Até a decisão, todos os processos sobre o assunto devem ficar suspensos
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), o maior do país, vai definir, por meio de recurso repetitivo, a possibilidade de penhora de parte do salário, aposentadoria ou outras fontes de renda para o pagamento de dívidas trabalhistas. Até a decisão, todos os processos sobre o assunto devem ficar suspensos.
Na área cível, essa possibilidade de penhora de um percentual do salário ou aposentadoria é admitida pelos tribunais, com base no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo limita a penhora a 50% dos recebimentos – mas, em geral, as decisões aplicam até 30%.
Agora, os desembargadores devem decidir, por meio de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), se essa previsão pode ser aplicada também na Justiça do Trabalho. Será respondida a seguinte questão: “É possível, à luz do disposto no artigo 833, parágrafo 2º, do novo Código de Processo Civil (NCPC) a penhora, ainda que limitada a determinado percentual, sobre salários, proventos de aposentadoria e outras fontes de renda do devedor previstas no inciso IV, daquele mesmo preceito legal, para fins de satisfação do crédito trabalhista?”
O acórdão de admissão do IRDR foi publicado no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho (DEJT) no dia 18. A relatoria é do desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira (processo nº 1002917-27.2022.5.02.0000).
No caso, o devedor entrou com o pedido de uniformização com a alegação de que há diversas decisões do TRT-SP “que ora admitem, ora não a referida penhora, acarretando insegurança jurídica sobre a questão”. Para ele, a controvérsia “lança os jurisdicionados à sorte de verem seus destinos decididos de acordo com a interpretação pessoal dos julgadores”.
A parte ainda destaca que a discussão tem potencial de multiplicação e perspectiva de perpetuação, “pois são inúmeras as execuções que, pelos mais diversos motivos, atingem os sócios das reclamadas, cuja subsistência, em regra, atualmente provem apenas de uma daquelas fontes de renda”.
Ele alega, por fim, que deve ser referendada a corrente que impossibilita a penhora sobre salários, proventos de aposentadorias, pensões previdenciárias, ainda que em percentual reduzido, por ofender o princípio da proteção ao salário previsto no artigo 7º, inciso X, da Constituição e a diretriz sedimentada na Orientação Jurisprudencial (OJ) 153, da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A OJ 153 diz que “ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança”.
Em seu voto, o relator do IRDR, desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, ressalta que, após pesquisa no Painel de Consulta ao Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios disponível no site do Conselho Nacional de Justiça, verificou que só os TRTs de Goiás e Espírito Santo têm recursos afetados sobre o tema (IRDRs nº 0010066-47.2022.5.18.0000 e nº 0000212-90.2021.5.17.0000, respectivamente).
Ainda destaca que existem reiterados julgados, que demonstram o dissenso na jurisprudência do TRT paulista. Também considera, em seu voto, que no TST e no Supremo Tribunal Federal (STF) não há incidente instaurado sobre o tema.
A advogada Fabíola Marques, do Abud Marques Sociedade de Advogadas, lembra que o CPC antigo, de 1973, vedava a penhora de salários na esfera trabalhista e que a OJ 153, do TST, foi baseada nesse entendimento. “Hoje nós temos uma legislação que autoriza essa penhora, desde que limitada a 50%. O TST vem entendendo, depois de 2015, que é possível quando se trata de relação de trabalho”, diz.
Para Fabíola, essa possibilidade deve ser examinada caso a caso. “Se por um lado é possível penhora de salário e aposentadoria do devedor, por outro deve ser garantida a sua subsistência, a sua dignidade”, afirma.
A discussão é bem controversa, diz a advogada Silvia Fidalgo Lira, sócia do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados. De acordo com ela, ainda que do ponto de vista principiológico de justiça seja razoável haver a penhora de parte desses vencimentos, o CPC, quando fala nessa possibilidade, é claro ao tratar de alimentos – no caso pensão alimentícia – na área de família.
“Não caberia ao Judiciário estender essa aplicação. Por mais justa que fosse, dependeria de alteração na legislação”, afirma a advogada. Ela lembra que essas penhoras recaem sobre sócios e administradores, que teriam salário ou aposentadoria comprometidos para pagar uma dívida da empresa.