O ano que os brasileiros perderam emprego, fecharam negócios e se reinventaram

A pandemia ditou os rumos da economia e a vida dos brasileiros em 2020, ano em que o PIB teve a maior retração desde o confisco de Collor, em 1990. Com as regras de distanciamento social – necessárias para conter o avanço da Covid-19 –, lojas fecharam, milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram que se reinventar para se manter no mercado de trabalho.

O surgimento de novos casos da doença perdeu força a partir de setembro, mas uma nova onda atingiu o país, com variantes do vírus ainda mais contagiosas. Com isso, apesar da chegada da vacina, o Brasil começa 2021 em um cenário de incerteza na saúde e na economia.

Cinco histórias mostram como os brasileiros atravessaram o ano, buscando se adequar a uma nova realidade e às opções que estavam sobre a mesa para sobreviver à crise, entre elas a redução de jornada e o auxílio emergencial.

Alguns empresários não tiveram escolha senão fechar seus negócios, mas outros conseguiram aproveitar oportunidades e até cresceram.

Há quatro anos, a analista de TI Gabriela Barros Martins, de 42 anos, não imaginava que o sonho de abrir o seu próprio restaurante ruiria com uma pandemia. Mas, em maio, com as restrições de abertura e de circulação de clientes, além do encarecimento dos alimentos, ela não viu outra saída.

Com medo de não ter fôlego financeiro depois, não pegou empréstimo nem aderiu à MP 936, que permitiu a suspensão de contrato ou redução da jornada e do salário dos funcionários. Demitiu metade da equipe e investiu no delivery por plataforma, que não vingou.

Foi então que veio a difícil decisão: fechou seu negócio, o destino de vários empresários do setor de serviços, que teve queda recorde em 2020, segundo o IBGE.

Gabriela chegou a tentar fazer refeições para venda de sua casa e kits para festa junina, mas não foi adiante. Agora, descarta abrir um novo negócio. Seu foco está em retornar ao mercado de TI. Por isso, está investindo em cursos.

Eu fiquei aguardando alguma ajuda real que não veio para os pequenos (empresários). O que foi anunciado pelo governo resolvia num curto prazo. É desolador.

Em maio do ano passado, Caio Bueno, de 34 anos, perdeu cerca de R$ 2 mil de seu orçamento junto com seu emprego. Advogado autônomo e cozinheiro profissional, ele trabalhava como sushiman em uma rede de restaurantes japoneses. Só em sua unidade, foram 13 demitidos devido aos efeitos da crise gerada pela pandemia.

O morador de Vila Isabel vive com sua esposa e sua sogra e conta que, com a chegada do desemprego e a redução drástica dos trabalhos autônomos que realiza na área da advocacia, a família foi obrigada a cortar diversos gastos extras.

– Afetou muito meu consumo, tanto pelo confinamento, quanto pelo fato de eu não ter dinheiro. Antes eu comprava pela internet livros, um jogo eletrônico, alguma roupa. Tivemos que cortar isso – lamenta.

O consumo das famílias teve queda histórica em 2020, de 5,5%, segundo dados do IBGE.

Hoje, a família de Bueno se sustenta com a renda de sua esposa, que trabalha em uma empresa de consultoria e auditoria tributária. O advogado e cozinheiro continua na busca por uma recolocação profissional.

André Pacheco, de 43 anos, e sua esposa trabalham em uma barraca de yakissoba na Feira Noturna Lapa Legal. Com o fechamento do local por aproximadamente sete meses devido à pandemia, perderam praticamente toda a renda da família, que girava em torno de R$ 1.200.

André tentou receber o auxílio emergencial duas vezes, mas não conseguiu. Apenas sua esposa, que já possuía cadastro no Bolsa Família, recebeu o dinheiro destinado a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI) e autônomos que perderam renda com a pandemia.

Como as parcelas de R$ 600 não eram suficientes para sustentar seus quatro filhos e uma neta, o casal teve de cortar todos os gastos não essenciais e passou a contar com doações para sobreviver.

— O MUCA (Movimento Unido dos Camelôs) me ajudou demais e tive muita ajuda também do pessoal do Voz das Comunidades. Quando foi em outubro, a feira até voltou a funcionar, mas o faturamento não é o mesmo. As barracas ficam vazias, a gente quase não vende nada.

O professor de sociologia e filosofia Nahor Lopes, de 35 anos, recebeu a proposta de redução de salário em 75% em abril e acabou tendo o acordo prorrogado até dezembro pela escola particular em que trabalhava.

Com a perda da renda e a carga horária menor, a solução encontrada pelo professor foi trabalhar como motorista de aplicativo nas horas restantes do dia:

— Chegou um momento em que as contas começaram a acumular. Então precisei procurar um complemento. Aproveitei que em julho tinham as férias escolares e comecei a trabalhar por aplicativo e não parei até hoje — conta o mestrando em filosofia.

Insatisfeito com a condição proposta pela escola em que trabalhava, Lopes pediu demissão em fevereiro e conseguiu uma nova posição como professor em outro colégio particular. O rendimento, no entanto, ainda não foi 100% recuperado:

— O trabalho por aplicativo ajuda a pagar contas mais imediatas, mas não me impediu de pedir empréstimo ao banco. Estou voltando a me organizar (financeiramente), mas, quando preciso, ainda faço corridas. E vamos seguindo a luta.

Na contramão da crise, empresas do setor de TI puderam aproveitar a maior demanda por serviços para ampliar a base de clientes e o faturamento. Foi o que fez o Escala, startup que oferece soluções para gestão de escalas de trabalho por meio de algoritmos.

— A meta era crescer 85% em faturamento em 2020 e conseguimos alcançar esse número. Captamos três vezes mais clientes do que em 2019 e sentimos que a pandemia ajudou nesse sentido — explica Vinicius Lima, CEO do Escala.

Com a necessidade de isolamento social, a adaptação da rotina das empresas ao home office fez surgir a procura por processos que facilitassem a gestão de escalas dos funcionários.

Por isso, a startup, que foi desenvolvida no Hospital Albert Einstein, ampliou o sistema virtual de jornadas de trabalho. O resultado foi a explosão do uso do aplicativo: mais de 55 mil usuários e mais de 150 empresas impactadas, entre elas JSL, Amil e James Delivery.

— Setores como os de logística e varejo começaram a nos procurar e criamos uma ferramenta própria para atender clientes além dos hospitais — conta Lima.

A empresa também lançou o “Espaços”, aplicativo para gerir escalas de home office e presencial e gerenciar espaços de trabalho. Assim, Lima projeta mais um ano de resultados positivos:

— Dobramos o time em 2020 e esperamos, no cenário mais conservador, dobrar o faturamento em 2021.

O GLOBO

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