Folha de S.Paulo – 19/10/2021 –
Artigo de Pablo Costa, economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)
À medida que os países latino-americanos enfrentam a formidável tarefa de recuperação econômica após a pandemia de Covid-19, eles também enfrentam um mercado de trabalho que pode ter mudado de maneira irreversível durante a pandemia. Embora muitos empregos tenham sido eliminados, muitos outros —relacionados, por exemplo, à automação, plataformas eletrônicas e análise de dados— foram criados. Suprir o mercado com habilidades relevantes será fundamental para uma recuperação rápida e equitativa.
De acordo com o novo estudo do Banco Mundial, “The fast track to new skills” [O caminho rápido para novas habilidades], os cursos tecnólogos no Brasil ou cursos de ensino superior de curta duração (SCPs, na sigla em inglês) são particularmente adequados para esta tarefa. Com duração de apenas dois ou três anos, esses são cursos práticos voltados para o mercado de trabalho. Eles são atraentes para muitos estudantes, incluindo não apenas aqueles sem interesse, tempo ou preparação acadêmica para um curso mais longo, mas também aqueles que buscam novas competências após uma graduação.
Os cursos também são atraentes para os empregadores, que muitas vezes enfrentam dificuldades para encontrar mão de obra qualificada. No entanto, apenas 9% de todos os estudantes de ensino superior na América Latina e no Caribe (ALC) estão matriculados em SCPs (cerca de 10% no Brasil), muito abaixo da média mundial de 24%.
Existem muitas razões para ser otimista em relação aos SCPs na América Latina e no Caribe. Embora seus estudantes sejam geralmente mais desfavorecidos, menos tradicionais do que os estudantes em programas de graduação, esses cursos formam mais profissionais.
Além disso, os graduados em SCPs obtêm melhores resultados no mercado de trabalho —menor índice de desemprego, maior índice de emprego formal e salários mais altos— do que os estudantes que iniciam e abandonam um programa de graduação, ou cerca da metade de todos os estudantes de ensino superior da região.
A demanda por graduados em SCPs é alta, especialmente nas áreas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, engenharia, ciência, administração e finanças. Graças à sua estreita conexão com a economia local, os SCPs podem responder com agilidade às demandas do mercado de trabalho local —abrindo, fechando e atualizando os currículos conforme a necessidade dos empregadores locais. Esta característica é fundamental neste momento de mudanças tecnológicas rápidas e frequentes.
A fim de obter informações mais granulares sobre os SCPs na região, entrevistamos mais de 2.000 diretores de cursos em cinco países da ALC, incluindo 600 no Brasil (nos estados de São Paulo e Ceará). A pesquisa constatou que no Brasil os cursos apresentam muitas características desejáveis. Ainda mais do que nos outros países pesquisados, o Brasil tem estudantes mais velhos em seus cursos tecnólogos de meio período. A maioria dos cursos teve início há apenas alguns anos e as turmas são relativamente pequenas, com poucos alunos por professor.
Quase todos oferecem um currículo fixo, o que facilita a progressão dos alunos ao longo do programa. Cerca de metade do tempo é dedicada à formação prática, e aproximadamente um quarto a um estágio fora da instituição. Os professores são altamente qualificados e contratados principalmente por sua experiência prática na área. As instalações e a infraestrutura são adequadas e bem mantidas. No entanto, antes da pandemia, 67% dos programas não ofereciam aulas online, sugerindo que eles podem ter enfrentado dificuldades para se ajustar ao ensino remoto.
De modo geral, os SCPs no Brasil estão vinculados ao setor privado. Cerca de 80% deles têm acordos de estágio com empresas privadas e muitos SCPs colaboram com as empresas na criação de currículos ou no treinamento de professores. Os SCPs ajudam os estudantes em sua busca por emprego. Por exemplo, 75% deles fornecem aos estudantes informações sobre o mercado de trabalho. Muitos coletam dados sobre o emprego dos graduados e a satisfação dos empregadores com eles. Em média, os resultados dos alunos são satisfatórios: 75% dos diretores de cursos no Brasil relatam que quase todos os seus graduados conseguem emprego formal, e os graduados ganham, em média, mais que o dobro do salário-mínimo —dois quesitos nos quais o Brasil supera os demais países da pesquisa.
Ao mesmo tempo, nem todos os SCPs apresentam resultados igualmente bons para seus alunos —nem no Brasil nem em outros países. As evidências indicam que os cursos com os melhores resultados utilizam práticas deliberadas e intencionais. Por exemplo, eles desenvolvem fortes conexões com o setor privado, auxiliam os estudantes na busca por emprego, oferecem a infraestrutura necessária, contratam professores com experiência prática na área, oferecem a oportunidade de correção durante o curso e ensinam competências numéricas.
Embora os SCPs sejam promissores, a realização de seu pleno potencial exigirá alguma intervenção de políticas em quatro áreas principais.
A primeira é a informação, uma vez que, para fazer escolhas conscientes, os estudantes precisam de informações detalhadas sobre os resultados do mercado de trabalho, custos e requisitos acadêmicos para cada programa de ensino superior – graduação e SCP. Felizmente, o Brasil já coleta os dados necessários para produzir e relatar estas informações.
A segunda área de política diz respeito ao financiamento. Esta questão é crucial no Brasil, onde 87% dos estudantes frequentam instituições privadas e pagam mensalidades, na maioria das vezes de seu próprio bolso. Além disso, o Brasil (e outros países) oferece mais subsídios aos estudantes de graduação em instituições públicas do que aos estudantes dos SCPs, muito embora estes últimos sejam mais desfavorecidos. A realocação de recursos financeiros entre estudantes e instituições, além da ampliação dos empréstimos estudantis, é fundamental neste momento.
A terceira área de política diz respeito à supervisão e regulamentação dos SCPs – anualmente, com ênfase nos resultados, e por meio de sistemas ágeis que não limitem o dinamismo dos SCPs.
A quarta área de política diz respeito à facilitação da aprendizagem ao longo da vida –para facilitar o aprendizado de habilidades em módulos e a transição dos SCPs para os programas de graduação.
Neste momento crítico, é difícil pensar em uma política pró-emprego e antipobreza melhor do que desenvolver (rapidamente) as habilidades que são tão necessárias para empresas e indivíduos. O momento para os SCPs é agora. Se não, quando?
Em colaboração com Maria Marta Ferreyra, economista sênior do Banco Mundial.