O que esperar do Lula 3 na área trabalhista?

José Pastore
Na área trabalhista espera-se que as novas medidas não venham a re-engessar as regras que presidem as relações do trabalho. A simpatia pela reforma trabalhista espanhola em 2021 preocupa bastante na medida em que os mercados de trabalho e os problemas trabalhistas da Espanha e do Brasil são completamente diferentes, o que requer terapias específicas.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
O Partido dos Trabalhadores é um dos mais transparentes do Brasil quando se trata do seu posicionamento ideológico. Foi fundado em 1980 com base em uma mescla de valores do marxismo, catolicismo e sindicalismo. Desde o início, o partido se apresentou como defensor das classes destituídas, dando ampla liberdade de voz para os movimentos sociais de base.

O PT sempre foi contra a privatização, tendo lutado pela reestatização da Vale e de outras empresas que foram privatizadas. O socialismo petista tem nos trabalhadores sua referência fundamental, daí o seu grande envolvimento com os sindicatos. O partido privilegia a democracia participativa. Dela participam, além da militância petista, intelectuais orgânicos, de esquerda, e representantes da cultura. Para o PT, o importante é chegar a uma perspectiva socialista e não apenas reformar o capitalismo.

O PT sempre defendeu uma larga participação Estado na economia. Em 1988, a bancada do partido votou contra o texto final da Constituição. Fez o mesmo em relação ao Plano Real (1998), o sistema de câmbio flexível (1999) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000). O leitor encontrará esses posicionamentos nos anais dos vários Congressos e Encontros Nacionais do Partido.

Na área sindical, o PT evoluiu bastante. Nos idos dos anos oitenta, foram muitas ocasiões em que, por desavença com os empregadores, os sindicalistas quebravam equipamentos das empresas e até mesmo os carros que ajudavam fabricar. Era a operação “vaca brava”. Houve época em que dirigentes sindicais, junto com lideres do MST, invadiam propriedades, destruindo equipamentos e até mesmo 25 anos de estudos que estavam em andamento nos centros de pesquisa da Embrapa em vários estados do Brasil.

O Partido teve uma excelente escola de treinamento sindical localizada em Cajamar, São Paulo. A concepção básica dos vários programas era de um inevitável choque entre capital e trabalho. Em um dos documentos didáticos, lia-se o seguinte: “patrão e peão são como óleo e água, não se misturam. O óleo sempre fica por cima e a água por baixo.”1

Felizmente esse tempo passou, embora, no recente discurso às centrais sindicais (18/1/23), o Presidente Lula ancorou a sua fala no choque entre capital e trabalho e estimulou os dirigentes sindicais ali presentes a pressionar os empregadores nas portas das fábricas e dos bancos. Na mesma semana, Lula havia realizado uma demissão coletiva de mais de mil servidores pelo fato de terem sido nomeados pelo governo passado. Será que não havia ninguém competente naquele grupo?

Demitir é fácil; o difícil é contratar bons talentos. Mas, nesse campo, o PT tem como tradição contratar dirigentes sindicais para as posições chave nos órgãos públicos. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas mostrou que só no primeiro mandato de Lula (2003-06), 45% da cúpula do governo era composta por sindicalistas,2 sendo 84% filiados à CUT e ao PT.3

Teve destaque a nomeação de dirigentes sindicais para cargos de Ministros como ocorreu com Ricardo Berzoini, Luís Gushiken, Luiz Marinho e outros. No primeiro mandato de Lula, o número de filiados das centrais sindicais aumentou de forma expressiva.4 No segundo mandato, elas tiveram um precioso reforço de caixa graças à aprovação da lei 11.648/08 que garantiu às centrais sindicais 50% dos recursos arrecadados pelo governo na forma de contribuição sindical. No texto aprovado pelo Congresso Nacional, o artigo 6º estabelecia que as centrais sindicais eram obrigadas a prestar contas ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos provenientes dos cofres públicos. Lula vetou esse artigo.

No 6º Congresso do PT realizado em 2017 estavam definidos os temas trabalhistas a serem tratados naquele ano e nos subsequentes: “Continuaremos a lutar pela revogação da lei de Terceirização (13.429/2017) e pela retirada do projeto de lei que visa fazer a reforma trabalhista”.5

Como se vê, os primeiros movimentos do governo Lula em 2023 têm suas raízes em teses amadurecidas e discutidas pelos militantes do PT há muito tempo: rejeição do teto de gastos, da privatização, das reformas trabalhista e previdenciária, da lei de terceirização e do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, etc. Lula camuflou essas ideias durante a campanha eleitoral de 2022 para, com isso, ampliar o seu arco de apoio político. A tática da simulação sempre marcou a trajetória politica de Lula, o que foi bem documentado, em eleições passadas, pela rica narrativa de João Borges em livro recente.6 Mesmo agora, o que foi promessa de ação imediata, transformou-se em temas de discussão de grupo e acenos de cumprimento de forma gradativa e sem horizonte de tempo. Refiro-me a promessa de passar o salário mínimo para R$ 1.320,00 (e mais) e de liberar do imposto de renda os que ganham menos de R$ 5.000,00.

A propósito de desdizer o que foi dito, convém lembrar que o PT, por meio da CUT, sempre se posicionou contra o imposto sindical sendo a favor de contribuições espontâneas, a ponto de muitos dos seus sindicatos devolverem aos trabalhadores o que era arrecadado como imposto sindical. Hoje, travestida de “taxa de negociação” ou “contribuição negocial”, ou “aporte de solidariedade”, as centrais buscam criar uma contribuição obrigatória para todos os que se beneficiam da negociação coletiva, filiados e não filiados dos sindicatos.

O estilo de administração dos governos do PT foi caracterizado pela profusão de órgãos colegiados – conferências nacionais, comissões, grupos de trabalho e vários outros sobre os mais variados temas – juventude, mulher, idoso, deficientes, índios, cidades, emprego, economia solidária, meio ambiente, etc. Todos eles compostos por dirigentes sindicais e de ONGs, empresários e representantes do governo que, na maioria das vezes, pouco entendiam dos assuntos tratados. Em muitos casos essas assembleias terminavam com voto de aclamação, sem espaço para o debate das divergências.

No período de 2003-16, o Brasil virou a terra dos conselhos. Os governos viabilizavam as reuniões desses grupos pagando passagens, estadia e alimentação para a maioria dos participantes, o que animava a militância partidária, produzia manchetes, pautavam parlamentares, e gerava um grande numero de sugestões -, a maioria engavetada. Assim foi com o Fórum Nacional do Trabalho que se reuniu durante 18 meses de 2003-05 sem nenhum resultado prático. O mesmo ocorreu com a maior parte das conferencias, conselhos e comissões. Cerca de quatro mil projetos de lei muitos dos quais nem chagaram a tramitar foram inspirados em duas mil propostas das conferencias nacionais.7 Até 2014 haviam participado daquelas reuniões, mais de seis milhões de brasileiros.8 É uma atividade cara.

Como será o relacionamento com os sindicatos no atual governo? Lula já afirmou que vai reativar os conselhos desativados pela gestão anterior. No campo trabalhista, nos primeiros quinze dias de governo, foram criados três grupos de estudos, a saber, salário mínimo, negociações coletivas e trabalho em plataformas digitais. Está acertada a recriação do “Conselhão” – Conselho Econômico Social de assessoramento na área econômica. O aparelhamento da máquina pública e a multiplicação de conselhos fazem parte dos planos do PT.

O assembleísmo pode ser democrático e útil para os participantes. Mas, é prejudicial ao desenvolvimento do país que requer decisões rápidas e bem fundamentadas para atrair investimentos em áreas promissoras como as do meio ambiente, energia e infraestrutura. O assembleísmo trava a administração. Mesmo nos casos de propostas construtivas, as discussões infindáveis retardam as decisões do governo. Para ilustrar, basta lembrar que, no tempo do PT, o tempo médio para se conseguir uma licença ambiental era de 208 dias. Havia casos de anos. Essa demora prejudicava os projetos e desestimulava os investimentos.10

Oxalá o Presidente Lula persiga outro caminho, evitando a lentidão e o alto custo da conversação sem limites e equipe os órgãos de governo com a competência que eles requerem. Na área trabalhista espera-se que as novas medidas não venham a re-engessar as regras que presidem as relações do trabalho. A simpatia pela reforma trabalhista espanhola em 2021 preocupa bastante na medida em que os mercados de trabalho e os problemas trabalhistas da Espanha e do Brasil são completamente diferentes, o que requer terapias específicas.

Enfim, o ser humano sempre pode mudar e aperfeiçoar seu modo de fazer as coisas. É isso que espero do novo governo.

1 Central Única dos Trabalhadores (CUT), Caderno de Formação nº 1, 1987

2 “45% da cúpula do governo é sindicalizada”, Pesquisa do CPDOC/FGV, resumo publicado na Folha, 17/09/2007.

3 Maria Celina D’Araújo, “A Elite Dirigente do Governo Lula”, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010

4 “Centrais sindicais cresceram no governo Lula”, Valor, 29/12/2006.

5 “PT – Resoluções aprovadas no 6º Congresso Nacional”, 2017.

6 João Borges, Eles não são loucos, São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

7 Thamy Progrebinschi, “As Conferencias Nacionais e o Experimentalismo Democrático Brasileiro”, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2009.

8 Secretaria do Governo Federal, “Conferências Nacionais 2013-14”, Brasília, 2015; Conferências Nacionais 2010-2013, Conferências Nacionais 2010-2013 texto de apresentação (pucsp.br).

9 “Qual o prazo para obtenção de uma licença ambiental?”, WayCarbono, 2019, Qual o prazo para obtenção de uma licença ambiental? (waycarbon.com).

10 Ricardo Wegrzynovski, “Meio ambiente – cabo de guerra”, Brasília: IPEA, 11/12/2006

https://www.migalhas.com.br/depeso/380712/o-que-esperar-do-lula-3-na-area-trabalhista

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