraestrutura, a Abdib e a Ernst Young constataram especial preocupação com o desequilíbrio econômico-financeiro de concessões por perdas decorrentes da pandemia de covid-19. Para 48,6% dos entrevistados, a questão será resolvida em “poucos contratos” em que o pedido de reequilíbrio foi solicitado. “Se uma pandemia não é caso fortuito ou motivo de força maior, não tenho ideia do que mais poderia ser”, diz Tadini. Um dos casos mais polêmicos está no setor elétrico. As distribuidoras alegam perdas em torno de R$ 6 bilhões por causa da pandemia. Em uma proposta inicial, levada para consulta pública, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fixou um rígido teste de admissibilidade para os pleitos de reequilíbrio apresentados pelas empresas. Para elas, esse “corredor polonês” acabará por restringir ou impedir a recomposição integral do prejuízo. Tido como um dos maiores especialistas em infraestrutura do país e presidente da consultoria Inter.B, o economista Claudio Frischtak avalia que a insegurança jurídica e a imprevisibilidade regulatória funcionam como uma “doença invisível”, que aumenta os custos de transação no setor. “Sem isso, teríamos mais investimentos e competição. No fim das contas, o investidor cobra um prêmio de risco para colocar dinheiro no nosso país. Quando se paga esse prêmio, um número menor de projetos se torna viável e atrai interessados.” Frischtak afirma que, apesar dos avanços propiciados pela nova Lei Geral das Agências (13.848 de 2019), há uma percepção dos investidores de fragilidade institucional em órgãos reguladores estaduais e politização dos federais. A indicação de militares próximos ao presidente Jair Bolsonaro para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de um secretário parlamentar do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reforça essa percepção recente. Outra fonte de desconforto, segundo o consultor, são mudanças súbitas de regras por interpretação do Judiciário. Ele diz que isso impacta não apenas o setor diretamente afetado por uma decisão judicial, mas eleva o sentimento de risco de forma mais geral, principalmente entre estrangeiros. “O que fazer? Duas coisas são fundamentais: despolitizar as agências para valer e sensibilizar o Poder Judiciário para a análise econômica do direito, começando pelos tribunais superiores, principalmente STF e STJ”, opina. VALOR ECONÔMICO

Abertura de empresas cresce 72% no terceiro trimestre de 2020

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O terceiro trimestre registrou abertura de 1,5 milhão de empresas, elevação de 126% na comparação com o trimestre anterior e de 72% na relação com o mesmo período de 2019, mostram dados da Contabilizei, com base na Receita Federal. Já o registro de empresas MEI, de microempreendedores individuais, cresceu apenas 6% na relação anual. FOLHA DE S. PAULO

Após recuperação em 2020, indústria pode voltar ao ‘velho normal’

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Puxada pela mudança temporária de hábitos de consumo, a produção da indústria brasileira teve uma recuperação incomum no segundo semestre de 2020, após o tombo inicial provocado pela pandemia. O prognóstico dos especialistas para 2021, contudo, é que o setor volte a um cenário de perda de dinamismo que já ocorria antes do surgimento do coronavírus. Com os estoques em baixa, a produção da indústria tem um quadro positivo de curto prazo por causa da necessidade de recomposição do nível de produtos armazenados. Mas, a partir do segundo trimestre em diante, o setor deve sentir mais os efeitos negativos do desemprego, da queda da renda e do recrudescimento da covid-19, fatores que podem conter o consumo das famílias. No lado positivo estão as perspectivas de aumento para as exportações industriais, por causa da esperada recuperação da economia global, e a vacinação contra a covid-19, embora atrasada no Brasil em relação a outras nações. A mediana das projeções dos economistas para a produção industrial é de crescimento de 5% em 2021, segundo o boletim Focus, do Banco Central, o que não recompõe totalmente a perda estimada em 5% no ano passado. No acumulado do ano até outubro, dado mais recente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial registra queda de 6,3%. “Só vamos virar a página da crise quando resolvermos o problema sanitário, com a vacinação da população”, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Em abril, a produção industrial emendou seis meses consecutivos de crescimento. “O ritmo de recuperação foi bastante surpreendente e está num contexto de estímulos bem maiores que os estimados inicialmente”, afirma o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, referindo-se aos programas de transferência de renda (auxílio emergencial), de manutenção do emprego (BEm) e medidas de crédito adotadas pelo governo para conter a crise provocada pela pandemia. Ele lembra que o universo de trabalhadores que recebeu o auxílio – cerca de 66 milhões – foi bem maior que o esperado. Enquanto milhões de cidadãos que perderam renda usaram o auxílio para comprar produtos básicas, como alimentos e remédios, outra parte reduziu gastos com serviços e consumiu mais itens para casa como eletrodomésticos, eletroportáteis e material de construção. “Houve uma transferência dos gastos com serviços para bens industriais”, lembra Nishida. Nesse meio tempo, a indústria viveu uma falta generalizada de insumos como aço e plástico, gerada pelo aumento de demanda e interrupção das cadeias de fornecimento pelo mundo por causa da pandemia. Para Cagnin, o fato de o país nunca ter sido capaz de fazer um “lockdown” efetivo ajudou a recompor o nível de atividade. Ele observa que a retomada é incompleta, com segmentos como calçados, vestuário e veículos ainda sem alcançar o nível prépandemia. O setor, diz, ainda cumpre protocolos de segurança sanitária que implicam mudanças nas linhas de produção, que, assim como a falta de insumos, afetam a capacidade de oferta. Com isso, depois da forte alta do terceiro trimestre, a indústria deve ter registrado desaceleração no fim de 2020, como já demonstrado pelo dado da produção de outubro, que cresceu apenas 1,1% sobre o mês anterior, após altas de 8,6%, 3,4% e 2,8% entre julho e setembro. Dados da sondagem mensal de confiança da Fundação Getulio Vargas (FGV) também apontam a mesma direção. “Entre os consumidores, já houve piora das expectativas e na indústria começa a haver uma reversão”, afirma Luana Miranda, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV). Na sondagem de dezembro, o indicador de confiança do setor voltou a subir, mas numa magnitude menor que nos meses anteriores, assim como os subindicadores de situação atual e de expectativas. Mas o nível de 114,9 pontos ainda foi o maior em dez anos. A redução dos estoques vai permitir que a indústria continue em alta no início de 2021, mesmo num cenário de menos estímulos. “O setor automobilístico, por exemplo, chegou ao último mês de 2020 com os estoques mais baixos da série da Anfavea [entidade que reúne as montadoras]”, observa Nishida, da LCA. Depois disso, a indústria deve voltar à rotina de problemas estruturais que dificultam uma expansão além do crescimento cíclico, afirma Nishida. A LCA estima aumento de 7,1% na produção industrial de 2021, após queda de 4,7% em 2020. Cagnin diz que parte das empresas reduziu estoque para fazer caixa. “Indicadores da CNI mostram que a maior parte dos ramos continua com estoques abaixo do nível planejado”, afirma ele. De acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em novembro, apesar das seguidas altas na produção, os estoques continuaram em queda e abaixo do nível planejado em novembro no setor em geral, refletindo crescimento das vendas acima da produção. O indicador de estoque efetivo em relação ao planejado foi de 45,8. Números abaixo de 50 indicam estoques aquém do desejado. Assim, o economista também espera um aumento de produção para recomposição de estoques além de alguma demanda adicional. Os gargalos no fornecimento de insumos devem ser resolvidos ao longo do primeiro trimestre, prevê. O fator mais preocupante no curto prazo é o fim do auxílio emergencial, diz Cagnin. “Todos os órgãos multilaterais têm falado da importância dessa iniciativa para dar consistência ao processo de recuperação”, em meio a um quadro de recrudescimento da pandemia e desemprego. Outro fator é a vulnerabilidade do país quanto ao fornecimento de vacinas para a população, que pode chegar ao fim do primeiro semestre com um pequeno número de pessoas vacinadas. “Todas essas dúvidas podem jogar um balde de água fria na confiança e nas expectativas”, diz. Para Luana Miranda, do Ibre, alto nível de incerteza e o recrudescimento da pandemia estão entre as principais questões para 2021. “Como ficará a economia no primeiro semestre sem um grande contingente de pessoas vacinado e com a renda deteriorada?”, questiona a economista, para quem a indústria vai sofrer o impacto da redução dos estímulos e do mercado de trabalho fragilizado. “Toda essa incerteza deve levar a adiamento do investimento, de contratações.” Por outro lado,

Os desafios da economia em 2021

O ano que terminou ficará na memória como o mais desafiador da história recente. No campo econômico, enfrentamos uma retração profunda. Vimos empresas falindo e o aumento do desemprego. Em 2021, não teremos a surpresa da covid-19 – mas sim a esperança da vacina. Mesmo assim, os desafios não devem ser menores. Como mostram os especialistas convidados pelo Estadão, o Brasil entra neste ano com muitos e graves problemas a serem solucionados. Mas o encaminhamento dessas soluções não está claro. O desemprego tende a crescer, após o fim do pagamento do auxílio emergencial, em dezembro. E a desigualdade deve subir ainda mais. As tentativas de se criar um novo programa de apoio, em substituição ao Bolsa Família, acabaram fracassando. As reformas estruturais são apontadas como fundamentais para a melhora do ambiente econômico, mas o que se antevê são muitas dificuldades para essa agenda – que nunca foi uma prioridade do presidente Bolsonaro. O País continuará tendo de lidar com as pressões externas em relação à questão ambiental, que devem aumentar ainda mais com a posse de Joe Biden na presidência dos EUA. O cenário global até pode ser bom: o mundo voltará a crescer, os preços de commodities devem subir, o dólar deve se enfraquecer. Há espaço para o Brasil aproveitar esse quadro. Mas, para isso, será preciso solucionar os problemas internos, que não são poucos. O ESTADO DE S. PAULO

Desafios à frente e o que esperar de 2021 (Celso Ming)

Não será preciso muito para fazer deste 2021 um tempo melhor do que foi 2020, um annus horribilis, como diria a rainha Elizabeth II, do Reino Unido – se não por outras razões, pelo menos pelo desastre produzido pela pandemia. A perspectiva da vacina já muda muitas coisas – algumas para melhor. É o que já se pressentiu no último trimestre do ano passado, quando houve boa retomada da atividade econômica, embora ainda faltem os números para dar ordem de grandeza a essa percepção e se possa, enfim, conferir a tal recuperação em “V”, de que tanto fala o ministro da Economia, Paulo Guedes. As contas externas do Brasil, causa dos enfartes que caracterizaram as crises dos anos 1970 e 1980, continuam em excelente estado. Essa área não preocupa. A eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos aumentou o nível de confiança global, especialmente nas duas últimas semanas de dezembro, quando o Congresso dos Estados Unidos aprovou novo pacote de recursos para enfrentar a crise. A pandemia tende a ser agora nocauteada pela vacina, especialmente nos países avançados. Mas, levando-se em conta que há mais de 200 delas em desenvolvimento ao redor do mundo, não há como negar que há agora luz no fim do túnel. Os investimentos nos países industrializados têm tudo agora para se destravar e boa parte deles pode chegar ao Brasil, onde novos recordes na produção de grãos devem ajudar a puxar as exportações. O grande problema do Brasil são as condições internas. As contas públicas continuam em forte deterioração. A dívida pública bruta deve ter fechado o ano em torno dos 93% do PIB (veja o gráfico), mas caminha rapidamente para os 100% do PIB. O governo não tem estratégia clara de enfrentamento. Parece contar apenas com o aumento da arrecadação que se seguiria ao avanço da atividade econômica. O que poderia garantir a volta aos trilhos seriam avanços claros nas reformas administrativa e tributária, mas nada ainda garante esse trunfo. A economia do Brasil enfrenta três grandes riscos. O primeiro está subjacente ao que ficou dito acima. Trata-se de uma eventual deterioração da confiança que se seguiria à inércia do governo para conter o rombo. O segundo risco é o do esgotamento do aumento da demanda que reergueu a economia no último trimestre de 2020. Está claro que já não será possível continuar a distribuir auxílios emergenciais, não só pelo refluxo da pandemia como, também, porque o governo ainda não sabe de onde pode tirar os recursos para isso. Mais preocupante, nada menos que 14,1 milhões de trabalhadores estão lançados ao desemprego. E há outros 5,8 milhões que nem procuram trabalho, porque estão no desalento. Se for confirmada a retomada, já não se espera que o setor produtivo volte a contratar pessoal como antes, porque passou a operar com mais https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e menos mão de obra. Mesmo com a demanda contida, a inflação voltou a se acirrar no segundo semestre de 2020. Ainda não é uma grande preocupação, mas, se alguma coisa der errado, ela pode voltar a disparar. O terceiro risco tem natureza política e é o de que, já no primeiro semestre, seja deflagrada campanha prematura para as eleições gerais de 2022. As negociações montadas para as eleições das mesas das duas Casas do Congresso e as escaramuças que envolveram o presidente Bolsonaro e o governador paulista, João Doria, em torno da aplicação da vacina do Butantã mostram que esse risco é forte. Seria fator que poderia bloquear decisões que conduziriam ao saneamento das finanças públicas ou à aprovação das reformas e, por aí, minar a confiança na política econômica. Mas, digamos, a hora é de alívio por 2020 ter ficado para trás. O ESTADO DE S. PAULO

Magalu dobra número de contratados em trainee de negros, após ataques

O Magazine Luiza acaba de concluir o processo seletivo para a edição de 2021 de seu programa de trainees, aquele que foi alvo de ataques nas redes sociais porque decidiu contratar apenas profissionais negros desta vez. O barulho das críticas após o lançamento da iniciativa, em setembro, contribuiu para turbinar o número de inscritos, superando os 22,5 mil candidatos. E, com uma oferta de talentos maior, a empresa vai contratar 19 trainees, em vez de cerca de 10, como o habitual. Esta será a maior turma de trainees formada pela companhia. Como base de comparação, o programa do ano anterior, que seguia o padrão de mercado sem a temática racial, teve menos de 18 mil inscritos, com 12 selecionados. A quantidade de candidatos de nível excelente foi muito grande, segundo Patricia Pugas, diretora-executiva de gestão de pessoas da empresa. “Gente boa a gente quer, ainda mais para cumprir um propósito que, para nós, é relevante, de ajustar a diversidade racial na liderança. Nunca fechamos que só poderíamos contratar dez. Era só a referência. Sempre tivemos claro que, se tivesse mais candidatos excelentes, nós contrataríamos”, afirma. O Magalu já vinha tentando fazer movimentos para elevar a participação dos negros em postos de chefia, e o programa de trainees (que forma jovens com potencial para atingirem os cargos no futuro) era visto como o caminho natural. Mas ainda havia a dificuldade de atrair os candidatos, segundo Pugas. Em edições anteriores da seleção, a companhia já não exigia inglês fluente nem experiências internacionais com intercâmbios, critérios que costumam funcionar como barreiras para a entrada de profissionais pretos e pardos. Apesar disso, os candidatos negros permaneciam escassos, diz a executiva. “Os que vinham eram excelentes, mas eles não apareciam em grande volume”, afirma. Desta vez, além da repercussão que acabou ajudando a expandir o alcance do projeto, a empresa montou uma estrutura para tentar romper obstáculos que impediam o jovem negro de se candidatar por outros motivos. É o caso de Marina Maia, 30, formada em relações internacionais pela Universidade Federal de Sergipe em 2019. Ela levou um currículo com promoções em empresas do porte de Uber e James Delivery, além de projetos sociais com povos indígenas e estágio em escritório de advocacia da época em que começou a cursar faculdade de direito. A despeito da trajetória, Maia afirma que tinha crenças limitantes. “Eu tinha muita resistência em tentar processo de trainee pela minha idade. Eu estava mais velha e me sentia muito desconfortável”, diz. Geralmente, os programas de trainee de grandes empresas preferem candidatos formados há dois anos ou menos. O Magalu expandiu esse prazo para três anos. A medida desimpediu a entrada de Cleison Xavier, 30 anos, que começou a vida com curso técnico em metalurgia em Ouro Preto (MG), onde também fez Senai ao mesmo tempo que passou em concurso público para auxiliar administrativo e depois se mudou para fazer a graduação de engenharia mecânica na Universidade Federal de São João del-Rey. Na faculdade, Xavier participou de competições para a construção de protótipos de engenharia, fez estágio na cidade vizinha, ganhou uma bolsa de estudos de 50% na Inglaterra, conseguiu lugar para se hospedar de graça e pagou o restante dos custos da viagem com as economias do trabalho. Na volta, após a formatura, ele conseguiu empregos como responsável técnico em indústria, ingressou no mestrado e, no ano passado, foi parar no Itaú, em São Paulo. Tentou concorrer às vagas de trainee do banco, mas foi eliminado sem nem poder participar da seleção. “Um dos pré-requisitos do programa [do Itaú] era a data de formação em dezembro de 2018, e eu me formei em agosto de 2018”, afirma Xavier. As particularidades do programa de trainees da Magalu para negros foram pensadas há mais de um ano. Segundo Pugas, não teve um aumento de custo significativo do ponto de vista financeiro, mas o investimento de esforços foi maior. O planejamento contou com a ajuda de profissionais especializados no tema, mas também teve a participação de ex-trainees e outros funcionários negros que já trabalham no Magalu hoje, como o gerente de pesquisa e desenvolvimento Robson Santos, que foi convidado para discutir a campanha e depois participar de uma das peças publicitárias. Quando consultado, Santos afirma ter sugerido que a empresa evitasse fazer a publicidade com uma linguagem assistencialista. Antes mesmo dos ataques na internet, já havia dentro do Magalu a previsão de que se poderia desencadear uma repercussão com ofensas racistas. Quando o conceito do projeto estava de pé, no primeiro semestre, a empresa contratou a consultoria Indique uma Preta. “Nós entramos para fechar o tom de voz nas redes sociais, para fazer uma estratégia de contenção de crise e de reação, como os argumentos para responder a questões desde ‘isso é racismo reverso’ até sobre colorismo ou coisas como as pessoas acharem que a Magalu estaria levantando bandeira partidária. Pensamos o tom, treinamos pessoas de SAC e o que responder”, diz Daniele Mattos, cofundadora da Indique uma Preta. Internamente, a companhia também afinou a postura da direção, que é majoritariamente branca. As lideranças passaram por um processo de letramento racial. “Infelizmente, não é todo o mundo que sabe o que é lugar de fala ou racismo estrutural”, afirma Patricia Pugas. O próprio processo seletivo também passou por adaptações. Uma das etapas ganhou um jogo de enigma com questões sobre diversidade, e a maior parte dos profissionais que atuaram no atendimento dos candidatos são também negros e pardos, inclusive na 99jobs, empresa de recursos humanos contratada para ajudar. Aos candidatos que não passaram nas fases de dinâmicas de grupo e entrevistas com diretores foi oferecido um feedback individual personalizado por chamada de vídeo ou telefone, em vez de apenas um email comunicando a reprovação, de acordo com Michele Machado Bernardo, analista de recrutamento e seleção do Magalu. “A gente fez lives antes com os candidatos explicando como seria o processo. Mostramos quem seriam as pessoas envolvidas na seleção e quem eram os trainees negros que já tinham entrado antes, para eles verem