O Orçamento de 2021 deixou o presidente Jair Bolsonaro sem recursos suficientes para o Plano Safra. Foi esse programa que ficou sem repasses da União em 2015 e serviu de base para a queda de Dilma Rousseff (PT).
De acordo com membros do governo ouvidos pela Folha, a situação é considerada muito grave. Isso pode gerar acusações de crime de responsabilidade contra o governo, o que pode levar a uma ameaça de impeachment.
O Orçamento foi aprovado pelo Congresso em março, com atraso. O texto precisa ser sancionado até o dia 22 de abril por Bolsonaro.
Um dos efeitos mais imediatos é que o Plano Safra 2021/2022 deve ficar travado até que o impasse seja resolvido. Isso afeta um programa que movimenta centenas de bilhões de reais em empréstimos ao setor agrícola, base eleitoral Bolsonaro.
Alertas sobre o problema têm sido feitos nos últimos dias por diferentes técnicos do Ministério da Economia e até pelo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal.
O secretário enviou a colegas da pasta um texto, obtido pela Folha, no qual indica possível crime de responsabilidade de agentes públicos pela situação e demanda providências.
A falta de verbas para o programa ocorreu após o Congresso cortar recursos de diferentes ações obrigatórias na tramitação da proposta. Entre os cancelamentos, estão R$ 2,5 bilhões originalmente destinados ao Plano Safra.
O programa ficou com um déficit calculado entre R$ 2,3 bilhões e R$ 2,7 bilhões em relação aos R$ 6 bilhões demandados para 2021. A maior parte das verbas previstas para o Plano Safra é de obrigações já assumidas pela União.
A falta dos devidos pagamentos do Tesouro aos bancos públicos que operam o programa representaria um empréstimo das instituições à União —algo proibido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Por isso, o Plano Safra não pode ficar sem dinheiro para operações já contratadas.
A LRF diz em seu artigo 36 que “é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.
Em 2015, durante a gestão da petista, o Tesouro deixou de pagar R$ 3,5 bilhões ao Banco do Brasil pelo programa (em valores da época). Em valores atualizados pela inflação, o número seria de R$ 4,4 bilhões.
Cinco anos após a queda de Dilma, o Plano Safra volta a gerar preocupações.
Funchal alertou a colegas da pasta que o Tesouro não tem recursos suficientes para compensar os cortes na proporção promovida pelo Congresso e disse que a situação gera “riscos a que estão expostos os agentes públicos da STN [Secretaria do Tesouro Nacional], e consequentemente, do Ministério da Economia”.
“Os cortes promovidos durante a tramitação do Orçamento trazem riscos e criam obstáculos para o cumprimento das regras e normas que visam assegurar a responsabilidade fiscal, e podem imputar crime de responsabilidade para as autoridades envolvidas”, diz Funchal no texto enviado aos colegas.
O secretário demanda providências do ministério, inclusive junto ao Congresso Nacional.
Ele diz que, sem medida, o cumprimento das normas legais sobre o processo orçamentário pode ficar impossibilitado, “sob risco de responsabilização dos agentes públicos que deram causa à presente situação”.
Estão sendo discutidas diferentes medidas em paralelo para mitigar os cancelamentos. Porém, as ações são consideradas insuficientes até agora.
Está em debate, por exemplo, reduzir em até R$ 300 milhões novas contratações do Plano Safra em 2021 e deixar de publicar portarias liberando novos recursos para o Plano Safra 2021/2022, com impacto inicial de quase R$ 600 milhões.
Como ainda assim restaria um rombo nas contas, foi solicitada uma maneira de o Ministério da Economia recompor as ações do Plano Safra. Ainda não se sabe de que área esse valor poderia sair.
Técnicos avaliam que será necessário um novo projeto de lei para recompor os valores. Mesmo esse remanejamento de verba no Orçamento, no entanto, depende de corte de outras despesas, como recursos para obras que foram elevados pelos parlamentares.
Questionado sobre que medidas serão adotadas para resolver o problema do Plano Safra, o Ministério da Economia afirmou que o Orçamento ainda está em processo de avaliação.
“Todos os questionamentos feitos pela reportagem serão analisados em conjunto, dentro do prazo constitucional”, afirma a pasta em nota.
A Constituição dá 15 dias úteis, a partir do recebimento da proposta (31 de março), para o presidente vetar total ou parcialmente o texto. Decorrido o período, o silêncio do presidente significará sanção.
Mesmo que o presidente vete as emendas e envie um novo projeto para recompor as verbas do Plano Safra, caso esse seja o caminho adotado, o governo ainda teria de correr para obter a aprovação do Congresso e remanejar recursos até o meio do ano.
A partir desse prazo, ficaria configurado o empréstimo dos bancos à União conforme determinação anterior do TCU (Tribunal de Contas da União).
“Caso tal situação não seja revertida até o término do primeiro semestre de 2021, é importante lembrar que não será possível realizar o pagamento aos bancos públicos federais, caracterizando operação de crédito irregular”, afirma Funchal.
Sem recursos para despesas obrigatórias, o Orçamento de 2021 tem semelhanças com o de Dilma durante o processo de impeachment.
Na época, Dilma também apresentava projeções de receitas que não eram garantidas.
Só que agora, no Orçamento que Bolsonaro está para sancionar, técnicos do Congresso dizem que a “contabilidade criativa” foi ampliada —mesmo em relação ao período da petista, criticada pela maquiagem nas contas públicas.
O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, tem a mesma avaliação. “É um Orçamento extremamente grave.”
Para ele, os artifícios usados anteriormente, como subestimar despesas, não devem mais passar despercebidos.
Bolsonaro intensificou a agenda de reuniões com as alas política e econômica do governo em busca de uma solução para o impasse nesta quinta-feira (8).
O alvo de disputa é o valor das emendas parlamentares. Negociações de última hora resultaram num valor de R$ 29 bilhões para as chamadas emendas de relator, pelas quais o senador Márcio Bittar (MDB-AC) distribuiu recursos para diversos estados após acordos políticos.
Guedes defende que todo esse valor seja vetado. O Congresso quer preservar R$ 16,5 bilhões.
FOLHA DE S. PAULO