O Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu caminho para que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tente levantar os cerca de R$ 170 bilhões devidos em tributos pelas empresas em recuperação judicial. As ações de cobrança contra esses contribuintes, que estavam suspensas desde o ano de 2018 em todo o país, vão voltar a tramitar.
A suspensão havia sido determinada porque os ministros da 1ª Seção tinham a intenção de julgar, em caráter repetitivo, se o patrimônio das empresas em recuperação pode ser penhorado. Em sessão realizada ontem, no entanto, eles decidiram que o julgamento não irá mais ocorrer e, com isso, liberaram a tramitação dos processos. São mais de três mil na primeira e na segunda instância somente em relação à cobrança de tributos federais. Existe discussão sobre esse tema porque as dívidas fiscais não são tratadas no processo de recuperação judicial. A cobrança é feita por meio de uma via própria – a ação de execução fiscal – e, nesse processo, a Fazenda Pública pode requerer a penhora de bens e valores do devedor.
Ocorre que muitas das vezes há interferência do juiz da recuperação judicial. Isso é visto, por exemplo, nos casos em que a constrição de determinado bem pode prejudicar o plano de pagamento dos credores particulares – que estão sujeitos ao processo de recuperação – ou por esse bem ser considerado essencial para o funcionamento da empresa. A 1ª Seção do STJ pretendia, com o julgamento em repetitivo, uniformizar o tema no Judiciário. Definiria se as empresas em recuperação judicial que estão em situação irregular com o Fisco (não têm a certidão negativa de débitos) podem ou não ter o patrimônio penhorado. O pedido de cancelamento desse tema foi feito pela PGFN e corroborado pelas Fazendas estaduais – que atuaram como parte interessada no caso. O argumento foi de que essa dúvida deixou de existir com a nova Lei de Recuperações e Falências (nº 14.112, de 2020, que alterou a nº 11.101, de 2005).
Essa nova legislação entrou em vigor no dia 23 de janeiro. O parágrafo 7-B do artigo 6º permite o andamento das execuções fiscais durante o processo de recuperação judicial e determina que o juiz da recuperação só poderá liberar bens e valores considerados essenciais ao funcionamento da empresa se indicar outros bens e valores em substituição. O relator do caso na 1ª Seção, ministro Mauro Campbell Marques, concordou que não havia mais motivos para o julgamento. Afirmou, ao votar, que a nova lei está em consonância com o entendimento da 2ª Seção, que julga as questões de direito privado no STJ e tem competência para decidir sobre as divergências entre o juiz da execução fiscal e o da recuperação judicial. “Não estamos fixando tese alguma aqui. Não podemos avançar”, frisou Campbell. A decisão por cancelar o julgamento foi unânime (REsp 169426).
A 2ª Seção permite a prática de atos constritivos em face de empresas em recuperação judicial. Afirma, no entanto, que cabe ao juiz da recuperação deliberar sobre tais atos. Esse entendimento foi fixado antes de a nova lei entrar em vigor. Não se tem notícias de decisões – nem mesmo monocráticas – em que se tenha feito uma análise sobre a aplicação do parágrafo 7-B do artigo 6º. As empresas em recuperação judicial têm dívida acumulada de cerca de R$ 170 bilhões com a União, segundo levantamento atualizado no mês de abril pela PGFN. Desse total, uma parcela baixa, R$ 24,2 bilhões, está em situação regular (o contribuinte apresentou garantia à dívida ou aderiu a um parcelamento, por exemplo).
“O índice de regularidade, embora baixo, vem melhorando em razão da transação [modalidade que permite à Fazenda negociar com o contribuinte]”, diz o procurador Filipe Aguiar. Ele afirma que houve um aumento de 35,9% dos valores regularizados de abril do ano passado para abril deste ano. A expectativa da Fazenda Nacional é de que esse índice aumente ainda mais nos próximos meses. A nova Lei de Recuperações e Falências trouxe condições especiais de pagamento para as empresas que estão em situação de crise. Essas companhias podem escolher entre duas modalidades de parcelamento: em até 120 vezes ou usar prejuízo fiscal para cobrir 30% da dívida e parcelar o restante em até 84 meses.
Além disso, passaram a ter mais vantagens, com a entrada em vigor da nova lei, nas chamadas transações tributárias. Elas podem, por exemplo, pagar as suas dívidas em até 120 meses e com até 70% de desconto em juros e multas. Os demais contribuintes conseguem, no máximo, 50% e o parcelamento em até 84 vezes. “Estamos oferecendo descontos e prazos equivalentes aos que os planos de recuperação judicial costumam oferecer para credores quirografários e com garantia real”, afirma Aguiar. Ele acrescenta que “a efetiva recuperação de uma empresa viável pressupõe também a solução do passivo fiscal”. Advogados que atuam para as empresas em recuperação entendem que se deve ter cautela em relação a esse tema. “Sobretudo com os bens notoriamente essenciais. Ainda que a decisão seja revertida pelo juiz da recuperação, o tempo de bloqueio pode asfixiar a atividade da empresa”, diz Mattheus Montenegro, sócio do Bichara Advogados.
Para Ricardo Siqueira, sócio do escritório RSSA Advogados, a decisão sobre a penhora de bens tem de ser tomada caso a caso. “Como o STJ desistiu do repetitivo sem julgar a matéria, ainda prevalece o entendimento que delega competência ao juiz da recuperação judicial”, afirma. Ele defende ainda que, nesses casos, deve-se levar em conta o artigo 186 do Código Tributário Nacional (CTN), que coloca os créditos trabalhistas à frente do Fisco na ordem de preferência para os pagamentos. “Não dá para se permitir que o Fisco consiga executar as suas dívidas mais rapidamente do que credores com dívidas concursais, que têm preferência inclusive em relação à dívida fiscal.”
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