Valor Econômico – 20/10/2021 –
Artigo de Thiago Mancini Milanese
A Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional publicou o Parecer n° 14483, de 24 de setembro, reconhecendo que não existem fundamentos jurídicos para excluir o ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins, assim contrariando o recente entendimento da Receita Federal sobre o tema.
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. Desde então, a Receita Federal tem buscado alternativas para minimizar os impactos dessa decisão. Por exemplo, ao editar a Instrução Normativa (IN) nº 1.911/2019, a qual regulamentou o PIS/Cofins, indicou que aceitaria apenas a exclusão dos valores correspondentes ao ICMS pago, o que reduziria, com grande extensão, a perda de arrecadação gerada pela decisão do STF.
Nessa mesma IN, a Receita Federal alterou a forma de cálculo dos créditos do PIS/Cofins, segundo seu regime não cumulativo, retirando a previsão anteriormente contida na legislação (na revogada IN nº 404/2004) que incluía o ICMS nesse cômputo.
Essa última medida deixou muitos contribuintes e advogados de “orelhas em pé”, mas não causou um grande alvoroço, já que não havia qualquer indicativo expresso da Receita que pudesse confirmar a necessidade de excluir o ICMS dos créditos do PIS/Cofins.
O julgamento no STF foi definitivamente encerrado neste ano e tudo parecia caminhar para a pacificação do assunto. Mas novamente os contribuintes foram pegos de supetão. A Receita, por meio do seu órgão consultivo, a Cosit, emitiu o Parecer n° 10/2021 e alterou o cálculo dos créditos relativos a essas contribuições, confirmando o que já previra na IN nº 1.911/2019.
De acordo com esse parecer, o ICMS deve ser excluído do computo dos créditos do PIS/Cofins, calculados sobre produtos adquiridos para revenda e empregados como matérias-primas, por exemplo, em observância ao princípio da razoabilidade.
O órgão consultivo da Receita defende que o ICMS deve ser excluído dos créditos em atenção ao princípio da razoabilidade, pois não seria razoável excluir o ICMS do débito dessas contribuições e incluí-lo no respectivo crédito.
O parecer da Cosit aplica uma espécie de “verniz” de legalidade sobre o tema e pode até parecer razoável para algumas pessoas, já que reduz do crédito algo que foi subtraído do débito (o ICMS). Porém, como a própria PGFN agora confirma, essa medida não possui nada de legal.
É importante ter em mente que a base de cálculo do PIS/Cofins não se confunde com a sistemática de créditos dessas contribuições (regime não cumulativo).
A base de cálculo desses tributos é formada pela receita bruta auferida pelas pessoas jurídicas, cujo conceito não compreende o ICMS destacado nas notas fiscais, segundo o STF. É dizer, o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins porque não representa receita bruta para as pessoas jurídicas.
Os créditos dessas contribuições, por outro lado, são calculados sobre o custo dos produtos adquiridos para revenda e bens e serviços empregados na atividade industrial. É fácil perceber que a sistemática de créditos não envolve o conceito de receita bruta. Tratam-se de situações e bases completamente distintas.
O ICMS não deve ser incluído na base do PIS/Cofins porque não está abrangido pelo conceito de receita bruta. Esse mesmo raciocínio não pode ser empregado aos créditos desses tributos, pois esses, segundo a própria Receita, são calculados tomando como base o custo de aquisição das mercadorias ou serviços, no qual o ICMS sempre esteve encampado.
Vale dizer, nunca houve dúvidas quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins. Inclusive, a antiga IN que regulamentava esses tributos – a de nº 404/2004 – previa, expressamente, que os créditos do PIS/Cofins deveriam ser calculados sobre o custo de aquisição de bens e serviços, no qual deveria ser incluído o ICMS.
O ICMS é um tributo que compõe a própria base, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. Trata-se do denominado cálculo “por dentro”, que faz com que o montante do imposto não possa ser dissociado do valor da mercadoria e, por essa razão, integre o seu custo de aquisição. Essa conclusão é da própria Receita que, até 2019, reconhecia a integração do ICMS no custo de aquisição para fins de cálculo dos créditos do PIS/Cofins.
Isso demonstra que a decisão do STF não trouxe qualquer alteração nessa sistemática capaz de justificar essa guinada na orientação da Receita. Portanto, a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins não poderia ser confirmada e justificada com base na decisão proferida pelo STF.
A conclusão é também compartilhada pela PGFN. No recente Parecer n° 14483/2021, esse órgão concluiu não ser possível, “com base apenas no conteúdo do acórdão, proceder ao recálculo dos créditos apurados nas operações de entrada, seja porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida nos autos”.
Por outro lado, devemos lembrar que a Constituição Federal impede que a União venha a exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Trata-se do princípio da legalidade tributária que constitui uma importante limitação ao poder de tributar.
A forma legal de cálculo adotada pelo legislador ordinário, no tocante aos créditos do PIS/Cofins, permanece incólume desde a edição das Leis n° 10.637/2002 e nº 10.833/2003, não tendo ocorrido qualquer alteração legislativa nesse sentido. Assim, qualquer tentativa de alteração da forma de cálculo dos créditos do PIS/Cofins por ato infralegal, tal como pretendeu a Receita, esbarrará no princípio da legalidade tributária.
Thiago Mancini Milanese é advogado, sócio do GRM Advogados, especialista em direito tributário pela FGV