A área que cuida de Orçamento dentro do Ministério da Economia virou foco de tensão diante dos vários pedidos de recursos feitos pela ala política do governo e que não podem ser atendidos por desrespeitarem as regras fiscais. A situação chegou ao ponto de técnicos se recusaram a assinar propostas por consideraram que há obstáculos legais para implementá-las. Essa resistência tem irritado outros ministérios e o próprio Palácio do Planalto, alimentando especulações de que os secretários de Fazenda, Waldery Rodrigues, e de Orçamento, George Soares, estão na mira.
Os impasses vão desde a compensação para a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel, anunciada pelo presidente para amenizar o impacto de reajustes no preço do combustível no bolso dos caminhoneiros, até a liberação de recursos para a Operação Carro-Pipa, que leva água potável ao semiárido brasileiro e está ameaçada porque o dinheiro previsto para 2021 está travado pelo atraso na votação do Orçamento. Outros focos de atrito são a antecipação do 13º dos aposentados do INSS e o desejo da ala política de implementar a nova rodada do auxílio emergencial antes da aprovação final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dará respaldo legal ao seu pagamento.
Uma das áreas mais pressionadas é a Secretaria de Orçamento Federal (SOF), comandada por um técnico experiente da pasta, George Soares, que participa das reuniões da Junta de Execução Orçamentária (JEO) subsidiando as decisões sobre distribuição de recursos. A SOF é ligada à Secretaria Especial de Fazenda, chefiada por Waldery Rodrigues, que já esteve na mira de Bolsonaro após defender publicamente o congelamento de aposentadorias para abrir espaço à ampliação dos programas sociais do governo. Na época, o presidente ameaçou dar “cartão vermelho” ao secretário. Com os problemas recentes, o nome do secretário voltou ao centro das críticas.
Nos bastidores, há o temor de que a pressão pelo atropelo às regras fiscais acabe deflagrando uma entrega de cargos dentro do Ministério da Economia, por técnicos que não aceitam assinar atos em desacordo com o que manda a legislação. Esse risco vai além dos nomes de Soares e Waldery e pode ampliar a crise em torno do Ministério da Economia.
Pressão
Um dos temores é que o ministro Paulo Guedes ceda à pressão dos parlamentares para abrir o crédito extraordinário que pagará o auxílio emergencial em 2021 logo após a aprovação da PEC no Senado, mas antes de sua votação na Câmara. A avaliação dos técnicos é de que isso traga riscos jurídicos ao governo, uma vez que essa despesa não é mais considerada “imprevisível”, como requer a Constituição para a abertura desse tipo de crédito – que fica fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação. O respaldo para essa operação virá justamente da PEC.
Há ainda um impasse envolvendo a antecipação do 13º dos aposentados do INSS, medida que a equipe econômica quer implementar para injetar R$ 50 bilhões na economia ainda no primeiro semestre do ano e ajudar a dar fôlego à atividade enquanto a nova rodada do auxílio emergencial não sai do papel. Economistas têm feito coro em torno do risco de uma recessão no primeiro semestre, dado que o aumento no número de casos e óbitos por covid-19 tende a retrair o consumo dos brasileiros.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a secretaria de Waldery tem alertado que a antecipação não pode ser adotada antes da aprovação do Orçamento de 2021, porque os gastos obrigatórios estão sendo feitos de forma provisória na proporção de 1/12 ao mês em relação ao estimado na proposta, como autoriza a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Pagar o 13º mais cedo que o habitual elevaria essa proporção.
Waldery e equipe chegaram a indicar que o Planalto poderia adotar a medida desde que se responsabilizasse por ela – quando órgãos de controle detectam alguma irregularidade, o servidor que assinou o ato pode responder com seu próprio CPF. O aviso fez a ala política recuar, e até agora a medida não saiu. Dentro da própria Economia, há outras áreas envolvidas na discussão que discordam da posição da Fazenda, mas existe consenso de que seu aval é necessário, ao mesmo tempo em que essa negativa dá um sinal ruim sobre a medida.
Também há indefinição em torno da compensação à desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel. O presidente Jair Bolsonaro chegou a indicar mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para desobrigar o governo de elevar tributos ou cortar subsídios para fazer frente à redução da carga sobre o combustível, mas os técnicos são veementemente contra essa alternativa. Até agora, o Ministério da Economia não se posicionou oficialmente sobre o impacto da medida e qual será a fonte de compensação.
Operação Carro-Pipa
Outra divergência envolve um crédito extraordinário solicitado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para bancar as despesas da Operação Carro-Pipa. A ação tem R$ 500 milhões já previstos no Orçamento, mas apenas R$ 89,7 milhões estão liberados e foram usados no mês de janeiro. Os R$ 410 milhões restantes, segundo o próprio MDR em nota à reportagem, dependem de uma autorização especial do Congresso para descumprir a chamada “regra de ouro” do Orçamento, que impede o pagamento desse tipo de gasto com dinheiro obtido via emissão de dívida pública. O problema é que o governo só pode pedir esse aval após a aprovação do Orçamento.
Diante do impasse, a Operação Carro-Pipa foi paralisada em vários municípios do Nordeste, inclusive em Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), que está ciente do problema, segundo relatos feitos à reportagem. A avaliação no MDR é que a suspensão da operação cria um problema social, por deixar a população sem água, e político, pois prejudica o Nordeste.
O MDR pediu à Economia um crédito extraordinário de R$ 219,7 milhões para garantir a continuidade da Operação Carro-Pipa, mas os técnicos de Orçamento resistem em acatar o pedido. O argumento é que a Constituição só permite crédito extraordinário para gastos urgentes e imprevisíveis. Fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast afirmam que é temerário enquadrar uma despesa já prevista no Orçamento nesses critérios e veem a insistência na questão como um prato cheio para atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), que já criticou esse tipo de prática durante o governo Dilma Rousseff (PT).
A Economia chegou a sinalizar ao MDR que poderia fazer uma consulta ao TCU sobre o tema, o que tem sido rejeitado pela pasta comandada por Rogério Marinho, que pede urgência na liberação do dinheiro.
O ESTADO DE S. PAULO