O Estado de S.Paulo –
O diretor da fábrica de cadeiras e poltronas Flexform, Rogério Teixeira, diz que foi preciso entregar encomendas com prejuízo para cumprir os contratos depois do salto no preço dos insumos nacionais e também dos importados. De Guarulhos (SP), a empresa teve que lidar com aumentos de até 40% em dólar de componentes importados da Europa – sobretudo da Itália – e da Ásia.
“Além do custo, temos sofrido com os prazos de entrega, que ficaram bastante dilatados. Temos fornecedores antigos e consolidados que tinham prazo de 30 a 40 dias entre o pedido e o embarque, mas agora esse tempo já chega a 90 dias. Isso implicou um custo maior também de armazenagem, porque precisamos acumular até dez meses de estoque de materiais para manter o ritmo de produção”, afirma.
Os insumos nacionais usados pela fábrica também passaram por uma escalada de preços. Segundo Teixeira, as chapas de aço aumentaram 177% desde o começo de 2020, as resinas plásticas subiram 78%. E as caixas de papelão, fundamentais para embalar os produtos, mais que dobraram de preço.
O caso da Flexform é sintomático da realidade da indústria, que enfrenta há mais de um ano dificuldades para adquirir matérias-primas. De acordo com nova sondagem especial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), sete em cada dez fábricas continuam enfrentando problemas para comprar insumos no mercado doméstico ou fora do País.
Em outubro de 2020, em meio ainda aos efeitos da pandemia de covid-19 sobre as cadeias de produção, 68% dos executivos da indústria geral relatavam dificuldades em adquirir matérias-primas no mercado doméstico. A mesma parcela de empresários, 69%, continua enfrentando o problema um ano depois.
Entre os setores mais afetados está a indústria moveleira. De acordo com a CNI, 85% das fábricas do segmento têm dificuldades em adquirir insumos nacionais e 89% enfrentam problemas em importar peças e componentes.
“Poucas empresas dominam esses segmentos de insumos no Brasil. Estamos em uma situação bem sufocante, mas honramos cada pedido que aceitamos, a despeito do preço. Não deixamos de entregar o produto e não tivemos prazos comprometidos, mas ao custo de entregar com prejuízo”, se queixa Teixeira.
Na indústria da construção, as dificuldades seguem se agravando. Se em outubro de 2020, 60% das empresas enfrentavam percalços para comprar insumos, esse porcentual saltou para 75% no mês passado.
Como a pandemia atingiu em cheio também os fornecedores internacionais, a maior parte das fábricas brasileiras enfrenta problemas semelhantes para trazer insumos importados. De acordo com a CNI, 64% da indústria geral utilizam matérias-primas importadas, e 72% delas têm dificuldades em obtê-los – mesmo pagando mais caro. Na indústria da construção, apenas 27% das firmas importam insumos, mas 80% delas responderam que ficou mais difícil acessar o mercado global.
O gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo, diz que – assim como a maior parte dos empresários do setor – acreditava em uma normalização do fornecimento de insumos ainda no primeiro semestre deste ano. As perspectivas, porém, têm sido frustradas trimestre após trimestre.
“A dificuldade ainda é bastante disseminada entre os segmentos da indústria de transformação. A diferença dessa vez é que temos de fato alguma sinalização de melhora na margem. Um primeiro passo é o ajuste de estoques, que já ocorreu. Temos alguns sinais que apontam que o pior deve ter ficado para trás”, avalia. “No começo de 2022 devemos ter uma evolução mais perceptível, mas ainda sou um pouco cético sobre a normalização total. Alguns produtos devem ter problemas mais duradouros”, admite.
Azevedo lembra que ainda há muita incerteza se a demanda por bens industriais vai se manter por mais tempo e em que medida será substituída pelo retorno da demanda por serviços. “Um dos problemas é incerteza se esse novo hábito de consumo veio para ficar. Se o setor soubesse, haveria disposição maior para investir na cadeia de insumos. Muitos empresários estão segurando decisões”.