Para resolver um problema, um bom começo é entendê-lo. Embora seja uma frase óbvia, não é o que tem orientado a discussão sobre a proposta de tributação dos dividendos apresentada pelo governo federal, através do Projeto de Lei (PL) n.º 2.337/21.
É verdade que existe um problema sério de baixa tributação da renda de muitos acionistas e sócios de empresas no Brasil. Esse problema não decorre, no entanto, da isenção na distribuição de dividendos. O lucro distribuído aos acionistas pode ser tributado na empresa, na distribuição ou em ambos. O que é relevante é a alíquota total incidente sobre o lucro distribuído. No Brasil a alíquota incidente na empresa é de 34%. Se o lucro foi tributado a 34% na empresa, não há por que dizer que o acionista está sendo beneficiado por uma baixa tributação.
Existe problema, no entanto, quando o lucro é pouco tributado na empresa e depois é distribuído com isenção. Isso ocorre no caso de grandes empresas, pois a legislação brasileira permite muitos ajustes entre o lucro contábil (base da distribuição) e o lucro fiscal (base da tributação), além de benefícios fiscais de redução do imposto devido. Mesmo ajustando para efeitos temporários, a alíquota efetiva incidente sobre o lucro (relação entre o imposto devido e o lucro contábil) tende a ficar bem abaixo de 34% para a média das empresas. As situações individuais variam muito – havendo empresas cuja alíquota efetiva fica próxima de 34% e outras em que a alíquota efetiva fica abaixo de 10%.
Também há grandes distorções nos regimes simplificados de tributação, nos quais o lucro é definido como uma porcentagem do faturamento. Neste caso, as distorções surgem quando a margem da empresa é elevada. A título de exemplo, um profissional liberal que atue como sócio de uma empresa de lucro presumido com faturamento de R$ 25 mil/mês e lucro (antes da tributação) de R$ 20 mil/mês está sujeito a uma alíquota sobre sua renda de apenas 9,6% (contra cerca de 23% para um trabalhador formal com a mesma renda).
A distorção distributiva que existe no Brasil, portanto, não decorre da falta da tributação na distribuição dos dividendos, mas sim da baixa tributação na empresa.
É verdade que o PL 2.337 corrige parcialmente esse problema, pois, com a tributação na distribuição, ao menos parte da renda pouco tributada na empresa será tributada na distribuição, a uma alíquota de 20%. Mas a forma escolhida para fazê-lo é muito ruim. Por um lado, a previsão de isenção na distribuição de lucros até o valor de R$ 20 mil/mês para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões/ano vai gerar enormes distorções – seja desestimulando as empresas a crescerem ou estimulando sua fragmentação, seja induzindo planejamentos societários para que um número maior de pessoas se beneficie da isenção. Por outro lado, a proposta reduz ainda mais a tributação da renda do profissional liberal sócio de empresa com renda até R$ 20 mil/mês (de 9,6% para 7,6%, no exemplo acima), ampliando a distorção atual. Por fim, para uma empresa cuja alíquota efetiva fique próxima da alíquota nominal de 29% proposta no PL 2.337, a alíquota conjunta na empresa e na distribuição alcançará 43,2%, que é extremamente elevada e atingirá de forma indiferenciada o grande e o pequeno acionistas, além de gerar distorções no financiamento das empresas, estimulando o uso de dívida em detrimento do financiamento via emissão de ações.
Seria muito melhor atacar o problema de outra forma, através, por exemplo, de mudanças que limitassem a baixa tributação na empresa e uma integração da tributação na distribuição de lucros com o Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF), idealmente acompanhadas de uma elevação da alíquota marginal do IRPF para rendas mais elevadas. Uma mudança bem feita corrigiria os problemas distributivos atuais sem gerar novas distorções, que – caso o PL 2.337 seja aprovado sem mudanças – certamente terão um impacto negativo sobre o crescimento.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
O ESTADO DE S. PAULO