ANDREA JANÉR
Desde que as empresas resolveram reabrir depois de um longo período operando virtualmente, vimos diversos modelos sendo adotados com diferentes níveis de flexibilidade. Há, por exemplo, um experimento rodando de forma surpreendentemente positiva na Inglaterra, que prevê uma semana de 4 dias. Também um sistema implementado por um jovem banco digital brasileiro, que mantém o time todo trabalhando de forma remota e, a cada dois meses, reúne as equipes para uma semana presencial.
Cada um desses novos modelos traz benefícios e desvantagens, e ainda é cedo para avaliar seus impactos no longo prazo. Mas algumas coisas já emergem deste processo que estamos vivendo.
Mudanças de paradigmas
A primeira é que, a meu ver, algo mais profundo e transformador aconteceu com muitos trabalhadores na pandemia. Uns descobriram que funcionam melhor longe do escritório; sua produtividade até aumentou sem a pressão do ambiente, algo que para populações minorizadas como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+, é especialmente incapacitante.
Outros perceberam que o trabalho remoto permite conciliar a atenção com os filhos, os pais, o companheiro/companheira, a casa, os pets – e isso é uma conquista da qual não querem abrir mão. E há ainda um terceiro grupo que passou a questionar sua vida, suas escolhas e por consequência, seu próprio emprego – e se deu conta de que não está satisfeito. É um pouco aquela história de que, quando vemos algo, é impossível desver.
Estas pessoas, em sua maioria jovens das gerações Y e Z (mais ou menos entre 18 e 40 anos), estão com dificuldades para se reencaixar no mercado de trabalho. Muitas ainda não pediram demissão porque estão com medo da recessão que se anuncia – ainda mais no Brasil, o futuro está ainda mais incerto. E, grande parte dos que ficaram, estão engrossando as estatísticas de burnout, fazendo explodir o número de afastamentos nas empresas por doenças como ansiedade, depressão e outros distúrbios emocionais e psicológicos.
As empresas, por sua vez, estão tendo muitas dificuldades para lidar com este novo desafio. A maioria não enxerga que, depois de dois anos de pandemia, não conseguiremos mais voltar para o lugar onde estávamos antes da covid-19. Que, aliás, estava longe de ser perfeito, pois já vínhamos assistindo ao crescimento das questões ligadas à saúde mental desde o início da década passada.
Flexível, mas nem tanto
Muitas companhias adotaram o método “flexível” (mais conhecido como “em cima do muro”): 3 dias no escritório, dois remotos. Mas os dias presenciais em geral são pré-definidos pela própria empresa, o que, na verdade, já enterra o conceito de flexibilidade em sua origem. Esse modelo, muitas vezes, serve a dois propósitos principais: justificar o metro quadrado que gera custos, e perpetuar o sistema de gestão conhecido como “comando e controle”, no qual os líderes conseguem exercer autoridade sobre suas equipes com mais facilidade por meio da presença física.
As empresas que mais frequentemente adotaram o modelo remote-first – o que significa que o trabalho virtual é a prioridade – foram, em geral, aquelas da chamada nova economia, cuja maior parte das interações já aconteciam de forma remota. Normalmente têm estruturas mais fluídas, menos hierárquicas e, não por acaso, lideranças e equipes mais jovens e conectadas com as demandas do profissional do futuro.
Esse tipo de empresa sabe que a flexibilidade é cada vez mais um critério para atração – e retenção – de talentos, e que funcionários felizes produzem mais e melhor. Aprenderam a dar autonomia para os times e a confiar em suas equipes, o que nem sempre é fácil principalmente quando se fala de empresas enormes. Por fim, criaram novas rotinas de avaliação e remuneração: o que passa a interessar são as entregas, não o processo; o resultado, e não as horas trabalhadas.
Desafios para a cultura empresarial
Mas e a cultura? Como criar pertencimento em times remotos? Como garantir que teremos funcionários comprometidos, conectados e apaixonados pela nossa marca? A resposta não é fácil. É preciso desaprender o jeito antigo de trabalhar, e construir um jeito novo – e não temos todas as respostas.
Sabemos que é preciso investir em rituais, em encontros significativos, em ferramentas de comunicação, em recursos de gerenciamento de projetos, em https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, em treinamento – mas as soluções terão que ser testadas, avaliadas e, se forem boas, replicadas. É um processo que vai levar tempo, energia e dedicação.
Flexibilidade é escolha. Sempre vai haver quem prefira ir presencialmente na firma; seja porque produz melhor em grupo, consegue focar mais em um ambiente diferente da sua casa, ou até porque precise do estímulo dos colegas para realizar suas tarefas. E, mesmo nesses casos, o escritório não é a única resposta: estão crescendo pelo mundo os “third places”, que não são nem o home office e nem o office; mas um coworking, ou um café.
Estamos diante de uma oportunidade única para construirmos novos modelos de trabalho, que privilegiem uma vida mais equilibrada, saudável e feliz.
Precisamos assumir nosso protagonismo nas discussões sobre o futuro do trabalho nas empresas, nas instituições de ensino, na mídia – pois só assim poderemos influenciar os resultados desse momento de transição que estamos vivendo.
ANDREA JANÉR (@andrea.janer) é empreendedora e apaixonada pela conexão entre inovação, conteúdo e educação. Acredita que repertório é a chave que muda o mindset das pessoas. Tem um olhar particular para a curadoria de tendências e vem ajudando pessoas e empresas a se engajarem nos grandes temas que vão impactar o mundo por meio da Oxygen (@oxygen.brasil), uma plataforma de conteúdo em inovação que oferece aulas, encontros online, sessões de debates e viagens.