Quando a economia e as relações de trabalho mudam, surge a necessidade vital de adaptação. A reforma trabalhista, o avanço tecnológico e os desafios impostos pela pandemia da covid-19 intensificaram, no Brasil, uma realidade que já é mundial: o avanço da terceirização. A tendência vai ao encontro da situação atual do mercado, afetado diretamente pelas questões sanitárias. Gestores buscam incessantemente maior competitividade, melhoria de processos, eficiência, qualidade e redução estrutural de custos. Mas como fazer isso de uma forma segura e amparada pela legislação?
Até meados de 2017, a terceirização era regulada unicamente por súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Só a partir das leis nº 13.429 e nº 13.467, ambas de 2017, um novo ciclo se iniciou para essa ferramenta de gestão. Agora, regulamentada, a prática passa a ser cada vez mais considerada como um caminho viável para a retomada da economia, especialmente em meio à crise global do novo coronavírus. O crescimento constante dessa modalidade tem sido observado na última década por especialistas das áreas jurídica e de gestão. E é importante trazer o exemplo da indústria brasileira, que antes mesmo da regulamentação já dava sinais de evolução em direção a esse formato. Um estudo realizado em 2016 e divulgado em março de 2017 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que 84% das empresas demonstravam, à época, a intenção de manter ou aumentar o volume de serviços terceirizados. Já era uma porcentagem expressiva para o período, sinalizando certa disposição do empresariado em enfrentar a insegurança jurídica e o risco dos passivos trabalhistas, antes mesmo da legislação passar pelo Congresso.
Para 2021, o desafio está justamente em transformar essa expectativa dos gestores em resultados – sem romantismo, com base legal sólida e conhecimento pleno dos riscos e oportunidades. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados no fim de janeiro deste ano, o Brasil abriu 142.690 vagas de emprego com carteira assinada em 2020, com protagonismo da indústria que, por sinal, é um dos setores cuja cadeia produtiva se utiliza da terceirização de forma intensiva. Considerando que o país ainda está em um processo evolutivo em relação à cultura de levantamentos e pesquisas, dados como esse, ainda que setoriais, reforçam o caráter estratégico que a terceirização vem assumindo. Em um momento de exceção e instabilidade, por todas as restrições que o distanciamento social impõe, exige-se certo jogo de cintura por parte do empresariado, para tomadas de decisão mais assertivas. Apesar das dimensões continentais da nação, a legislação trabalhista é única e não faz distinção entre as realidades de cada Estado. Nesse cenário, sai fortalecida a influência de aspectos jurídicos e de negócios na definição do que seja, na prática, a terceirização.
O que se revisita, neste ano, é a urgente demanda por regras que permitam ampliar, ainda mais, o poder de negociação das empresas, das entidades representativas e – porque não? – dos próprios trabalhadores, de acordo com as necessidades específicas de cada atividade econômica. Vencida a questão legal, inicia a jornada de gestão, para escolher e contratar o parceiro adequado, e administrar a relação de prestação de serviços, sob o ponto de vista operacional e de redução de riscos. Basta olhar ao redor, para o mercado global, e perceber que a pandemia ceifou o equivalente a 255 milhões de empregos em tempo integral em 2020, conforme estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde que utilizada de maneira apropriada, a prestação de serviços por terceiros é uma ferramenta de gestão indispensável no contexto atual para promover desenvolvimento econômico, melhorar processos e agregar qualidade – sem prejuízos para empresas, trabalhadores e sociedade. No Brasil contemporâneo, convivemos com práticas de primeiro e terceiro mundo ao mesmo tempo, além de entraves herdados da normatização da Era Vargas. Existe, por parte de quem empreende, a disposição de seguir as regras e evitar o passivo trabalhista. E aí entra o papel de fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Justiça do Trabalho, para agir contra as práticas ilegais, o que acaba por incentivar quem age corretamente a permanecer no páreo. Mas há, também, a complexidade da legislação brasileira e a permanente necessidade de promover reformas legislativas que tragam maior flexibilidade para cada categoria profissional negociar seus direitos. Nesse cenário, a discussão a respeito do fim da unicidade sindical é pertinente.
É bem provável que nas eleições de 2022 cresça o número de candidatos que pautem a retomada econômica, e é oportuno incluir no debate a melhoria das relações de trabalho. Não basta rotular essa tendência inevitável como instrumento do bem ou do mal. O sucesso ou fracasso da terceirização depende do seu planejamento, da escolha do parceiro, do manejo da relação e, em especial, do processo de gestão de risco. Este, consiste no monitoramento preventivo, pela empresa tomadora de serviços, do cumprimento de obrigações trabalhistas, previdenciárias, de saúde e segurança. O objetivo deve ser sempre identificar e corrigir a chance de potencial passivo trabalhista durante o contrato. Tal prática, tem como efeito a proteção dos profissionais, das empresas e a redução do ingresso de milhares de ações propostas anualmente perante a Justiça do Trabalho. Terceirização correta, bem praticada e amparada pela implantação de projetos de gestão de terceiros é um dos caminhos para o crescimento de toda a cadeia produtiva.
Adriano Dutra da Silveira é advogado e consultor de empresas
VALOR ECONÔMICO