Tributação nos serviços de cessão de mão de obra

Por Matheus Braga de Almeida Silva

No âmbito das relações comerciais, há empresas que possuem dentre o seu objeto social a cessão temporária de mão de obra, que consiste em colocar trabalhadores à disposição do contratante para realização de serviços relacionados ou não com a atividade fim do tomador.

Para tanto, as empresas de mão de obra podem atuar de maneiras distintas, havendo situações em que são meras intermediadoras entre o contratante e o empregado, funcionando como uma espécie de agenciadora, com remunerações exclusivamente por comissões, e outros casos em que são prestadoras de serviços próprios.

A depender do seu modelo de atuação, a prestadora dos serviços de mão-de-obra elaborará seu contrato de prestação de serviços, que poderá ter disposição pelo pagamento de um preço global, abrangendo todo o custo envolvido do serviço contratado (a exemplo de alimentação e transporte), ou de pagamento somente das comissões, com os custos esporádicos reembolsados pelo tomador acaso seja necessário. Então, discute-se qual será a base de cálculo para fins de incidência de tributos, a exemplo de PIS e Cofins, bem como do próprio ISSQN.

Para se chegar à conclusão de qual a forma mais correta para fins de tributação dos valores percebidos pela prestadora de serviços, volvemos à forma de atuação da pessoa jurídica e contratação pelos tomadores.

Caso a empresa funcione como simples intermediadora da contratação da mão-de-obra, posteriormente realizada pelo próprio tomador dos serviços, afiguraria a responsabilidade deste último por arcar com encargos trabalhistas e sociais dos trabalhadores temporários, a exemplo dos custos com alimentação e transporte.

Na hipótese do parágrafo anterior, se o prestador dos serviços, atuante como mero intermediador e remunerado exclusivamente por comissões, viesse a assumir os eventuais custos, estes poderiam ser entendidos como mero reembolso de despesas, de modo a não incidir tributação por não constituir faturamento da empresa, tampouco compor o preço total do serviço. Portanto, ao nosso sentir, estaria em conformidade à legislação acaso emitida nota de débito para reembolso, que consiste em um documento utilizado para a cobrança de valores em que não se aplica a emissão de notas fiscais, podendo ocorrer tanto entre empresa e funcionários quanto somente entre pessoas jurídicas. Para evitar questionamento pelos órgãos fiscalizadores, é recomendável o detalhamento pormenorizado de cada parcela que se pretende o reembolso, bem como a segregação nas demonstrações contábeis.

Ao revés, se a contratação é realizada pela própria prestadora de serviços, que a cede a um terceiro contratante, a maioria dos ônus devem ficar a cargo do prestador de serviços, por constituírem custos inerentes ao serviço prestado, compondo o preço total do que é cobrado ao tomador, salvo aqueles custos esporádicos que representem de fato reembolso de despesas que porventura possa ter o cedente da mão de obra.

Nota-se que ao contrário do intermediador, a empresa que atua com a cessão de mão de obra própria assume todas obrigações concernentes ao trabalhador cedido, e os custos, que não necessariamente devem refletir a exatidão do que fora arcado pelo prestador (pois não é remunerado exclusivamente por comissões), representam dispêndios para a consecução do serviço contratado, ainda mais fácil a visualização nos casos de obrigações trabalhistas.

Em outros termos, no primeiro caso, o preço do serviço seria equivalente à taxa de administração, que é a forma de remuneração da pessoa jurídica. Na segunda situação, o preço do serviço recai sobre o total da receita percebida. Fazendo essa distinção em análise acerca do ISSQN, destaca-se a jurisprudência do STJ, que em julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, assim decidiu:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA ? ISSQN. AGENCIAMENTO DE MÃO-DE-OBRA TEMPORÁRIA. ATIVIDADE-FIM DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DO SERVIÇO. VALOR REFERENTE AOS SALÁRIOS E AOS ENCARGOS SOCIAIS.
1. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, consoante disposto no artigo 9°, caput, do Decreto-Lei 406/68.
2. As empresas de mão-de-obra temporária podem encartar-se em duas situações, em razão da natureza dos serviços prestados: (i) como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho; (ii) como prestadora do próprio serviço, utilizando de empregados a ela vinculados mediante contrato de trabalho.
3. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas ‘intermediações’.
4. O ISS incide, nessa hipótese, apenas sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores.
Distinção de valores pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas com a prestação. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários.
5. A exclusão da despesa consistente na remuneração de empregados e respectivos encargos da base de cálculo do ISS, impõe perquirir a natureza das atividades desenvolvidas pela empresa prestadora de serviços. Isto porque as empresas agenciadoras de mão-de-obra, em que o agenciador atua para o encontro das partes, quais sejam, o contratante da mão-de-obra e o trabalhador, que é recrutado pela prestadora na estrita medida das necessidades dos clientes, dos serviços que a eles prestam, e ainda, segundo as especificações deles recebidas, caracterizam-se pelo exercício de intermediação, sendo essa a sua atividade-fim.
6. Consectariamente, nos termos da Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, se a atividade de prestação de serviço de mão-de-obra temporária é prestada através de pessoal contratado pelas empresas de recrutamento, resta afastada a figura da intermediação, considerando-se a mão-de-obra empregada na prestação do serviço contratado como custo do serviço, despesa não dedutível da base de cálculo do ISS.
‘Art. 4º – Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.
(…) Art. 11 – O contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.
(…) Art. 15 – A Fiscalização do Trabalho poderá exigir da empresa tomadora ou cliente a apresentação do contrato firmado com a empresa de trabalho temporário, e, desta última o contrato firmado com o trabalhador, bem como a comprovação do respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias.
Art. 16 – No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
(…) Art. 19 – Competirá à Justiça do Trabalho dirimir os litígios entre as empresas de serviço temporário e seus trabalhadores.’
7. Nesse diapasão, o enquadramento legal tributário faz mister o exame das circunstâncias fáticas do trabalho prestado, delineadas pela instância ordinária, para que se possa concluir pela forma de tributação.
8. In casu, na própria petição inicial, a empresa recorrida procede ao seu enquadramento legal, in verbis: ‘Como demonstra seu contrato social (documento anexo), a Impetrante tem como objetivo societário a locação de mão-de-obra temporária, na forma da Lei nº 6.019/74.
Em contraprestação a essa terceirização, conforme cópia exemplificativa de contrato em anexo (documento anexo), as empresas contratantes ou tomadoras de seus serviços realizam o pagamento da remuneração do trabalhador terceirizado e o pagamento do spread da Impetrante, qual seja, a chamada taxa de administração, conforme cópia exemplificativa de nota fiscal em anexo (documento anexo).
Entretanto, por inconveniência contábil e exigência ilegal do Fisco, está “autorizada” a somente emitir uma nota fiscal para receber os seus serviços, onde a taxa de administração, despesas e remuneração do terceirizado são pagas de forma conjunta.’
9. O Tribunal a quo, a seu turno, assentou que: ‘Para melhor esclarecer a questão faz-se necessário definir a relação jurídica e as partes envolvidas.
11. Verifica-se, pois, que existe a empresa tomadora do serviço de mão-de-obra, a empresa prestadora agenciadora do serviço de mão-de-obra e o trabalhador que irá prestar o serviço.
12. Em decorrência disso, existe também um contrato entre a empresa tomadora do serviço e a empresa agenciadora, bem como entre a empresa agenciadora e trabalhador. Nesse sentido, a empresa agenciadora, no caso a apelada, irá determinar ao trabalhador que execute um determinado trabalho, sendo que ele será remunerado pela execução da tarefa. Dessa forma, a empresa agenciadora de mão-de-obra recebe a taxa de administração e o reembolso do valor concernente à remuneração do trabalhador, da empresa tomadora do serviço.
13. Assim, o único serviço que a empresa agenciadora de mão-de-obra presta é o de indicar uma pessoa (trabalhador) para a execução do trabalho e a remuneração bruta é o pagamento que recebe (taxa de administração).’
10. Com efeito, verifica-se que o Tribunal incorreu em inegável equívoco hermenêutico, porquanto atribuiu, à empresa agenciadora de mão-de-obra temporária regida pela Lei 6.019/74, a condição de intermediadora de mão-de-obra, quando a referida lei estabelece, in verbis: ‘Art. 4º – Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.
(…) Art. 11 – O contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.
(…) Art. 15 – A Fiscalização do Trabalho poderá exigir da empresa tomadora ou cliente a apresentação do contrato firmado com a empresa de trabalho temporário, e, desta última o contrato firmado com o trabalhador, bem como a comprovação do respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias.
Art. 16 – No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
(…) Art. 19 – Competirá à Justiça do Trabalho dirimir os litígios entre as empresas de serviço temporário e seus trabalhadores.’
11. Destarte, a empresa recorrida encarta prestações de serviços tendentes ao pagamento de salários, previdência social e demais encargos trabalhistas, sendo, portanto, devida a incidência do ISS sobre a prestação de serviços, e não apenas sobre a taxa de agenciamento.
12. Recurso especial do Município provido, reconhecendo-se a incidência do ISS sobre a taxa de agenciamento e as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores contratados pelas prestadoras de serviços de fornecimento de mão-de-obra temporária (Lei 6.019/74). Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.”
(REsp n. 1.138.205/PR, relator Ministro Luiz Fux, 1ª Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de 1/2/2010).

Assim, conclui-se que as sociedades empresárias que possuem como escopo a cessão de mão de obra temporária, deverão avaliar sua própria forma de atuação para fins de recolhimento dos tributos federais, como PIS, Cofins, IRRF e CSSL, e do imposto sobre serviços, com o devido amparo documental. Igualmente, a distinção deve ser observada pelos tomadores, devido à possível incumbência de efetuar a retenção dos tributos em nota fiscal.

Por fim, ressaltamos que caso os órgãos fiscalizadores federais e municipais verifiquem que o que fora declarado pelos contribuintes não esteja em conformidade com a legislação, e não havendo o devido amparo documental pelas pessoas jurídicas, estas poderão ser autuadas para cobrança dos tributos já mencionados.

https://www.conjur.com.br/2022-jul-13/matheus-braga-tributacao-cessao-mao-obra

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