O Estado de S.Paulo – 24/01/2022 –
A pandemia transformou radicalmente o ambiente de trabalho nos EUA. Mais pessoas do que nunca estão trabalhando de casa. As reuniões migraram dos escritórios para as telas. Os trabalhadores estão pedindo demissão aos montes, levando as vagas de emprego para altas históricas.
Em meio à escassez de mão de obra generalizada, as empresas estão distribuindo aumentos de salários e bônus para atrair funcionários. Mas e quanto aos demais benefícios, que compõem uma grande parcela da remuneração total dos empregados? Se você escutar os chefes, eles vão dizer que as empresas têm expandido os planos de benefícios após a pandemia, oferecendo aos trabalhadores expedientes mais flexíveis, licenças médicas remuneradas e serviços de saúde mental. Mas as estatísticas oficiais mostram apenas ganhos modestos nos benefícios adicionais desde o início da pandemia. Embora o valor das compensações não salariais para os trabalhadores mal remunerados tenha aumentado mais rápido do que para os bem remunerados, a disparidade no nível de ofertas permanece enorme.
Seguro de saúde, licença remunerada, aposentadorias e outros benefícios “extras” distribuídos pelas empresas do setor privado representaram 29% da remuneração total, em média, em 2021, mais do que os 20% na década de 1970, de acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA (BLS, na sigla em inglês). Se benefícios como comida grátis fossem contabilizados, o número seria ainda maior. Um artigo publicado em 2018 por pesquisadores da Harvard Medical School, da Universidade da Califórnia em Los Angeles e da Rand Corporation analisou os dados da pesquisa e concluiu que a liberdade de definir seu próprio horário equivale a um aumento salarial de 9%; e a possibilidade de trabalhar de casa corresponde a um aumento de 4,1%.
Desigualdade
Mas esses benefícios, assim como os salários, tendem a ser distribuídos de forma desigual. Cerca de 94% dos trabalhadores do setor privado no quartil superior da distribuição de renda têm acesso a seguro de saúde por meio de seu empregador, mas apenas 40% dos trabalhadores no quartil inferior, segundo a BLS. Disparidades semelhantes existem para o seguro de vida (84% ante 25%), benefícios de aposentadoria (90% ante 44%) e licença médica remunerada (94% ante 52%). As diferenças nas condições de trabalho tornam as coisas ainda mais desiguais, de acordo com uma nova pesquisa de Jason Sockin, da Universidade da Pensilvânia. A partir de dados do Glassdoor, site onde usuários podem publicar avaliações anônimas de seus empregadores, Sockin descobriu que as empresas que pagam salários maiores tendem a oferecer melhores regalias, exacerbando assim a desigualdade do mercado de trabalho.
As iniciativas para melhorar os benefícios durante a pandemia parecem ter feito pouco para expandir a oferta a mais trabalhadores. A pesquisa nacional de remuneração mais recente da BLS apontou que o acesso às licenças médica e para cuidar de familiares remuneradas nas empresas do setor privado aumentaram, em média, apenas quatro ou cinco pontos porcentuais, respectivamente, entre março de 2019 e março de 2021. O expediente flexível, definido como a liberdade de determinar seu próprio horário de trabalho, aumentou apenas três pontos porcentuais. Peter Cappelli, da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, diz que, embora algumas empresas tenham incluído bônus de contratação e abonamento de despesas com universidade para atrair trabalhadores, elas têm relutado em gastar com benefícios mais caros. “Acho que elas estão resistindo de verdade em avançar na direção de benefícios que não vão custar quase nada para elas”, diz Capelli.
Embora o acesso aos benefícios tenha mudado pouco, eles estão pelo menos se tornando mais generosos para alguns beneficiários. Todos os anos, a BLS soma o valor das despesas com a remuneração dos funcionários. Em 2021, os trabalhadores entre os 10% com menor remuneração tiveram um aumento de 9,2% no valor real dos benefícios, em média, o maior aumento desde que os dados foram coletados pela primeira vez em 2009. Nos 12 meses encerrados em setembro de 2021, as despesas médias com os benefícios para aqueles do setor de serviços, entre eles cozinheiros, cuidadores e faxineiros, aumentaram 3,3%; em comparação com os 2,6% de todos os trabalhadores como um todo.
Escassez
A esperança é que tais aumentos continuem mesmo se a mão de obra permanecer escassa. Sockin diz que os funcionários também podem estar analisando a situação: “Acho que a pandemia levou a esse reconhecimento entre os trabalhadores de que eles podem querer mais do que apenas um salário”. Mas com o valor dos benefícios correspondendo a menos de US$ 3 por hora trabalhada para alguém entre os 10% com menor remuneração na distribuição de renda, em comparação com US$ 25 para os que estão entre os 10% com maiores salários, o abismo que precisa ser erradicado é mesmo enorme.