Recessão é inevitável no país, diz economista-chefe do Citi

Quando vai ocorrer e qual a intensidade da contração do PIB são as dúvidas, segundo Ernesto Revilla

Por Rafael Vazquez — De São Paulo

O Brasil e outros países da América Latina devem voltar a enfrentar um cenário de recessão entre o fim deste ano e o começo de 2023, embora a profundidade ainda seja tema de dúvida entre os economistas.

Inflação parece preocupar BCs mais do que recessão

A observação é de Ernesto Revilla, economista-chefe para América Latina do banco Citi, que concedeu entrevista exclusiva ao Valor durante visita ao país para participar do evento Citi Brazil Equity Conference. Ele também analisou a polêmica sobre a atuação do governo brasileiro para tentar conter a alta dos preços dos combustíveis, com ameaças à política de preços da Petrobras, e disse que agir para reduzir a dinâmica de alta, por si só, não é um grande problema. “O diabo está nos detalhes”, alertou. Leia os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o senhor avalia a conjuntura econômica atual para o Brasil e a América Latina?

Ernesto Revilla: O mundo está complicado. Estão acontecendo muitos choques ao mesmo tempo. Cada um desse choques, sozinho, seria suficiente para gerar incerteza, mas temos mais de um. A pandemia segue presente particularmente na Ásia. Temos uma desaceleração na China, aumento das taxas de juros nos EUA. Como se tudo isso não fosse pouco, temos a guerra entre Rússia e Ucrânia. Nesse contexto, os mercados emergentes enfrentam desafios adicionais porque têm problemas internos com incertezas políticas e um incremento importante dos preços de energia e alimentos, o que aumenta a pressão política em qualquer país, mais ainda nos emergentes.

Valor: Analistas começam a apontar para a possibilidade de nova recessão na região. O sr. também?

Revilla: Sim. Em um entorno de condições externas mais adversas, a região dificilmente escapará, principalmente sem uma alternativa de crescimento doméstico crível, o que não existe atualmente na América Latina. Se observamos os países da região, praticamente não há reformas em discussão para incrementar o crescimento. Até dizem que vão fazer algo no âmbito fiscal, mas os países ainda não estão criando narrativas para atrair investimentos ou para melhorar o clima de negócios.

À medida que haja mais credibilidade fiscal depois das eleições, veremos um fluxo maior de investimentos”

Valor: Especificamente sobre o Brasil, qual é a dimensão da recessão que nos espera?

Revilla: É inevitável que, no Brasil, haja uma recessão técnica [quando há dois trimestres seguidos de queda do PIB]. A pergunta é quando vai ocorrer. Algumas casas acreditam que será no fim deste ano, outras no começo de 2023, mas é uma consequência quase inevitável de ter a política monetária em terreno muito restritivo. Há também a perspectiva de queda nos preços das commodities. Agora, se a pergunta é se será uma recessão suave ou profunda, esperamos que seja suave porque a fortaleza da economia e particularmente do mercado de trabalho tem nos surpreendido positivamente.

Valor: A taxa de juros saltou rapidamente de 2% para 13,25% atualmente. Isso não é problemático?

Revilla: É mais fácil falar quando se olha pelo retrovisor. O Banco Central brasileiro fez um trabalho satisfatório em um entorno de muita incerteza como foram a pandemia e o processo de recuperação. O BC brasileiro foi um dos poucos bancos centrais do mundo que reconheceram rapidamente o problema de uma inflação que começava a crescer desde 2021. Outros bancos, inclusive o Federal Reserve [dos EUA], deixaram passar a oportunidade pensando que a inflação era transitória. O Brasil atuou antes, mas os choques seguiram se acumulando e por isso fizemos revisões sobre a taxa terminal de juros, que agora vemos chegando em 13,75%, com um viés de alta.

Valor: Com essa taxa de juros alta não deveríamos estar vendo uma procura maior por títulos soberanos do Brasil?

Revilla:Sim. O Brasil certamente deveria estar como um destino muito atraente para investidores de renda fixa porque estamos perto de terminar o ciclo de alta de juros em um patamar bem alto, mas isso não aconteceu até o momento, talvez, por causa do risco fiscal do país que preocupa os investidores. Realmente não vimos uma compra excessiva de bônus como esperávamos. À medida que haja mais credibilidade fiscal depois das eleições, podemos ver um fluxo mais importante de investimentos estrangeiros para a renda fixa do Brasil.

Valor: Então há uma desconfiança real com as eleições brasileiras?

Revilla: Com certeza. Eleições sempre causam incertezas em países emergentes, mas a desconfiança é mais direcionada ao tema fiscal. Se não houvesse o risco fiscal, é provável que estivéssemos vendo uma compra enorme de títulos do governo brasileiro.

Valor: O presidente Jair Bolsonaro sinaliza frequentemente que não aceitará derrota nas eleições, embora as pesquisas indiquem chance real de que isso aconteça. Os investidores não estão preocupados com a saúde da democracia no Brasil?

Revilla: O mercado está atento, os investidores estão perguntando muito e conversando com analistas políticos locais a todo momento. Porém, estão acostumados com ruídos políticos e posturas de campanha. E é importante saber distinguir quando um discurso é feito somente para agradar as bases. Os investidores estão confiantes de que as instituições brasileiras são sólidas. Isso só vai acabar dando mais transparência ainda para o processo eleitoral brasileiro e o fortalecerá.

Valor: Tudo indica que a eleição ficará mesmo dividida entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mercado tende a sinalizar alguma preferência?

Revilla: Independentemente do nome do próximo presidente, a preocupação é a trajetória fiscal e não está claro para ninguém com qual dos dois a dívida pode se estabilizar mais rápido. Isso vai depender dos detalhes do programa de governo de cada um e ainda há pouca visibilidade. Há coisas que parecem que vão acontecer com um ou com outro e que o mercado já está precificando. A regra fiscal atual no Brasil, o teto de gastos, não deve sobreviver e será substituída por alguma outra coisa. E vai ser muito importante explicarem por que substituirão o que vai substituir.

Valor: Há poucos dias, para combater a alta do preço dos combustíveis, o governo federal aprovou uma lei que reduz o ICMS, uma importante fonte de arrecadação dos Estados. Isso não coloca mais desconfiança sobre a austeridade fiscal do país?

Revilla: Transfere a pressão da inflação às contas públicas e incrementa as pressões fiscais de médio prazo. Também abre perguntas sobre como isso será coberto. É aí que entra a necessidade de explicar com mais detalhes os planos de médio prazo das campanhas [presidenciais]. Acredito que o mercado não gosta da ideia de que o Brasil, que tem uma trajetória de dívida já elevada, perto de 80% do PIB, possa entrar numa trajetória de maior deterioração, mas no momento há uma complacência devido a números fiscais recentes bons, ajudados pela inflação, e essa preocupação fiscal diminuiu. Mas não tenho a menor dúvida de que vai voltar uma vez que passe esse efeito transitório da inflação sobre as finanças públicas.

Valor: Qual seria o nível ideal de endividamento para o Brasil?

Revilla: A ciência econômica não dá um número específico. A resposta tem mais a ver com as preferências da sociedade, que se pronunciam por meio das suas eleições legislativas. Antes, havia um famoso número que era 90%. Diziam que, quando a dívida cruzava 90% em relação ao PIB em um país emergente, cairia significativamente o potencial de crescimento futuro. Era um “paper” acadêmico de Kenneth [Rogoff e Carmen Reinhart], mas continha um erro no Excel que depois foi descoberto. Então, não existe essa tal queda imediata depois dos 90% da relação dívida/PIB. Mas há um consenso de que o Brasil está próximo de um nível já alto do que o mercado está disposto a tolerar em relação a um país emergente, principalmente um que tem baixo crescimento. Além disso, se considerarmos que o cenário é de um mundo com taxa de juros mais altas e crescimento mais baixo, isso não é bom para as dinâmicas de dívida.

Valor: Além da questão fiscal, as trocas no comando da Petrobras e os ataques do governo à empresa por causa dos preços dos combustíveis têm chamado a atenção. Como o senhor analisa esse tema?

Revilla: O Brasil não é o único que está sentindo os preços dos combustíveis e busca suavizar o impacto de alguma maneira. Outros países da América Latina, como México e Colômbia, utilizaram recursos fiscais para tentar manter os preços. Inclusive nos EUA, que sempre teve uma postura absolutamente liberal em relação aos preços de energia, agora existe pressão política para que o presidente Joe Biden faça algo e reduza impostos federais que incidem sobre a gasolina.

Valor: Essa pressão direta de governos para controlar preços que acontece agora é saudável?

Revilla: Por si só não é bom ou ruim. O importante é como se faz e, principalmente, por quanto tempo, sem menosprezar a maneira como isso é comunicado. Uma sociedade deve decidir, em seu conjunto, uma maneira democrática sobre como atacar esses problemas para afetar o menos possível a população vulnerável, assim como a eficiência. Décadas atrás, os mais puritanos do mercado diriam rapidamente que não é bom nenhum tipo de controle de preços. Mas nós, economistas, e os organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que já foi muito ortodoxo, aprendemos a tolerar mais e entender que, em algumas ocasiões, as alternativas podem ser piores, chegando a afetar a credibilidade das instituições. Protestos em vários países mostram esse risco. Então, uma medida transitória bem pensada, bem financiada e bem comunicada ao mercado pode ajudar, principalmente se isso está afetando a população mais vulnerável, o que é o caso agora. É compreensível que os governos tentem suavizar, mas reforço que é importante observar como isso será financiado e quanto tempo vai durar. O diabo está nos detalhes.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/06/30/recessao-e-inevitavel-no-pais-diz-economista-chefe-do-citi.ghtml#

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