O veto presidencial ao socorro de até R$ 4 bilhões para o sistema de transporte coletivo se transformou no mais novo capítulo do embate entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), que se reflete também nas equipes de cada pasta. Nos bastidores, auxiliares de Guedes e de Marinho se culpam mutuamente pela recusa do presidente Jair Bolsonaro em sancionar o pacote de ajuda. O veto ao projeto de lei foi duramente criticado por empresários e por prefeitos. As operadoras de ônibus, trens urbanos e metrôs alegam ter tido perdas bilionárias decorrentes da pandemia de covid-19. As empresas reclamam que houve um tombo sem precedentes na movimentação de passageiros com a pandemia. Argumentam que a demanda não voltou ao normal até hoje e que a oferta de assentos jamais diminuiu na mesma proporção, agravando o desequilíbrio entre receitas e despesas das operações.
Desde que o PL 3.364 foi aprovado no Congresso Nacional, em 18 de novembro, houve intensas discussões entre Economia e Desenvolvimento Regional sobre a fonte dos recursos para o socorro às empresas de mobilidade. O projeto aponta o uso do saldo do Fundo das Reservas Monetárias – extinto em junho com quase R$ 9 bilhões à época – para arcar com o repasse para Estados e municípios fazerem o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de operadoras. Nas três últimas semanas, porém, voltou à mesa das equipes de cada ministério de onde viriam os recursos. A informação corrente na Esplanada é que o saldo do fundo extinto já estava comprometido com outras finalidades. Por isso, a Economia pediu ao Desenvolvimento Regional que mandasse pedido de crédito suplementar para o socorro.
É a partir daí que a divergência se acentuou. Já havia um clima de insatisfação mútua no ar. Os auxiliares de Marinho reclamavam que a equipe econômica aproveitou a tramitação do projeto para incluir no texto, à revelia do ministério setorial, uma espécie de marco regulatório do transporte coletivo – com exigências de licitação dos serviços de ônibus nos municípios, auditoria independente no balanço das viações a partir de 2021 e incentivos à bilhetagem eletrônica. Para a turma de Guedes, o Desenvolvimento Regional desperdiçava uma oportunidade importante de modernização dos serviços nas grandes cidades e estaria agindo para vetar parte das exigências incluídas na versão final do PL. Essa primeira indisposição, no entanto, foi remediada na tentativa de encontrar uma solução. Quando chegou à fonte dos recursos, o mal-estar cresceu. Na Economia, a versão é de que Marinho se negou a enviar um ofício pedindo oficialmente crédito suplementar para bancar o repasse. Sem o ofício, não há orçamento disponível. Sem orçamento, fere-se a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Desenvolvimento Regional repudia a versão. Na verdade, sustenta-se no entorno de Marinho que o ministro insistiu na necessidade de fazer o repasse por meio do Fundos de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Só assim, conforme essa versão, os recursos chegariam a governadores e prefeitos ainda neste ano. Então, nos primeiros meses de 2021, os entes federados fariam a repactuação dos contratos e o dinheiro chegaria na ponta final. Por qualquer outra alternativa, defendeu a equipe de Marinho, haveria “empoçamento” dos recursos por um simples fato: a execução orçamentária ficaria para o ano que vem, fora portanto do “Orçamento de Guerra”, quando passa a valer novamente o teto de gastos. Na prática, dizem fontes do Desenvolvimento Regional, o dinheiro jamais alcançaria as operadoras.
No fim das contas, o veto de Bolsonaro recorre justamente à alegação de que a despesa do governo federal com o socorro “poderia ultrapassar o período de calamidade pública” estabelecido por decreto legislativo e “acarretar redução de receita após 2020”. A mensagem presidencial, encaminhada ontem ao Senado, diz que o Ministério da Economia, ouvido, apresentou essas argumentações. Não houve nenhuma referência ao Desenvolvimento Regional. “O veto integral é um equívoco”, afirmou a Confederação Nacional do Transporte (CNT), em nota. Para a entidade, o ato compromete a sustentabilidade dos sistemas e coloca em risco milhares de empregos diretos e indiretos, além de onerar a população mais carente, maior usuária dos serviços de transporte coletivo. Na nota, a CNT lembrou que o texto aprovado foi “discutido e construído de forma conjunta” entre Congresso Nacional, governo e associações empresariais, o que aumentou a surpresa com o veto. A Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros Sobre Trilhos (ANPTrilhos), que reúne empresas de trens e metrô, afirmou ter recebido com “indignação” a notícia. As operadoras pediram que o socorro seja reavaliado “de maneira célere” e compararam sua situação com a de outros setores, como aviação civil e energia elétrica, que receberam apoio do governo federal.
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