A piora da pandemia do novo coronavírus derrubou em março a confiança de consumidores e empresários brasileiros. A percepção dos consumidores sobre a situação econômica atingiu o pior nível da série histórica de pesquisa do FGV Ibre, iniciada em 2005.
Os indicadores de confiança costumam antecipar decisões de compra ou de investimento e contratações. Eles vinham se recuperando após o tombo nos primeiros meses da pandemia, mas voltaram a cair com a disparada nas mortes por Covid-19 neste primeiro trimestre.
“Essas pesquisas são um retrato de como a sociedade enxerga o futuro e têm uma correlação muito grande com o que vai acontecer com o PIB [produto interno bruto]”, diz o economista Otto Nogami, do Insper. “Se o consumidor não tem confiança para comprar, o empresário perde a confiança para produzir.”
Nesta terça (23), o Ibre informou que o índice de confiança do consumidor caiu 9,8 pontos em março, para 68,2 pontos, o pior nível desde maio de 2020, quando a primeira onda da Covid-19 seguia com força. O recuo foi puxado pela queda de 12,3 pontos no índice de expectativas, em um sinal de que a confiança está sendo abalada pelo pessimismo em relação aos próximos seis meses.
“Os consumidores percebem a piora da situação econômica atual, com sérios riscos ao emprego e à renda, e são também afetados psicologicamente pelo medo de contrair a doença e pela necessidade de isolamento social”, afirma Viviane Seda Bittencourt, Coordenadora das Sondagens do instituto.
Entre os quesitos que medem o grau de satisfação com a situação atual, a percepção em relação à situação econômica caiu 3,7 pontos em março, atingindo o piso histórico de 70,3 pontos. Já o indicador que mede a satisfação com as finanças pessoais caiu para o menor nível desde abril de 2016 (56,8 pontos).
“A campanha de imunização do Covid-19 no país segue lenta, enquanto o número de hospitalizações e mortes por dia avança rapidamente, levando estados e municípios a adotar medidas de restrição à circulação”, comenta Bittencourt.
O desânimo se espalha por outros segmentos da sociedade, segundo outros indicadores divulgados nos últimos dias. Dados referentes à indústria e ao comércio confirmam a reversão de expectativas em relação à retomada verificada no segundo semestre de 2020.
Em prévia de sua Sondagem da Indústria, o Ibre prevê queda de 4 pontos no indicador de confiança do setor, que chegaria a 103,9 pontos, o menor patamar desde agosto de 2020. Se confirmado, será a terceira queda seguida nesse indicador.
O recuo é resultado tanto da percepção de piora da situação atual quanto da diminuição das expectativas em relação aos próximos meses. Após um período de produção em alta para repor estoques consumidos no início da pandemia, o nível de utilização da capacidade da indústria deve fechar o mês no menor nível desde setembro de 2020.
Entre os empresários do comércio, o sentimento de confiança na economia fecha o primeiro trimestre com a pior retração para o período desde 2015, diante das indefinições sobre a possibilidade de funcionamento das lojas com o retorno de medidas restritivas.
Em março, o indicador caiu 1,5%, no quarto recuo seguido. No trimestre, a queda acumulada é de 5,1%.
O índice (103,6 pontos) ainda se mantém acima dos 100 pontos, o que reflete “relativa satisfação” diz a entidade, mas com grande dependência do varejo presencial, há grande temor com o aumento das restrições.
“A implementação de medidas restritivas e indefinições sobre o novo auxílio emergencial respondem por essa desconfiança do setor”, diz o presidente da CNC, José Roberto Tadros. “Esperamos que haja uma agilidade em relação à vacinação, que é o mais urgente no momento.”
O cenário de incertezas aponta para a piora nas expectativas, já que os índices atuais ainda não captaram totalmente os efeitos do fechamento temporário do comércio nas duas maiores cidades do país.
Entre os empresários do comércio de São Paulo, pesquisa feita pela Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) mostra que o índice de confiança caiu abaixo dos 100, o que indica pessimismo, pela primeira vez desde agosto de 2020.
As entrevistas, porém, foram feitas até o dia 18 de março, dia em que o prefeito Bruno Covas anunciou a antecipação de feriados para conter a pandemia na capital paulista, sendo seguido por cidades da Baixada Santista e do interior.
“Com as medidas restritivas e a baixa imunização, parece que estamos ainda em 2020. No curto prazo, o índice tende a se comportar dependente de fatores como esses, oscilando em reação com o humor do consumidor”, analisa o economista da CNC Antonio Everton.
No caso da indústria, a escalada das contaminações e dificuldades para obter insumos já provocam paralisações em montadoras, como Volkswagen, Scania, Volvo e Mercedes Benz. “A Volkswagen não pode ficar alheia ao agravamento da pandemia no Brasil”, disse à Folha o presidente das operações brasileiras da empresa, Pablo Di Si.
Após uma parada quase total das atividades no início da pandemia, o setor automotivo vinha ajudando na recuperação do indicador de atividade industrial medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Nogami lembra que, por ter uma extensa cadeia de fornecedores, essa indústria tem grande peso na atividade econômica. Sua paralisação, portanto, deve contribuir ainda mais para segurar o desempenho do PIB neste primeiro trimestre.
Nesta segunda o relatório Focus, do Banco Central, trouxe nova redução nas expectativas do PIB de 2021, de 3,23% para 3,22%. Para o IFI (Instituto Fiscal Independente), ligado ao Senado, a paralisação de 50% das atividades econômicas no país por um período de quatro semanas pode reduzir o crescimento da economia em 1 ponto percentual, caso não sejam adotadas medidas compensatórias como em 2020.
FOLHA DE S. PAULO