Boa notícia é que esfriamento da demanda pode ajudar a aliviar a pressão inflacionária e a acomodar preços das commodities, apesar da piora nas projeções para 2023.
Por Darlan Alvarenga, g1
A contração do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos pelo segundo trimestre seguido e indicadores econômicos na Europa evidenciam o cenário de desaceleração da economia mundial, aumentando os temores de uma nova recessão global apenas dois anos após a última – daquela vez, na esteira da pandemia da Covid-19.
Cada vez mais economistas veem como iminente a chegada de uma recessão não só na maior economia do mundo, mas também em países europeus, além de riscos de retração inclusive em países como o Brasil.
O pano de fundo para o novo abalo na economia global é a disparada da inflação, que tem batido recorde de mais de quatro décadas no mundo.
A alta de preços acontece em meio à guerra na Ucrânia e gargalos nas cadeias de produção após o impacto da pandemia. E, buscando conter a inflação, o Federal Reserve (Fed) e outros bancos centrais ao redor do mundo têm elevado as taxas de juros – ‘esfriando’ a economia, ou seja, colocando freios no crescimento.
“Um processo inflacionário dessa magnitude não é trivial. Toda vez que teve inflação elevada no passado e que o Fed e os bancos centrais tiveram que subir taxas de juros, tivemos uma recessão”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Se a recessão global, por ora, ainda não é realidade, não há dúvidas a respeito de uma desaceleração rápida da atividade econômica global e da piora das expectativas.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou no final do mês passado sua previsão de crescimento global para 2022 e 2023, alertando que a perspectiva piorou significativamente e que o mundo poderá em breve estar à beira de uma recessão global.
Mas o que define uma recessão e quais as consequências para a economia? O que explica a atual desaceleração global e quais os riscos de uma nova retração do PIB do Brasil?
Como se define uma recessão? EUA já estão?
A definição de recessão técnica é o registro de dois trimestres consecutivos de declínio do PIB. Por esse critério, a economia dos EUA já estaria em recessão.
Muitos economistas, porém, assim como o governo de Joe Biden, avaliam que a economia norte-americana não está em uma recessão clássica, porque ainda registra outros indicadores mais favoráveis, como de gastos das famílias e de criação de vagas de trabalho.
“Recessão na verdade é quando você tem um conjunto amplo de indicadores – consumo, investimento, emprego –, todos eles piorando, não só o PIB negativo”, afirma Caio Megale, economista-chefe da XP. A avaliação dele, de qualquer forma, é que tanto os EUA como a economia global dificilmente escaparão de uma nova recessão.
A inflação ao consumidor nos Estados Unidos saltou para 9,1% em julho, atingindo a maior taxa anual em 40 anos e meio – e, por outro lado, o mercado de trabalho continua aquecido, o que tem elevado as apostas de que o Fed terá que promover uma elevação mais rápida dos juros para esfriar a economia e frear a alta de preços.
Para os economistas, os EUA podem até não estar em recessão ainda, mas será difícil escaparem dela.
“Para a que a economia americana se reequilibre e tenha uma queda de inflação, os EUA vão precisar passar por uma por uma recessão nesse conceito mais amplo, com queda mais expressiva de consumo, aumento da taxa de desemprego. Então, o Fed e o mundo irão ajustar os juros, até esse cenário de recessão ficar mais claro”, diz Megale.
Qual a dimensão esperada do abalo e os riscos?
Na Europa, o banco central britânico alertou nesta semana que o Reino Unido enfrentará uma recessão e avaliou que a economia começará a encolher a partir do último trimestre de 2022, podendo se contrair até o fim de 2023.
“Há um conjunto de países sofrendo desse mesmo processo inflacionário que advém das pressões da pandemia e da guerra. Então, tudo indica que de fato tem um ciclo recessivo global pela frente, que vai pegar um cheio especialmente os Estados Unidos da Europa. Ainda não aconteceu, mas estamos caminhando para uma recessão global sincronizada”, avalia o economista da MB.
Ainda que o movimento de contração econômica não se dissemine por todas as regiões do globo, vale destacar que somente o bloco dos países do G7 (EUA, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido) respondem por quase 50% do PIB global. E, num mundo globalizado, um abalo nas maiores economias significa um freio na atividade econômica em todos os continentes.
Importante destacar que, apesar da piora das projeções para a economia global, instituições como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o FMI continuam prevendo que o PIB global anual irá crescer em 2022 e 2023, ainda que com taxas mais fracas.
Veja no gráfico abaixo:
Nem os mais pessimistas veem, porém, o risco de uma recessão tão aguda como a registrada em 2020 ou um colapso como o ocorrido durante a crise financeira global de 2008 e 2009.
“Dessa vez eu acho que vai ser uma recessão que pode ser curta. É uma questão mais cíclica mesmo. Acho que serão dois, três trimestres de desaceleração mais expressiva e de queda do consumo. Mirando meados do ano que vem, o trabalho pode estar feito e o Fed pode começar a pensar em cortar juros,” avalia Megale.
Ainda que de baixa magnitude e de curta duração, uma recessão sempre traz consequências amargas, pois provoca um freio nos investimentos e no comércio global, e derruba a confiança de empresários e consumidores, o que fatalmente implicará em cortes de empregos e maior risco de falência de empresas no mundo todo.
E qual é a situação da China?
Na China, a inflação não é um problema, mas a segunda maior economia do mundo também tem mostrado um esfriamento desde 2019. O PIB chinês registrou forte desaceleração no segundo trimestre, afetado por ‘lockdows’ em várias cidades do país por causa da Covid-19.
A China foi a única grande economia do mundo que escapou de uma contração em 2020 e uma recessão está novamente fora do horizonte. A performance do PIB neste ano, porém, está bem abaixo da meta do governo de cerca de 5,5% para este ano.
Em razão do peso das exportações no PIB do país, uma recessão global pode colocar um freio ainda maior na economia chinesa. O FMI projeta para a China um crescimento de 3,3% em 2022 e de 4,6% em 2023.
“Costuma-se dizer que quando a China está crescendo em torno de 4% ela já está em recessão, porque não consegue absorver toda a mão-de-obra entrante”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, destacando que a economia chinesa possui um peso de 18,5% no PIB global e imenso protagonismo no comércio global.
Quais as consequências para o Brasil?
Ainda que os riscos domésticos superem de longe os externos, uma recessão global terá consequências também no Brasil, sobretudo para o canal de exportações. Isso porque se o mundo passar a consumir menos, comprará também menos produtos brasileiros como petróleo, minério de ferro e grãos.
A balança comercial brasileira já registrou uma queda no superávit em julho, que encolheu para US$ 5,4 bilhões, contra US$ 8,8 bilhões em junho. No acumulado em 7 meses, o recuo é de 10,4% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Uma recessão global tem potencial também de interromper o processo de recuperação do mercado de trabalho brasileiro, com reflexos negativos na taxa de desemprego. Apesar do recuo nos últimos meses, cerca de 10 milhão de brasileiros estão em busca de trabalho.
Curiosamente, uma recessão global traria um efeito positivo para o cenário macroeconômico brasileiro. Como boa parte das pressões inflacionárias é global, um desaquecimento da economia mundial tende a acomodar os preços das commodities, podendo ajudar a frear a inflação, que segue em dois dígitos no Brasil.
“O nosso principal problema hoje é inflação. A gente sabe que boa parte da inflação é global, o mundo inteiro está com inflação alta. Quanto mais bancos centrais atuarem, mais a inflação desacelerar, melhor vai ser para o nosso processo de reequilíbrio”, afirma o economista-chefe da XP.
O Brasil corre o risco de entrar em recessão em 2023?
Segundo a última pesquisa Focus, do Banco Central, a projeção atual do mercado para a economia brasileira é de um crescimento de 1,97% em 2022 e de 0,40% em 2023.
Os analistas alertam, porém, para o aumento das incertezas domésticas – e não descartam o risco de uma nova recessão ou de mais um ano de PIB pífio.
“Vamos estar trocando uma inflação alta por uma inflação menor com um crescimento também menor”, resume Alex Agostini.
Sergio Vale acrescenta que o crescimento do PIB brasileiro neste ano tem sido “anabolizado” pelo pacote de medidas aprovadas que permitiram ao governo a criação de uma série de benefícios às vésperas das eleições. Apelidada de “PEC Kamikaze”, a proposta prevê um gasto adicional de R$ 41,2 bilhões neste ano.
“Estamos uma economia muito frágil há muito tempo. Desde 2015, 2016, o Brasil não conseguiu imprimir o ritmo forte de crescimento. A gente não tem conseguido avançar nas reformas e, ao mesmo tempo, o governo resolveu entregar todas as cartas e fazer todo um movimento pró-eleição, jogando um crescimento artificial esse ano, mas que lá na frente vamos ter que pagar o preço disso”, avalia o economista da MB.
A XP trabalha com o cenário base de alta de 0,5% do PIB em 2023, mas não descarta o risco de uma eventual retração no ano que vem.
“A gente vai precisar passar por uma acomodação de crescimento para trazer a inflação para baixo. Pode acontecer uma queda mais bruta, mas eu acho que é menos pelo risco global e mais pelo risco doméstico mesmo”, diz Megale, citando as preocupações com a expansão dos gastos do governo e trajetória da dívida pública.
E quais os impactos para o câmbio?
Diante dos aumentos da taxa de juros nos EUA, o dólar vem se valorizando frente a outras moedas. Em julho, por exemplo, o euro caiu abaixo da paridade em relação ao dólar pela primeira vez em 20 anos com o aumento dos riscos de recessão na Europa.
Frente ao real, no entanto, o dólar ainda acumula desvalorização de cerca de 7% no ano.
A perspectiva de novas altas de juros na maior economia do mundo torna os títulos do Tesouro norte-americano mais atraentes, porque pagam taxa maior, o que faz aumentar a demanda por dólares e, consequentemente, a eleva a cotação da divisa frente a outras moedas.
No Brasil, entretanto, o chamado diferencial de juros tem mantido a atratividade da renda fixa, o que continua estimulando o ingresso de recursos de investidores estrangeiros e a valorização do real frente ao dólar. Com a elevação da Selic para 13,75% ao ano, o Brasil se isolou ainda mais da liderança do ranking mundial de juros reais, com uma taxa de 8,52% de retorno, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses.
A projeção do mercado para a taxa de câmbio permanece em R$ 5,20 para o fim de 2022 e para o fim de 2023. Na visão dos analistas, a cotação do dólar continuará sendo guiada pela intensidade do aperto de juros nos EUA e pelas incertezas em relação às eleições presidenciais e controle da dívida pública.
“Trajetória de dívida crescente pressiona juros e vai gerando incerteza. A gente está meio que patinando no gelo fino do lado fiscal. É preciso tomar cuidado para que nessa transição haja, pelo menos no início do próximo governo, um ajuste e uma sinalização clara de qual é a próxima âncora fiscal”, afirma Megale.