PEC fura-teto é contabilidade criativa desnecessária, dizem economistas

A possibilidade de o governo federal enviar ao Congresso uma proposta que altere a Constituição para liberar pelo menos R$ 35 bilhões em despesas fora do teto de gastos é criticada por economistas e especialistas em finanças públicas.

Eles também afirmam que não há necessidade de mudanças na legislação para viabilizar gastos vinculados à pandemia, seja na área de saúde ou em programas de crédito ou manutenção de empregos.

Diante da repercussão negativa da proposta, o Ministério da Economia já avalia abandonar a ideia, que abriria espaço para R$ 18 bilhões em emendas parlamentares fora do teto, na tentativa de resolver o imbróglio no Orçamento deste ano.

O governo, no entanto, ainda insiste na necessidade de mudar a Constituição para flexibilizar as regras fiscais para gastos com programas de proteção a empresas e trabalhadores.

A versão da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que circula em Brasília prevê deixar fora do teto R$ 10 bilhões para a reedição do programa de redução de salário e jornada (o chamado BEm), R$ 7 bilhões para o Pronampe (programa de crédito para micro e pequenas empresas) e R$ 18 bilhões para quaisquer “despesas que tenham por objetivo atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos, agravados durante o período da pandemia”, valor que iria para emendas parlamentares.

A proposta também permite ao governo realocar recursos de emendas já previstas no Orçamento de 2021 para gastos obrigatórios, como Previdência e seguro-desemprego, sem necessidade de aprovação do Congresso, como determina a legislação atual.

O economista Marcos Mendes, colunista da Folha e um dos autores do teto de gastos constitucional, afirma que a legislação já permite ao governo reeditar os programas de preservação de emprego e concessão de crédito a empresas, que estão ligados à questão da pandemia, sem necessidade de mudar a Constituição.

“Estão com pudores de usar essa válvula de escape do teto, dizendo que a pandemia já era conhecida, mas ela mudou de escala e seria mais do que justificável fazer créditos extraordinários [para os dois programas]. O governo já fez crédito extraordinário para o Ministério da Saúde neste ano com base nisso. Não precisa de uma nova regra”, afirmou.

Ele discorda do argumento do governo de que a nova PEC seria uma alternativa à decretação de Estado de Calamidade Pública para permitir gastos fora do teto, o que seria um cheque em branco ao Legislativo.

Mendes vê risco de que o valor das emendas fora do teto seja elevado durante a tramitação da proposta no Congresso, tendo em vista a dificuldade do governo em obter apoio parlamentar, como foi visto nas votações recentes da PEC Emergencial e do Orçamento deste ano. Também poderiam surgir mais exceções ao teto.

“A gente não sabe qual o texto que vai sair do outro lado. É um perigo, sendo que você já tem instrumentos hoje para lidar exclusivamente com a pandemia. Precisa fazer Pronampe, o BEm, gastar com saúde? Faz crédito extraordinário.”

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado), classificou a nova proposta como contabilidade criativa e lembrou que os valores gastos irão afetar a dívida pública de qualquer maneira.

“É inacreditável o que estamos vendo na gestão fiscal e orçamentária. Um erro mais um erro? Dois erros. A ‘nova PEC’, se confirmada, será um equívoco em cima de outro. Não vai dar certo. Abre-se a caixa de pandora da contabilidade criativa. É preciso ter claro: risco altíssimo”, afirmou Salto.

O presidente da XP, Guilherme Benchimol, afirmou nesta terça-feira (13) durante o evento Brazil Conference que o mercado financeiro tem duvidado da capacidade do governo de equacionar a política fiscal do país ao longo dos próximos anos.

“Toda a discussão, hoje, tem esse tom: será que o Brasil vai conseguir equilibrar as contas públicas ou não? Se não equilibrar, o país vai ficar insolvente, o dólar e os juros vão começar a subir. Deveríamos evitar rumar nessa direção e, por isso, é fundamental que as reformas aconteçam”, afirmou Benchimol.

O presidente da XP disse que vivemos uma crise sanitária nunca vista na história, mas que é preciso entender que o Brasil é um país pobre. Segundo ele, é necessário ajudar as pessoas, mas o orçamento é apertado e não é um desafio fácil para o Congresso fazer escolhas.

“Acabamos nesse ambiente atual. O governo quer ajudar todo mundo, não tem orçamento e aí começam as discussões sobre furar ou não o teto [de gastos]. E as mensagens que acabam vindo não são as melhores no curto prazo”, disse o empresário. “Todo mundo quer tudo, mas o dinheiro é um só.”

Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, o agravamento da crise na saúde colocou o governo em uma situação difícil de ter que equilibrar a maior demanda por gastos sociais com a necessidade de conter a dívida pública, atualmente em torno de 90% do PIB (Produto Interno Bruto).

“Até o momento, os esforços para contornar a regra do teto de gastos ou aprovar a cláusula de calamidade foram contidos, mas a pressão está aumentando”, afirma Rostagno.

Embora avalie que a queda na popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) possa levar o governo a uma mudança na política econômica em direção ao populismo, Rostagno ainda tem como principal cenário o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal e as reformas.

Para ele, as chances de reeleição dependerão essencialmente do estado da economia no próximo ano, e uma recuperação sustentada está condicionada ao controle do vírus e à correção do problema fiscal. “Os próximos meses serão cruciais para avaliar se a crise da Covid-19 diminuirá e se haverá alguma mudança significativa na política fiscal.”

FOLHA DE S. PAULO

Compartilhe