O novo plano de tributação global sobre as empresas multinacionais foi endossado por 130 dos 139 países que negociam o acordo, como o Valor antecipou. A expectativa é de conclusão das negociações até o fim do ano para entrada em vigor das novas regras em 2023.
Os países poderão obter US$ 250 bilhões a mais de arrecadação por ano com o futuro acordo que fará com que “ multinacionais paguem uma justa parte do imposto em todo lugar onde exercem suas atividades”, diz a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena a negociação. Os 130 países que deram o sinal verde ao avanço do acordo representam mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Inclui todos os países do G-20, reunindo as maiores economias desenvolvidas e emergentes como a China, Brasil, India, Rússia. Também a Argentina, que resistia até ontem, assinou a declaração de endosso.
Somente um pequeno grupo de países não aderiu ao consenso, mas continua na negociação. São a Irlanda, que tem taxação de 12,5% sobre as corporações; Hungria, com taxa de 9%; Estônia, Barbados, São Vicente e Granadinas, Quênia, Nigéria e Sri Lanka. O Peru se absteve, à espera da decisão sobre quem será o presidente da República. O Pilar 1 do acordo deverá garantir uma repartição mais equitativa dos lucros e dos direitos de imposição entre países atingindo as 104 maiores multinacionais, incluindo as grande do setor digital como Google, Facebook, Amazon. A redistribuição será de uma parte da taxação entre os países de origem dessas grandes múltis e os países de mercados nas quais elas exercem atividades comerciais e obtêm lucros, tendo ou não presença física nesses mercados. Serão alvejadas as múltis com faturamento mundial superior a € 20 bilhões e margem de lucro acima de 10%. Mas a base de faturamento será diminuída para € 10 bilhões em sete anos.
Acima do lucro de 10%, uma fatia entre 20% e 30% será atribuída à taxação pelos países de mercados que atendem certos critérios. A repartição levará em conta a receita da empresa localmente. É o que os técnicos chamam de “lucro residual”. Nesse caso, será atendida demanda de emergentes, incluindo o Brasil, para que uma fatia maior de lucro das 104 maiores múltis fosse taxada localmente. Originalmente, a ideia era de limitar esse lucro residual a 20%. A nova regra vai beneficiar países onde as 104 maiores multinacionais tiverem, cada uma, faturamento de pelo menos € 1 milhão localmente. Mas países menores também vão poder receber uma fatia da tributação. Como o Valor publicou, as empresas financeiras e extrativistas (mineração, petróleo e gás) serão excluídas. O Reino Unido conseguiu assim dar um fôlego para os maiores bancos do mundo, para obter em troca a maior taxação sobre as “big tech”. O acordo vai detalhar regras sobre faturamento, determinação da base de imposição, regime de proteção aplicável aos lucros de atividades de comercialização e de distribuição, eliminação de dupla imposição, segurança jurídica em matéria fiscal, administração do tratado.
Por sua vez, o Pilar 2 do acordo visa enquadrar a concorrência fiscal, estabelecendo um imposto mínimo mundial de pelo menos 15% que os países poderão cobrar para proteger suas bases de imposição. Significa impor à matriz da múlti um imposto suplementar sobre uma receita que pagou pouca taxação graças a otimização fiscal e transferência de lucros para paraísos fiscais. As regras globais de luta contra a erosão da base de imposição (GloBE, na sigla em inglês) serão aplicadas sobre as múltis com faturamento de pelo menos € 750 milhões. Os países são livres de decidir impor uma regra de inclusão de faturamento (RDIR) às múltis com sede em seus territórios, mesmo que elas não tenham alcançado esse montante. As empresas públicas, organizações internacionais, organizações sem fins lucrativos, fundos de pensão e fundos de investimento que são “Ultimate Parent Entities” (UPE), ou matriz de um grupo de multinacionais ou toda estrutura de detenção utilizada por essas entidades não estão submetidos às regras da taxação global mínima.
Quanto a sistemas existentes de imposição de dividendos distribuídos, nenhum imposto suplementar será aplicado se a receita é distribuída em três a quatro anos e taxada no nível mínimo global ou acima disso. Para a OCDE, o plano com os dois pilares será de uma “ajuda preciosa” aos países que precisam mobilizar receitas fiscais para reequilibrar seus orçamentos e ao mesmo tempo investir em serviços públicos essenciais, infraestrutura e para uma retomada econômica pós-covid “forte e sustentável”. A entidade calcula que o Pilar 1, de realocação da taxação sobre as 104 maiores multinacionais, vai gerar mais de US$ 100 bilhões cada ano. Por sua vez, o Pilar 2, com imposto global mínimo de 15%, deverá render US$ 150 bilhões adicionais por ano.
“Esse pacote não coloca fim à concorrência fiscal nem é sua vocação, mas procura limitá-la por regras acertadas em escala multilateral”, afirmou o novo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann. “Também leva em conta os interesses de todas as partes na negociação. É do interesse de todos chegarmos a um acordo final até o fim do ano.” O presidente dos EUA, Joe Biden, que deu o impulso político para a negociação avançar, declarou ontem que, com a taxação mínima, as múltis não mais serão capazes de jogar um país contra o outro na tentativa baixar a tributação e proteger seus lucros aos custos dos cofres públicos.
VALOR ECONÔMICO